quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Negócio fechado: mostra a tela

E o menino pediu ao pai para passar as férias com o tio. O tio não era propriamente um parente, era o marido de uma tia, irmã do genitor do menino. Tio postiço, era o que se dizia! Eurípedes era o seu nome e Carpina a cidade em que morava. Decidira isso, porque depois de aposentado queria sombra e água fresca. Assim, alugara uma casa na Praça São José e ali costumava jogar gamão com o padre, mesmo sendo espírita por convicção. Acertaram que não conversariam sobre religião, falariam somente a propósito das peças e do tablado, nada mais. Até no dia em que a família do menino mandou celebrar uma Missa na intenção da alma de seu avô, Eurípedes absteve-se de qualquer comentário.

Pai e filho viajaram de automóvel desde o Recife, levando pouco mais de uma hora para estacionarem o veículo na casa simples, de porta e janela, daquelas que o longo corredor vai compondo o ambiente no qual desembocam os quartos, até que chega a sala de jantar e depois a cozinha. Banheiro em casa é luxo de cidade grande, dizia dona Clotilde, batendo com as mãos espalmadas na saia, costume que trouxera lá dos confins do Rio Grande do Norte, onde nascera. Pedinho, era como chamava o marido, cuida em acomodar André, guardando a mala dele e dando-lhe o quarto pra dormir. E o menino abriu a mala de lona azul e foi arrumando as suas coisas.

O movimento ali era do agrado do menino, o trem chegando pela manhã, depois das oito, o pão fresquinho da padaria de seu Jorge, as esmolas das sextas-feiras e a conversa fiada com as empregadas de casa. Verdadeiras filósofas da existência, dizia pilheriando. Eram duas morenas rechonchudas, de ancas largas e carnosas. De seios empinados, como se fossem dois pingentes que balançavam ao sabor dos movimentos do corpo. Valei-me Senhor! Era o que o menino repetia, lembrando que tinha ido pra lá, justamente, com a finalidade de refletir quanto ao seminário. Se entrava e renunciava aos apelos da carne ou se não entrava e assumia a vocação devassa de que não se orgulhava.

E elas gostavam do papo, faziam perguntas e mais perguntas. Assim: “André! Você já teve namorada?”. Tive, respondia o menino, se assanhando todo para o lado delas. E tinha tido mesmo, tinha gostado de uma vizinha, com nome e cognome, a quem tratava por Zizi e com quem quase não tivera aproximações maiores. Era desse jeito nos começos dos sessenta, do século XX. Esse foi um amor interesseiro, comentava, porque funcionava apenas quando a bicicleta dela quebrava e precisava de reparo. Era pneu furado, jante empenada e corrente fora da coroa, sem puxar a catraca a contento. Não passava disso e de mais a mais os colegas da rua diziam que ela usava peitex. E o menino se perturbava muito com isso!

Mas, ali não, ali era diferente. As duas tinham seios que fazia gosto e não se utilizavam de adereços nascentes. Na hora do banho ele ficava do lado de fora, vendo a espuma do sabonete escorrer mundo a fora, sem poder ver aquelas duas nuas em pelo. E o menino pediu e rogou: nada. Até que numa tarde qualquer, uma delas disse: “Olhe! A gente sabe que você está com dinheiro. A gente pode mostrar a tela, se você nos pagar Cr$ 500,00". Dos parcos recursos, ainda sobravam seiscentos cruzeiros e o negócio foi fechado. Antes de sair de volta ao Recife, Sandra e Camila levantaram a saia e mostraram a tela.

É IMPOSSÍVEL ATUALIZAR O BLOG, PORQUE A HOTLINK NÃO ME ATENDE E EU ESTOU SEM INTERNET HÁ 3 MESES

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O fim do mundo - Impressões de viagem (I)

Extraordinária viagem essa, ao fim do mundo. Uma excursão de muitas lembranças e de um aprendizado incrível. O que foi, apenas, das lições de geografia ou de história, materializou-se aos meus olhos! Que beleza! Até a ecologia e o meio ambiente, de minhas leituras mais recentes, estiveram presentes naquelas peregrinações quase litúrgicas, aos cantos e aos recantos sagrados de preservação da flora e da fauna. Chegamos a Santiago já era noite, embora com o sol alto a iluminar a cidade e seus arredores. A urbe estava quente e foi por lá que visitamos a vinícola Concha Y Toro. Mas, valeu a pena ver, com esses olhos, as calçadas de Santiago, tão diferentes desses passeios no Brasil. Tirei uma fotografia para registrar o quanto se pode ganhar com esse equipamento urbano bem construído, forjado segundo os melhores princípios da moderna arquitetura. Dai por diante, foi só frio; frio de doer nos ossos. Nunca mais digo que em Aldeia faz frio! Mesmo que seja no pior dos invernos.
 
Difícil foi enfrentar a friagem de uma estação de observação de pinguins. Comprei de logo uma touca e um cachecol e me larguei com a máquina fotográfica à mão. Não fui muito longe, porque os 500 metros do guia da excursão transformaram-se em 1.500 e a temperatura me fazia tremer o tempo todo. Comentei com a moça da loja, num espanhol arranjado, que estava frio. E ela: "Hoje é um dia lindo de verão!". Bom, pode mesmo ser, mas de minha parte digo de pronto que quase vou ao desespero. Não vi muita coisa ou não vi pinguins que me saturassem os olhos, mas observei quatro dessas aves, duas a duas, como se guardassem os ninhos e as fotografei. Cumpri minha missão, disse com os meus botões, e voltei ao ponto zero.
 
O desgelo dos glaciais dava dó e medo, tal a repercussão, ao que se sabe, no clima da terra. Vimos por lá o conhecido Glacial Amália, derretendo e entregando ao mar pedaços de gelo de variados tamanhos. Quando descemos à chamada terra firme, visitando Ushuaia, ouvimos do taxista, Raul de prenome, palavras de admiração com o clima que vinha se estabelecendo. Foi ele quem disse: "O inverno no passado era mais intenso!". E a explicação de que as casas de telhados íngremes, cuja função no tempo do hoje não se aplicava mais, porque só muito raramente há neve e gelo a escorrerem nessas cobertas residenciais. O Parque Nacional está infestado por castores, que vieram de paisagens distantes, canadenses. E como não encontraram ali o predador natural - o urso -, têm se reproduzido de forma abundante, destruindo o que podem da flora. Achei muito interessante encontrar por lá exemplares do que chamam "zorro", creio que o equivalente à nossa raposa, passeando por entre os carros e os forasteiros que transitavam também. Beleza!
   
 Na volta o motorista nos convidou a chegar ao fim do mundo, uma passarela dava acesso a esse inusitado lugar e fomos lá, marcamos presença e vimos como termina este planeta em que vivemos.