segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Boina do General

Eu já conhecia o general de outros carnavais; de outros carnavais em termos, porque na realidade era de outras encrencas. Tinha ligado pra ele quando houve uma greve da polícia e eu resolvi pedir um apoio da tropa. Confesso que levei um fora do homem: “O senhor sabe qual é a missão constitucional do exercito?”. Eu sabia e ao mesmo tempo não sabia: sim e não, digo às vezes. Mas, disse que conhecia bem esta missão, todavia estava diante de um impasse sério e não podia deixar a Universidade desprotegida. O homem era brabo, raivoso e terminou o nosso diálogo com o um sonoro não. Voltou atrás e no outro dia lá estavam os soldados, metralhadora em punho, guardando os bancos.

De outra feita, marcaram um debate político na televisão e espalharam que as militâncias iam se confrontar. Ora pau, quase digo. Lá vou eu novamente falar com aquele homem. Mandei fazer a ligação, o cabo da guarda sentiu-se impotente para tanto, passou ao sargento que fez o telefonema circular por toda a hierarquia. Finalmente o grandão atendeu e brabo: “Diga!”. Foi o que falou. Eu com muito jeito disse de minha questão e de minhas inquietações e depois de muito vaivém decidiu mandar a PE. Por fim, pedi que os militares ficassem fora da TV, para que os acionasse diante de uma necessidade qualquer. De nada serviu o pedido, ao chegar me deparei com uma praça de guerra nos corredores da emissora. Valha-me Deus, pensei!

Pedi, com muito jeito, que fossem para a rua e fiquei com o comandante no interior da estação. Graças a Deus nada houve e fomos até o final sem uma rusga, que fosse. O engraçado da coisa foi que antes de tudo isso, para formalizar o pedido, mandei chamar o encarregado da segurança no Campus e o homem, que era quase um militar, chegou em meu gabinete, abriu a porta e disse, em alto e bom som: “Permissão!”. Entrou e ficou em posição de sentido, ouviu as recomendações para ir, urgentemente, entregar uma correspondência ao general. Ficou satisfeitíssimo e ainda perguntou: “O senhor deseja que fale diretamente com ele?”. Olhe, respondi, se você deseja ficar preso, fale. Ele foi e voltou, entrou mais uma vez em meu gabinete e verbalizou: “Missão cumprida! Mas, com ele não pude falar!”.

Por fim, fui designado pelo Reitor para comparecer a uma reunião no comando. Chegando lá, tomei assento numa sala que já estava repleta de gente; gente de todo tipo, militares e civis. Um coronel de vareta à mão dava uma explicação. O exército ia realizar mais uma ACISO, isto é por uma semana no sertão os militares deveriam cortar cabelo, fazer o pré-natal de algumas gestantes, oferecer consultas de pediatria e de clínica médica, aplicar vacinas, fazer alguns exames complementares e tratar dos dentes dos sertanejos. Foi uma manifestação de solidariedade geral. Pessoas que tinham verdadeiros espasmos de satisfação em colaborar. Chegou, então, a minha vez de falar:

- A Universidade não participa disso! Essa coisa de chegar com esse alvoroço todo e nunca mais voltar é pior do que não ir lá. Sou contra e já vi esse filme antes.

Não precisa dizer que a perplexidade foi geral. O coronel quase cai com as afirmativas e o general ficou trombudo. Um general trombudo é pior do que um touro enfurecido fora da arena. Mas, entenderam as minhas palavras e não reclamaram muito.

No final, depois que o general pediu a boina e saiu, disseram que eu era convidado para o almoço. Muito grato, respondi, não almoço fora de casa. Mas, fosse uma coisa dessas na época da ditadura, estaria almoçando atrás das grades.

