sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Um Enfermeiro Gago


Dos meus tempos de exercício clínico da medicina, guardo muita coisa; coisas boas e coisas ruins. Mas, experiências, também, em tudo, pitorescas, divertidas e graciosas. Há muito de engraçado em meus anos todos de vivências e de convivências. Os episódios com os doentes dos nervos, internados ou não, me fazem rir hoje em dia, mas me amedrontaram no passado. Eu não era psiquiatra, mas atendia, com frequência gente mal do juízo. Vale a pena rever algumas dessas passagens! Divido, então, com o leitor as minhas práticas da vida.

Certa vez, fui ver uma senhora em casa. Era um caso simples de síndrome urticariforme, nada que não cedesse a um antialérgico comum. Mediquei segundo os costumes e fiquei de voltar no dia seguinte, um sábado. Passava das 10 horas da manhã quando bati à porta e entrei levado pelo marido da paciente. Naquele tempo se podia deixar, como deixei, a patroa esperando no carro. O cônjuge ia me conduzindo e informando da melhora da criatura. Fora um santo remédio! A esposa, insistia ele, estava curada. A mulher veio lá de dentro aos prantos e quando me viu não hesitou: “Doutor! Esse canalha passou a noite dando em mim! Murros e mais murros, tapas na cara e bofetada. Passei a noite inteira apanhando!”. Ia dizendo e levantando a blusa, expondo o tórax marcado e os seios vermelhos de tanta pancada. Um horror! O diabo do marido, porém, acusava a mulher de se expor para mim. Foi um rolo e eu no meio. Até que encontrei uma brecha e disse: “Então viva! A alergia passou e eu estou com a minha mulher no carro. Até mais ver!” E dei adeus! Valha-me Deus do céu, quase digo!
De outra feita, fui ver um doente no hospital de alienados. Era um pobre homem esquizofrênico que vinha manifestando uma diarréia crônica. Examinei o quanto pude o paciente e tomei a mim fazer a prescrição no prontuário dele, um calhamaço de 200 folhas, pouco mais ou pouco menos. Não havia muito o que fazer, senão o habitual das minhas rotinas hospitalares. Mas, estava tomando essas providências no posto de enfermagem, quando entra outro doente, tranca a porta e recolhe a chave no bolso. Foi pior do que ficar num elevador entre um andar e outro. O homem dizia as maiores besteiras e eu apatetado no meio da casa não sabia que atitude tomar. Decidi, entretanto, participar do delírio ou da alucinação e disse: “Estamos em guerra! O inimigo nos cercou e vão jogar uma bomba pela janela. Estaremos perdidos! Melhor me dá a chave para que possamos fugir!”. E fugimos os dois. Nunca mais entrei num posto de enfermagem ali sem um acompanhante.
Noutra ocasião, visitei um estabelecimento feminino e fazia uma inspeção cumprindo o meu mister de auditor. Andei pra lá e pra cá, fui acima e vim abaixo, entrei pelos quartos e ouvi o chuveiro correndo e alguém tomando banho, cantando uma letra que não me ocorre. Nisso, a penitente que acabava o seu banho, me vendo passar, sai do boxe e vem correndo, toda molhada e nua, ao meu encontro: “Doutor! Lindo! Lindo! Lindo! Case comigo pelo amor de Deus!”. Disse tudo isso enquanto me abraçava e me molhava da cabeça aos pés. Não precisa dizer que virei um pinto, literalmente pingando com tanta água. Precisava me livrar daquela suplicante de todo jeito, malgrado o fato de estar quase enlaçado com ela. Tive um estalo, uma inspiração de momento e dei a minha resposta: “Espere que fale com minha mãe e meu pai! Ai volto e nos casaremos numa carruagem que há de romper os ares do mundo.”. E ela: “Viva! Viva! Viva!” Nunca mais entrei num ambiente hospitalar com alguém tomando banho, sobretudo se for mulher! Basta!
Numa outra visita a certa casa de saúde privada, em bairro diferente da anterior, indaguei do vigilante: “Tem médico de plantão?”. E a resposta: “Médico não! Mas, tem um enfermeiro ai que sabe tudo, até mais que médico!”. E mandou chamar a criatura. Era um auxiliar ou um atendente, um enfermeiro prático, enfim, que ficou gago quando soube da intenção da visita, a de fiscalizar o lugar. O médico ficava flanando em casa e o gago de plantão.
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