sexta-feira, 14 de junho de 2013

Saudades do Futuro

Fosse vivo o meu pai e me encontrasse na internet http://blogdegeraldopereira.blogspot.com/ -, com direito a muitos de meus artigos aqui publicados, não hesitaria e diria: “Invenção da mãe do cão!” E é isso mesmo: astúcia da modernidade! Os avanços são tantos e de tal maneira rápidos, que não há forma de atualização, senão a de frequentar a enorme teia virtual diariamente, buscando aqui e ali inovações da criação humana.
 
De minha parte, confesso, tenho saudades do futuro, do que está por vir, do extraordinário desenvolvimento da ciência e da técnica. Quem nasce hoje não há de se admirar, mas quem assistiu a tudo isso, quem escreveu molhando a pena no tinteiro ou quem aprendeu datilografia e gastou horas e mais horas sentado nas bibliotecas, só pode viver numa perplexidade muito grande. É o meu caso!
 
Ora, quando era menino, ganhei de presente uma pena que tinha o cabo colorido, às custas de cordões encarnados, verdes e azuis. Uma beleza! Sentava-me em antigo e carcomido “bureau” para rabiscar sentimentos emergentes. Não sabia usar as vírgulas e os pontos, pior o ponto-e-vírgula, mas já tinha desejos e vontades, de amar e ser amado, sobretudo, razão dos meus devaneios. Com um imaginário de rara fertilidade, divagava em etéreas distâncias, fantasiando paixões. Depois, ganhei uma caneta Compactor, posta hoje em feiras de antiguidades, como se eu próprio já fosse velho, condenado à condição de fóssil.
 
A seguir, quando entrei no Curso Científico, uma Parker 51, o máximo em termos de elegância masculina. Mas, aos 15 anos recomendou meu pai: “Matricule-se numa escola de datilografia! Você vai precisar! Talvez vá trabalhar no comércio!”. E na rua do Lima, com uma professora muito braba e feia, aprendi os segredos do teclado.
 
O tempo passou e eu não vi! Um belo dia me falaram do computador, dessa máquina de tantos poderes, explicando que tinha memória, isto é, que poderia guardar textos e outras formas de expressão humana. Até fotos, dizia amigo meu! Quando vi a grande rede virtual, antes mesmo dos avanços atuais da Web, francamente, fiquei encantado. Afinal, podia me sentar diante da telinha e pedir o assunto que desejasse, sem ter que me ater aos alfarrábios das bibliotecas, escolhendo o dia e a hora, livremente. Ai me animei e comprei o meu primeiro computador, que é como o primeiro amor, ninguém esquece. Aprendi a mexer sozinho, o que foi um erro, apaguei programas importantes e fiz deletar arquivos que não deveria, mas me habituei à novidade e não vivo mais sem a máquina e a rede!
 
Dia desses, porém, tendo enviado um E-mail à Inglaterra, onde pontificava amigo meu, Jair de prenome, recebi de volta uma quase desaforada resposta: “Não me escreva mais! Não lhe conheço e não conheço Jair! Não me interessam as suas posições em relação ao sistema de saúde no Brasil!” Assinava a mensagem uma certa Jéssica.


 
Preparei nova correspondência dizendo: “Desculpe! Não lhe escreverei mais! A máquina não se engana, mas o homem erra! O endereçamento não estava correto!” Fiquei surpreso, quando vi a resposta da resposta: “Pode continuar a me escrever! Sou advogada e moro em Macau! Tenho 32 anos!”. Mandei fotos do Recife e me referi às relações tupiniquins com a gente daquele lugar distante, mas um derradeiro E-mail me deixou paralisado: “Sou casada!”. Nada tinha escrito que pudesse ferir a sua situação marital, mas inibido assim, com afirmativa tão forte, esqueci a penitente. Talvez o marido, tomado pelos virtuais ciúmes, a tenha levado à drástica atitude de interromper essa nascente amizade. Quem sabe?
 
É difícil fantasiar como seria essa portuguesa largada pras bandas de Macau, se bonita ou feia, se arabizada ou não, mas é lícito pensar que toda mulher é bela, quando o sorriso largo enfeita a face e os olhos brilham irradiando as cores do arco-íris.

É por ai!



terça-feira, 4 de junho de 2013

Quarto de Hotel

 
Aqui, neste quarto de hotel, distante de tudo e de todos, faço o exercício da solidão ou a prática do diálogo interior, que é o monólogo d’alma. Sou ao mesmo tempo duas pessoas: uma que pergunta, apenas, e outra que responde, somente. Rejeito as companhias que tenho, os trovões e os relâmpagos nos céus de Belo Horizonte e vou à janela convocar parceiros para a longa jornada do absolutamente nada. Afinal, os programas de televisão não passam dos desenhos inteiramente desanimados e dos filmes de monstros. Nenhum diretor de TV considera, com razão, que no horário da tarde um marmanjo qualquer possa ligar o receptor. Ora, cheguei com 12 horas de antecedência e não há o que fazer, senão isso, refletir e olhar os ares do mundo. Há gente, todavia, como posso identificar, nos arredores do imenso prédio em que me encontro. À direita e à esquerda, em frente, especialmente: cumprem todos as rotinas do dia-a-dia das coisas.
 