(*) Escrevi o texto por dois motivos, primeiro porque não queria deixar escapar essa história pitoresca ou essas histórias pitorescas e segundo em função de que ainda não tive tempo de rabiscar o que vi e o que ouvi na Europa. Não se preocupe o leitor que me escreve sobre o Leste, hei de cumprir o prometido. De mais a mais, vou apresentar ao Conselho Estadual de Cultura um relato assim.
O Blog tem sido retrasnmitido no Jornal Besta Fubana

terça-feira, 12 de junho de 2012

Outras quadrilhas e outros rojões

O calendário, como acontece todos os anos, vai marcando o tempo das festas juninas. Mesmo com o estilizado de agora imperando nas televisões e nos palanques nunca improvisados, há uma tradição pedindo para novamente aflorar. Um ritual que ocupou boa parte dos anos, que reunidos fizeram o Século XX. Festas que vieram da Península Ibérica, sobretudo de Portugal, mas que têm na França o berço da quadrilha, dançada e chamada conforme suas origens e no idioma do nascimento. Festas que foram buscar na China a participação tão grande dos fogos de artifício. Festas, enfim, multifacetadas, que saúdam o Santo Antônio, casamenteiro por derradeiro, São João e São Pedro.

Eu era menino e morava em Santo Amaro das Salinas, do lado burguês desse bairro, testemunhei muitas vezes as tardes em que minha avó paterna preparava a massa do bolo, do pé de moleque sendo batido numa enorme panela, enquanto eu esperava um final feliz. para lamber o recipiente assim, imenso: restos da gostosa mistura. Ai pelas 16 horas a mesa era posta, o bolo exposto e os guaranás arrumados para serem servidos, como se estivessem somente aguardando a hora do jantar diferenciado do dia.

Eu só não entendia os motivos pelos quais o meu pai deixava para minha mãe a função de soltar os fogos. Eram vulcões, que postos numa das pilastras do muro, deixavam fluir verdadeiros fachos de fogo colorido. A meninada exaltava, mas se contentava com o traque de massa e a cobrinha. Nada de buscapé, rojão, quando muito um peido de velha. Uma vez consegui uma bomba de alto teor, mas não tive coragem de estourar. Falou mais alto a voz de minha mãe, uma voz silente no hoje dos dias.

Eu fazia uma fogueira; uma fogueira pequena, às custas de madeira velha, tirada, o mais das vezes, de estantes condenadas pela ação dos cupins. Primeiro essa madeira descartada ia para o quintal, nas cercanias das bananeiras e ali eu construía umas tendas nas quais dizia residir. Tinha um banquinho vagabundo lá dentro, para que me sentasse ou para receber hipotéticas visitas que nunca se ocuparam em comparecer àquele reduto da fantasia infantil. Às seis da noite era preciso acender de logo a fogueira, porque se assim não fosse, morreria o dono da casa. A qualquer custo eu acendia a madeira, às vezes molhada, diante do alpendre.

Um dia, inventei uma quadrilha; inventei, explico, para dançar com uma moça arabizada, de corpo amorenado e de características barrocas. Mas, o pai da moça tirou meu gosto! Não dancei com ela! O meu par era uma menina de caracteres parecidos, mas balofa, de seios grandes, ao contrário da original. No dia da festa – pode crer o leitor – compareceram as duas, a de corpo bem desenhado e bem talhado e a outra, um tanto quanto arredondada. Dancei com uma e fiquei, no mais puro do termo, com a outra. Que beleza! O quintal servia de cenário a tudo isso e foi por lá mesmo que enlacei nos braços a mulher de bom recorte e roubei-lhe um beijo. Não prestou não, porque minha mãe reclamou o quanto pôde. Meu pai também! Nunca esqueci essa criatura!

Fui o padre da quadrilha, vestindo uma batina do jesuíta Padre Luciano Saraiva Leão, figura muito boa e hoje encantada no infinito das coisas. Foi difícil fazer o empréstimo! Precisou enrolar muito, ter muita lábia. E numa carroça alugada, puxada por um cavalo manco, chegamos em casa, depois de um percurso debaixo de chuva, porque onde se faz uma quadrilha há sempre a chuva que molha o roçado, molhando a gente matuta. 

(**) O texto assinala o início das festividades juninas, repetindo datas. Escrevi em substituição ao que prometi sobre a minha viagem ao Leste. É vi tanta coisa que barafundei o juízo e como vou preparar uns slides para apresentar no Conselho Estadual de Cultura, onde venho atuando, nessa ocasião hei de preparar alguma coisa escrita também. O Blog é reproduzido também no Jornal A Besta Fubana.