domingo, 25 de abril de 2010

A Ordem do Chocalho de Ouro


As coisas no Recife mudaram inteiramente nos últimos 40 anos e a minha geração, mais que sessentona, assistiu a tudo isso. A vida é assim! As transformações se materializam ao longo das décadas, fazendo com que os mais velhos tenham lembranças que os jovens sorriem e se justificam: “Seu tempo era outro!”. Novos hábitos e novos costumes estão por ai, no cotidiano da cidade, levando a gente contemporânea a convívios e convivências diferenciados. Há uma liberdade exagerada, parece, sobretudo dentre os que emergem para o exercício da existência humana. O trabalho quase não existe e se o cidadão consegue engajar-se no mercado tudo é diferente, a máquina vai se ocupando das rotinas, a competência tem prioridade sobre tudo e sobre todos, influenciando as formas de absorção da mão-de-obra.
Os cinemas de antes fecharam as portas, em maioria, mesmo com a resistência hercúlea do São Luiz, cuja freqüência não se compara ao ontem do século que se foi. Os shoppings levaram para bairros finos as casas de exibição, as quais promovem as estréias mais importantes. O comércio, também, deixou o centro urbano e as lojas integram os condomínios dessas modernas construções coletivas, onde se vende do alfinete a veículos motorizados. Na Imperatriz e na rua Nova, por mais esforço que haja dos proprietários, é rara a presença das pessoas de classe média. Não há o lanche gostoso, apetitoso até, da Confiança, cujo sanduíche de queijo prensado no pão de caixa fez sucesso no pretérito. A sorveteria Gemba - na rua da Aurora - encantou-se pra trás e os sabores tornaram-se industrializados, nunca assemelhados àqueles. Os médicos e os dentistas dispersaram-se pelos bairros nobres.
Ninguém deseja mais residir em casas com jardins e quintais repletos de fruteiras. O cajá, o caju, a pinha, o jambo e o sapoti são produtos expostos nos supermercados. Eram presenteados outrora, de um vizinho a outro. Proliferam os prédios enormes, de altura que superam, em muito, a do arranha-céu da pracinha ou a do Edifício Capibaribe, na Aurora. Acabaram-se as mercearias das esquinas e uma das últimas, vencida pelo afastamento da freguesia, sofreu a metamorfose dos tempos, virou restaurante de bom tempero. O cuidadoso dono guardou por lá sacos de feijão, de arroz e de açúcar, reavendo assim um passando gostoso. Nesses estabelecimentos, tantas vezes vizinhos das farmácias, os aposentados e outros menos ocupados fiavam conversas em fins de tarde. Traziam o pão da ceia e a manteiga de boa procedência. O ovo era recolhido no terreiro, de uma galinha poedeira qualquer e frito na banha de porco.
Sentava nos bares o povo simples e os remediados da sorte raramente tomavam bebidas alcoólicas, senão nos aniversários ou nos assustados, nas festas de fim de ano e na folia de Momo. E se eram adeptos das noitadas, restringiam-se ao bom whisky, raramente ultrapassando os limites da sobriedade. O mestre Jordão Emerenciano, monarquista convicto, tinha gosto com essas festas e por lá andavam o meu pai, mais o geógrafo Gilberto Osório de Andrade e outros da sociedade da época. Juntavam-se para fiar conversa, enquanto a hora avançava nos relógios. Havia quem dançasse e quem não dançasse, saraus deliciosos que ficaram na memória e até uma confraria foi criada, com o nome de Ordem do Chocalho de Ouro, numa justa homenagem ao apetrecho usado por bodes e cabras nos agrestes. Cada um tinha o seu instrumento e o trazia atado ao pescoço, como se uma medalha fosse. Peças, todavia, do metal chulo com o qual se fazia iguais badalos nos esturricados sertões.