Uma senhora muito velha, a jogar baralho, e uma moça findando o banho, um casal, o chefe e a secretária, encerrando o expediente e finalmente um jovem digitador, ao computador, mas com fones de ouvido, para esquecer da labuta o tédio! A idosa mulher distribui as cartas sobre a mesa e fiel às regras do jogo e realiza, com paciência, a união dos valetes e das damas, dos reis de copas e de outros naipes, também. Tem muita dificuldade em juntar as peças da sua partida solitária, mas vai fazendo como pode, coçando a cabeça branca, vez por outra, num princípio de desespero que não lhe toma o espírito. Por certo, é viúva, já viveu dias melhores e pôde dispor de companhia em horas assim, de isolamento estabelecido. Se foi feliz no casamento, se teve filhos ou não, é impossível concluir dessa distância, numa visão simplória de seu apartamento, tão apertado quanto a gaiola de seu pássaro. Um canário belga, por coincidência, pendurado na parede de frente, trina os maios belos acordes das saudades, porque as aves encarceradas cantam em louvor à fêmea imaginária, sempre. Desiste do baralho e liga o aparelho de televisão, sintoniza o canal desejado e se deita numa cadeira enorme. É gorda, descubro, obesa mesmo, imagino, enquanto lhe observo o jeito, alisando o imenso ventre, posto assim, à curiosidade de forasteiro tão curioso, quanto eu, sem ocupação, que seja. Abre a boca, fortemente, arriscando deslocar a mandíbula, tal o sono de que é tomada. Faz o sinal-da-cruz na cavidade oral, aberta como está, virada para o mundo. Apaga a luz dali mesmo e se recolhe. Vai dormir, imagino! Não tem insônia, reflito! É diferente de mim!

À esquerda, porém, há mais vida e mais movimento, na larga vivenda do quarto andar. A empregada, vestida a caráter, de azul marinho e golas brancas, arruma a cama do casal, bate o lençol e forra a colcha que me parece de cor vermelha. A moça, ao banheiro, por trás do vidro quase fosco, deixa aparecer do pescoço para cima, apenas, com a toalha posta à semelhança dos lutadores de boxe e passa o pente nos longos cabelos negros. Lembro-me de Sophia, musa dos meus anos de menino, trancafiada em casa, para não mostrar a beleza a toda a gente da rua. Olha, da forma mais fixa possível, em direção à janela do hotel, assistindo, de longe, à minha solidão. Termina o exercício com o largo e bem cuidado manto piloso e sai, vai assistir televisão, também, na sala de casa. Não chegaram os pais, compreendo, ocupados ainda com os ardores do trabalho e a telinha ajuda a matar o tempo. A escuridão da noite, entretanto, vai acendendo as luzes da moradia, uma na frente e outra atrás, a do corredor e a da varanda, a da área, finalmente, onde vive a criada, fantasiando o porvir, nutrindo os devaneios da metamorfose da criatura, cujos horizontes, socialmente estreitos, reclamam larguezas.
 
Diante de mim, bem na frente, um escritório vive o final de mais um dia e o chefe, de gravata encarnada, salpicada com detalhes que não posso divisar, exatamente, faz o balanço da jornada com a jovem secretária, cuja blusa, percebo, é da mais pura seda, champanhe na cor. Noto que ajeita os cabelos, bem soltos, com as mãos, dando um jeito, que seja, no penteado armado e arrumado pela manhã, ainda. Ouve as palavras nascidas na boca da autoridade competente e sustenta o diálogo, uma observação ou outra, mostra um papel e anota um lembrete, reúne formulários diversos e encerra o expediente, penso. Pelo menos, desliga a iluminação por inteiro. Vou descendo para jantar, quase informo, não fosse a distância dessa separação dosconvívios. Escolho o prato à sugestão do garçom, que em Portugal se chama escarção, dizia Paulo Malta - isso nunca confirmei! De logo retorno à solidão do quarto. À janela, outra vez, posso flagrar acesas todas as luzes do escritório. E a mais do que jovem secretária, terminando de vestir a blusa, passa o pente, agora, na beleza de seus cabelos, dando adeus ao chefe. Pareço ouvir: “Até amanhã!”
 
A cama é grande e fria. O sono é bem maior e os sonhos inebriam o espírito. Até amanhã, também!
 
(*) Crônica antiga, escrita durante viagem a serviço, antecipada nem lembro as razões. O leitor que me acompanha e anda reclamando da falta de periodicidade, o espaço para comentários está aberto, aqui mesmo, no Blog, além dos e-mails pereira.gj@gmail.com e pereira@elogica.com.br