segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Uma Avó Oitentona: Reflexões em torno de uma foto.


Precisei arrumar o meu gabinete! Afinal, o meu neto Pablo de prenome, minha filha Fabiana e o meu genro Gonzalo estavam pra chegar e minha mulher alertou para a necessidade de se ter a casa nos trinques. Foi uma mão de obra, francamente, esse exercício de relocar ou de realocar livros, papeis e textos dando uma certa ordem, quando a desordem facilita o meu trabalho de escrever e de reescrever os meus artigos e os meus livros. Veja só o leitor! Mas, fiz! O interessante é que no meio das minhas coisas encontrei fotos antigas enviadas por meu pai à sua irmã Dalila, em Juiz de Fora (MG). Dentre essas, uma chamou-me atenção: a de minha avó paterna. Já conhecia a pose da matriarca, mas nunca tinha parado e atentado para os detalhes. Embora tenha me detido, particularmente, na genealogia de meu neto Pablo. Talvez eu esteja me arvorando em campos alheios; sociológicos campos de outros autores e de outros estudiosos. Mas, andei meditando a propósito.
Há um oferecimento no verso do retrato. Assim: “Para Dalila, a nossa querida mãe aos oitenta anos – lúcida, vaidosa e bonita. Nilo. 8-1º-957”. Isso faz crer que fosse nascida em 1877 (talvez 1876), a 2 de julho de 1877, o ano da grande seca no Nordeste, sobretudo na cidade em que nascera e vivera grande parte da vida: o Ceará-Mirim. Não lembrava, propriamente, da catástrofe, mas de ouvir dizer, muitas vezes, me contara o drama da gente daquele rincão, fugindo da terrível intempérie. Retirantes que migravam em busca de um quase nada que se podia oferecer; levas e levas de maltrapilhos, esfarrapados e famintos. Mas, o meu pai nunca imaginou que 53 anos depois desse momento para sempre fixado no papel, estivesse eu, seu primogênito, fazendo análises sociológicas ou antropológicas sobre a imagem. Ela própria trisavó de Pablo.

A verdade é que a figura de minha avó, Beatriz Pereira, representa neste retrato, exatamente, a viúva de outros tempos, daqueles anos 50 mesmo, além de que o seu biótipo era, justamente, o comum das senhoras do chamado pós-guerra: matrona, gorda. O preto de seu vestido – talvez fosse um azul muito escuro – representa o traje de que se valeu por toda a viuvez. Era um hábito, depois do falecimento do marido, a mulher manter a vinculação marital assim, expondo a toda gente a sua viuvez. Note-se mais que é um vestido longo, chegando quase aos pés. O broche que traz no decote era um adereço comum, usado frequentemente. Por vezes, esse adereço trazia a fotografia do esposo morto ou trazia os cabelos de um dos filhos, do primogênito ou de um rebento que falecera precocemente, deixando saudades. Veja o leitor que ela traz na mão esquerda, no dedo anular, um anel ou uma aliança, já não lembro. Era costume usar as duas alianças, a de seu uso pessoal e a do morto. Não sei, porque não lembro, se ela fazia assim! Ao lado a fotografia de Manoel Varela do Nascimento, avô de Beatriz e Barão do Ceará-Mirim. No caso, pentavô de Pablo. Feio este homem!
Observe ainda o paciente leitor que o fotografo não teve alguns cuidados que seriam comuns no hoje dos dias. Não mandou retirar a cadeira que compõe o cenário. Isso, se trouxe no passado uma ideia de certo relaxamento estético, pode no presente demonstrar como se fazia para compor o alpendre de outrora. Uma cadeira dura, toda em madeira, pesadona. Em certos casos, como numa dessas peças de balanço, havia um almofadão preso por tiras ao longo do assento e do encosto, tornando o móvel mais confortável. E o fotógrafo, também, não se preocupou com as manchas que estão à direita de minha avó, na parede, prejudicando a estética do retrato. Do lado esquerdo uma fotografia, de todas a mais recente, de meus pais, Nilo e Lila, bisavós de Pablo.
É isso ai! Foi o que vi na fotografia e o que pude escrever a partir disso. Passe uma vista o prezado leitor e diga mais. Diga aqui mesmo, no espaço do Blog ou o faça para os meus e-mails: pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

(*) Ao meu paciente leitor adianto que já tenho uma nova história, em tudo pitoresca, para o espaço. Narrativa que me foi passada por "Boca-da-Noite", figurante interessante nessas paragens virtuais da crônica quase um conto. Comente se desejar! O texto é dedicado a Pablo, meu neto, espanhol e brasileiro, brasileiro e espanhol, ainda analfabeto, porque com 8 meses de idade não poderia ser diferente. Viva!