As quermesses e as comemorações das paróquias preenchiam o lazer em alguns meses do ano. Os carrosséis, os jogos de azar e o tiro ao alvo faziam a festa. Vez ou outra um conhaque para animar o cidadão menino. Flertes e muita conversa pra cima das meninas, moiçolas em flor, disponíveis para um beijo roubado ou um abraço furtivo. Namoros nascidos assim, em plena fuzarca, uns prosperando ainda hoje em sólidos casamentos e outros que ficaram pra trás. Filhos grandes já, casados ou não, mas com perspectivas de futuros incertos. Ninguém antecipa o que será de uma criança aos dez anos de idade, dizia-se em filme que assisti numa volta da França, onde havia deixado a primogênita. Que beleza! Nunca pensei nisso!
Eis a minha geografia sentimental!
 
(*) Um texto que serve de interrupção (interrupção?) a uma série de artigos em torno da vida de uma seminarista, cuja continuidade só a manifestação do leitor poderá me estimular. Os Blog - qualquer blog - é assim, interativo, sobretudo, porque contando com as opiniões que fluem de quem se ocupa em ler, segue um ou outro caminho. Há quem pense que o seminarista é o autor e há quem compreenda que o escrevinhador dessas linhas nunca entrou em casa de formação católica. Sendo assim, comente no espaço mesmo do Blog ou escreva para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Mulher de Padre

Corria o mês de maio e eu já antevia as minhas férias, as brincadeiras em Carpina, a conhecida Floresta dos Leões. Em certa noite friorenta, no entanto, eu ouvi quando bateram fortemente na porta. Batiam e gritavam, tudo ao mesmo tempo: “Me acudam pelo amor de Deus! Me socorram! Estou desesperada! Antônio, meu marido, morreu!”. Era a Dona Monteiro chamando pelos padres, pedindo um auxílio em momento de tanta perturbação d’alma. Morrera o seu marido, o Toinho de Zefa, como era mais conhecido. Desceram vários dos padres ali residentes. Quatro, cinco ou seis deles e o prior designou o único frade que ali estava, quase diria hospedado, porque sendo carmelita, faltara com as regras da ordem e se refugiara por lá, enquanto os seus superiores deixavam passar a eclesiástica raiva. Era o frei Domingos. E o pior, me designou como acólito, para acompanhá-lo na espinhosa missão. Nunca tinha visto um defunto em minha vida e estava tremendo de medo, sem saber o que enfrentaria. Aprendi que de nada serve antecipar as questões.
Em casa de Dona Monteiro não havia mais nada a fazer. Realmente, o homem estava estirado no banheiro, onde vomitara muito e onde caíra sem vida, depois de uma dor fortíssima no peito. Foi serviço para se trazer o corpo de volta à cama. Nesse momento, apareceu seu Teles. Ninguém sabe bem de que buraco naquela casa surgira o homem! Disse que passava e vira o desadoro, por isso entrara. A verdade, porém, só depois se pôde saber, é que o amante se encontrava aos abraços e beijos com a sua amásia, quando o marido acusou de lá uma dor violentíssima no tórax, o que fez a mulher largar o amásio e correr para assistir o esposo. Levantamos, afinal, o defunto do chão e o trouxemos ao leito conjugal e ali o nosso Frei Domingos rezou a oração devida aos que sucumbem assim, em hora inesperada, sem acesso à confissão e sem direito à comunhão. Não havia mais como administrar a Extrema-Unção e a encomendação do corpo seria feita no dia seguinte, antes do enterro, pelo padre Bernardo, certamente.
O que mais me intrigou naquele movimento todo foi a presença do amante, figura que de minha cela via todas as noites na réstia do quarto da frente, no maior chamego com dona Monteiro. E ele, com cara de pau, ainda estava lá, na cena funesta da passagem, como se nada tivesse acontecido. Ainda mais mentindo! A partir desse episódio, passei a entender melhor a criatura humana ou passei a compreender que o próximo não é tão confiável como pode parecer à primeira vista. Isso marcou, definitivamente, o meu ser. Nunca mais acreditei em ninguém à primeira vista. Talvez tenha sido a minha primeira decepção. Pois é, só depois fiquei sabendo, pelas conversas com os mais velhos, que o Frei Domingos era um sacerdote de qualidades duvidáveis, também, porque tinha uma mulher em cidade do interior e sustentava um dos filhos com um táxi; filho, aliás, que lhe servia de motorista. Ninguém presta neste mundo de Deus, pensava com os meus botões.
Passado o choque, veio a tranquilidade, porque está escrito, depois da tempestade vem a bonança, e tudo voltou à normalidade naquela moradia de classe média e de boa aparência. Não havia prole do matrimônio e a dona da casa passou a administrar os bens e a minguada pensão que lhe deixara o consorte com todo o rigor do mundo. O Teles, que se esperava fosse mais frequente em suas visitas e mais facilmente pudesse se juntar à concubina, foi se afastando aos poucos. Comentava-se no seminário, à boca pequena, que o homem não chegaria a se amancebar com ela, com Monteiro. Ao contrário, terminou desaparecendo da cena noturna. É isso, imaginei, para que exista o amante é preciso que o marido persista e permaneça, para compor o cenário doméstico da traição estabelecida. O mundo foi, então, se aclarando mais e mais para mim, com uma decepção depois de outra. Um horror!
O meu quase filme de todas as noites desapareceu, tragado pela monotonia da viuvez. E Dona Monteiro, passou a comparecer com regularidade aos ofícios religiosos. O mês de Maio era consagrado a Nossa Senhora e ela fazia questão de tirar o terço e de rezar o rosário, tintim por tintim, mistério por mistério, uns gozosos e outros dolorosos. Confessava-se com o padre Bernardes e comungava regularmente, chegando a ponto de o fazer todos os dias. Não se tinha notícia de amizade para o lado de Dona Monteiro, senão com os padres do seminário e com os alunos da Casa. Virara uma santa então. Vez ou outra, porém, eu aparecia na janela da cela e fazia o meu levantamento habitual. Qual não foi a minha surpresa, quando flagrei o Frei Domingos, o carmelita, entrando sorrateiro na casa da viúva. Demorou-se lá dentro e só saiu, coisa de duas horas depois, calmo e sereno, em paz consigo mesmo, como deu a entender.
  1. Ah, frei Domingos! Como parece um santo, mesmo na agitação de espanhol da Galícia, fumante inveterado e o mais inquieto de todos os homens que vi em minha vida. Mas, tão mulherengo quanto qualquer dos portugueses que conheci ou qualquer dos brasileiros que vi em meus convívios. Eu vivia de tocaia naquele lugar, cheguei a pensar que essa era a missão que desempenhava na vida. Por isso, um certo dia até, encontrei o espanhol agitado conversando sentado numa mesa grande da sacristia com uma moça do arruado. Neide se chamava e não tinha mais que 38 anos de idade, solteira e desimpedida. O frei Domingos sentado próximo à interlocutora, estirara o braço esquerdo e alisava o braço da penitente com a qual fiava conversa. Só que os dedos do frade chegavam à axila de Neide e ali deixavam o carinho de seu afago. Nunca tinha imaginado que a região acariciada ou apenas alisada fosse algo significativa nas coisas do sexo. Mas era! Vi de soslaio essa aproximação do carmelita e sai de fininho, me esgueirando pela porta e desaparecendo no meio do claustro.
  2. Fradezinho insistente, mesmo nos seus mais de 50 anos de vida. De outra feita estava com ele na casa de Dona Monteiro, quando ouvi o elogio que fez ao sutien da mulher. Só depois notei que a peça de lingerie era preta e rendada, aparecendo discretamente na blusa da viúva por tantos considerada encantadora e sobretudo misteriosa. Realmente, ele gostava dessa parte da mulher, razão para ter dito, como disse, a Neide, aquela da sacristia: “Você tem os seios mais lindos que já vi!”. E foi isso que me chamou a atenção e me fez parar e olhar a má intenção do homem. Homem de saia, vejo hoje em dia, de ninguém merece confiança e disso fiquei certo. Só juiz, acrescento agora!

domingo, 11 de abril de 2010

Tempos de Seminário

Aquela cela estreita e úmida em que dormia as minhas noites de adolescente era o palco dos meus horrores. Ninguém devia permitir que um menino – tão menino como eu era – fosse mandado a um seminário para estudar e ser sacerdote, como queriam os meus. Aquele mosteiro em que fazia os meus estudos menores, parecia um velho castelo abandonado em meio a um mundo do pecado se espraiando e contaminando cada uma das moradias do entorno. Eu mesmo sabia do quanto a Dona Monteiro falhava em relação às obrigações conjugais que tinha. De minha janela, tantas vezes, a vi receber em casa o padeiro da esquina, trancar-se com ele no quarto da frente, permitindo-me vê-la na réstia em seu vulto abraçado com o Teles, padeiro e amante. Que coisa! E todo domingo vinha à Missa com o marido, de braços, como se fossem felizes na mesa e na cama.
O meu Diretor Espiritual é que era ainda mais estranho, bem diferente do que poderia esperar de um homem tido e havido como santo, pois que ouvia essas histórias e queria detalhes, estimulava que os fatos fossem repetidos, sob a alegação de que o pecado ensina, promove o aprendizado do bem, o arrependimento nega o mal e cura alma. Eu morria de remorsos e de culpa com as cenas que divisava de minha janela, mas a cada noite fazia uma vistoria, como se fosse responsável pelo levantamento da vizinhança toda. O Padre Bernardo chegava a propor que ficasse a noite inteirinha pendurado em meu visor e lhe fizesse no dia seguinte um relatório completo de tudo e de todos. Descobri, depois, que era também o confessor de Dona Monteiro e fiquei entendendo as razões daquela curiosidade inusitada. Fazia, na verdade, imaginei, um encontro de contas.
Um dia eu também seria confessor dessas beatas do entorno e as ouviria em confissão auricular, sussurrando as mazelas todas da vida, o que faziam e o que não faziam, o que gostariam de fazer e não podiam e o que podem fazer e não chegam a materializar. Ia pedir, como o Padre Bernardo pedia, detalhes de cada uma dessas faltas da carne e assim, cumprindo a missão sagrada do sacramento da penitência, viajar pelos pecados todos dessa turma da vizinhança. Mas, eu sabia que não ficaria no Seminário, propriamente, sendo do hábito e dos costumes a transferência, tão logo ordenado, para uma paróquia qualquer no interior do Estado, distante desses confortos da Capital e longe dessa perseguição do Diretor Espiritual, como o meu, o padre Bernardo, interessado mais no fato como forma de se narrar o ato, do que na gravidade do gesto.
Dona Monteiro era uma mulher de predicados físicos incontestáveis. Nos seus 35 a 37 anos, bem cuidada e bem parecida, de ancas largas, como cabe ser às mulheres pródigas. Os seios, então, eram de uma tentação só, pois que fartos e ao que parece duros, apontando na direção do horizonte das coisas. Bem fazia o padeiro Teles, dispensando-lhe afetos e afagos todas as noites, quando Seu Antônio – Toinho de Zefa como era conhecido –, recolhia-se, depois de encher a cara com a cachaça forte de Euzébio, o dono do bar, o bar da esquina, em frente à praça. A sombra da criatura no quarto da frente mostrava o pecado sendo curtido e no entender do Diretor, quanto mais visto melhor compreendido, uma lição, então, para mim, neófito nessas cenas da intimidade alheia. Até de minha própria intimidade quase nada sabia, nem poderia saber com tantas regras a serem seguidas.
Tomar banho vestido em camisola comprida só no século XIX se via. E à noite dormir trancado pelo padre do dormitório, como se fosse uma fera presa na jaula, só no jardim zoológico. Precisava sempre de minhas férias regulamentares, de voltar a Carpina, lugar em que nascera e me criara, para retomar a vida com as normas mais relaxadas, menos rígidas, menos impositivas. Precisava, sobretudo agora, quando a idade parecia mexer com as minhas entranhas. Doze anos incompletos é tempo de sofreguidão, idade do despertar das coisas e dos instintos. E o mês de julho estava chegando, as provas semestrais terminando e eu me arrumando para tomar a sopa e retornar ao lar paterno/primeiro e derradeiro abrigo. Ia ver, outra vez, meu pai e minha mãe, meus irmãos e meus tios, minhas tias também. Deus que me livrasse das tentações com essas tias às vezes libidinosas. Libidinosas, mais com a gente de batina que com os civis do lugar. Ia correr pelas pradarias, passar por entre os roçados. O milho crescendo por cima e o feijão ramando por baixo.
(*) - Um arremedo de conto. Como se diz de hábito, ninguém inventa a ficção, reinventa-se a história e cria-se a narrativa. É mesmo ficção. Tive vontade de ser padre, mas o meu pai, numa lucidez impressionante, recomendou: "É cedo! Aguarde mais um pouco!". Teria sido um desastre como sacerdote! Sou um admirador eterno do jeito feminino; do jeito e do requebrar. É por ai! Comente o leitor no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O Lava-pés

Disse, faz alguns dias, em programa de televisão a que compareci, que a Semana Santa no passado era um tempo de recolhimento e luto. A minha avó paterna, mulher rígida, como cabia ser ao tempo, vestia preto e não permitia que se cantasse ou que se assobiasse, um costume tido e havido como chulo por alguns. As emissoras de rádio passavam a sexta-feira da paixão inteira tocando marchas fúnebres ou no máximo música erudita. Um certo amigo meu, hoje encantado no infinito das coisas, dado ao hábito de beber desbragadamente, em louvor a Baco, me indagou: “Você que é católico e sabe das coisas, diga-me lá: pode-se beber nesses dias?”. Não se bebia nada, mas o meu interlocutor justificou-se de logo, antes de minha resposta: “Vinho pode, porque o Cristo mesmo transformou a água em vinho!”. E encheu a cara!
Foi sobre esse mesmo companheiro dos anos de calças curtas que me telefonou Moisés. Contou que esse colega da rua fora escolhido, certa vez, para ser um dos meninos incluídos no lava-pés da Matriz da Soledade, então sob a batuta do Monsenhor Sales, contando com os serviços do atento sacristão Miguel, anos depois marido de minha prima Betânia, para quem Capiba fez o célebre hino: Maria Betânia. Ora, o nosso penitente compareceu à cerimônia litúrgica com os pés sujos. É natural! Imaginou, por certo, que o ato e o fato seriam mesmo para a limpeza das impurezas do mundo. Foi, então, cortado de todo e qualquer momento assim, de recolhimento e purificação da alma. Ao final, também, não recebeu a gratificação a que faria jus, aquele sofrido cruzeiro (Cr$ 1,00), à época e o pão para comer.
Mas, foi do mesmo Moisés, que nos sábados e domingos cuida em lembrar algumas das histórias de que me ocupo neste espaço da virtualidade das coisas, quem lembrou passagem pitoresca no ritual canônico do lava-pés. É que foram escolhidos os meninos, como sempre acontecia, por sua madrinha de batismo; doze meninos contados nos dedos, como os apóstolos do Senhor. Chegando à igreja, a mesma Matriz de sempre, encontraram outros tantos que já aguardavam para entrar no templo, descalços e dispostos à participação religiosa. Formou-se, então, uma confusão, gente de um lado do bairro – o Pombal – e gente do outro lado, a Boa Vista propriamente. Quase vão às vias de fato, tal a indignação de Zé Morais, personagem obrigatória em todo e qualquer movimento assim. Não fosse a interveniência ponderada de Toinho Valadares, como explicou Moisés, a questão não teria sido resolvida. Mas, com seis meninos de cada lado, o monsenhor pôde imitar o Cristo, lavando os pés de um por um, até o último dos doze apóstolos, como está no texto bíblico. E essa gente toda hoje está de cabelos prateando o tempo e de corpo vergando à força dos anos. Não há mais lados, todos militam em prol do bem comum.
E a Semana Santa mudou ou mudamos nós? A verdade é que de quinta-feira ao domingo o tempo é de férias. Não se vai mais à igreja como dantes. Ninguém faz a peregrinação das crenças de outrora, a sete templos em visita ao Senhor morto, beijando-lhe os pés, em sinal de profunda humildade. E as famílias não saem mais, como fazia a minha, em préstito, para o cumprimento desse preceito. É que os velhos de meu tempo morreram e eu hoje estou incluindo dentre os velhos de agora. Mas, aqui por Aldeia, a noite da sexta-feira santa parecia repetir outras noites, tal o silêncio.
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