quarta-feira, 31 de julho de 2013

Assombrações e traições

Essa é uma história que me foi contada por Margarida, figura habituada a percorrer lugares assombrados do Recife velho; casas de subúrbio que no mês de agosto canalizam o vento, fazendo aquele ruído característico, que assusta o passante. Ela não, nem se incomoda, tanto faz como tanto fez, costuma dizer, diante de barulhos assim, suspeitos. Trabalhando em hospital, nem liga para o que se comenta nos corredores, que a perna cabeluda passa correndo ou que um fantasma gemedor incomoda a noite dos que dormem. Ela própria gosta de andar às escuras naqueles becos infestados por almas penadas, que verbalizam o sofrimento dessa forma: “me ajude!/me ajude!”. O que ela ainda não aprendeu, é como ajudar essa gente que vaga nas noites sem luar.

É dela o alerta de sempre: o que assusta são os vivos. Os vivos que se escondem e espreitam o semelhante para fazer o mal. Ou os vivos que se aproveitam das caladas da noite e se imiscuem no leito conjugal de vizinhos; de vizinhos ou de parentes e cumprem o desiderato do adultério. Foi ela quem me contou o caso do rapaz que bem casado com uma mulher de bom recorte, viu a sua felicidade se esvair pelo ralo, graças a amizade dela com um jovem parente do interior. É que o menino dizia à prima da cidade, que vez ou outra ia por lá, que tinha medo da noite e assim trocava de rede e ficavam os dois em abraços nunca furtivos naquele leito do pecado. E ainda hoje pecam por esse mundo de Deus pai. Não houve forma de perdoá-los, porque a paixão os tomou de tal forma que tiveram filhos e netos.
 
Um irmão de uma colega dela, desconfiado que estava sendo traído, voltou mais cedo do trabalho de propósito, às três da madrugada, pois trabalhava de vigilante. Foi tateando no escuro - a luz dele estava cortada - e sentou-se na cama, em cima do amante da mulher. Foi uma carreira da peste. O homem nu, agarrado na roupa, correndo pelo meio da favela e a mulher gritando: “José, José, deixa Carlin! Qué que tem? Que besteira!”. No outro dia, ele procurou a irmã, amiga de Margarida e foi dizendo : “Aquela cachorra, butô gaia nêu. Eu vou é me matar no canal do cavouco.” Ele mergulhou mesmo, mas a água tava no joelho. O que ele conseguiu foi pegar uma micose. Coitado do rapaz, ficou se coçando e assim permanece.

 


 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

A vida de uns e de outros


Tenho me ocupado, ultimamente, em refletir a propósito do que se vem chamando qualidade de vida, sobretudo a respeito do esforço de certos setores em oferecer à criatura um desejado bem-estar, cuja expressão envolve a saúde física e a tranquilidade de espírito. Indago-me, especialmente, se a classe média, tão exigente com o consumo, sente-se melhor que a gente simples, a qual nos interiores do País, por exemplo, pode ter acesso ao mínimo necessário à sobrevivência? E até que ponto se deve, realmente, intervir na vida de quem se sente em paz, acenando com bens materiais e outros ganhos próprios daqueles que Gilberto Dupas considera os “incluídos” ou mesmo os “ainda incluídos”? A televisão faz isso!
 
Cuido em observar os modos de vida dos que no dia a dia do existir humano não ostentam: os modestos ou os singelos. Não me refiro aos paupérrimos e aos miseráveis, aos “excluídos”, afinal. Ora, será que o Sr. Zezinho, lá de Chã de Cruz, tem uma qualidade de vida inferior aos habitantes urbanos, postos em moradias verticais e trancafiados o tempo todo? Creio que não! Tenho visto a sua satisfação d’alma em sair de casa e de bicicleta chegar ao condomínio da pequena burguesia, em Aldeia, atendendo um aqui e outro acolá, juntando essa féria extra ao que percebe por mês como salário! Não deixa de sorrir e de comentar com humor os fatos corriqueiros. Joga futebol e toma a sua caipirinha, de leve!

Ignoro os seus horizontes de futuro, mas nunca ouvi dele palavra que fosse assemelhada àquelas dos interesses dos meus convivas. Um carro novo ou uma bicicleta do último modelo, um equipamento de vídeo, uma viagem pra fora de seus domínios, mesmo que seja à Carpina. Não enjeita, porém, um piquenique a Natal, pelo passeio ou pela bagunça no ônibus de aluguel. Por certo, nunca ouviu falar nas excursões à Europa, para ver os museus de Paris e os parques de Londres. Vive assim, pra lá e pra cá, entre a Chã e o condomínio. Quase nunca vai a Vera Cruz ou a Tabatinga. Assistiu ao espetáculo do circo, porque a trupe instalou-se nas cercanias de sua casa e a entrada custava um real, nada mais.

Assim com a Dona Cecília, vizinha, quase, do Zezinho, que fez do terreiro de casa uma sementeira e vive do cultivo das flores, das orquídeas bem cuidadas e dos girassóis viçosos, de bromélias imunes ao Aedes aegypti e das avencas verdes e pendentes. Aprendeu tudo isso no colégio de freiras em que estudou e se vai a Garanhuns, vez ou outra, é para comprar novas mudas, diferentes, que se acrescentam ao seu jardim. Sustenta a família, mas já tem os filhos empregados, trabalhando para os que passam os finais de semana fazendo um churrasco com carne importada e tomando o whisky das bandas escocesas. Não suporta o inteiramente urbano e detesta, como expressou, a avenida Agamenon Magalhães.

Compare o leitor a vida dessa gente com a dos remediados pela sorte, entregues ao labor mal o sol desponta, voltando ou não voltando para almoçar e retomando jornadas, de trabalho e mais trabalho. Recepções e formalidades, no trajar e no tratar, cumprimentos forçados e vênias inúteis. Quando a semana finda, uma ida ao shopping, às compras ou a passeio, para admirar vitrines ou se empanturrar nas praças de alimentação. Mas, há os que se contaminam com os males da civilização, como aquela dedicada secretária dos afazeres domésticos. Máquina de lavar roupas e vídeo, conjunto estofado bem forrado e celular. Resultado, carnês e mais carnês a juros de mercado! Agiotas e assemelhados na porta!

E o Sr. Zezinho, quando disse que um computador poderia ser posto à sua disposição na portaria do conjunto habitacional, conformou-se com a justificativa de que a sua cultura seria esmagada. Um homem crente nas coisas da natureza, cuja crença ultrapassa a flora e a fauna, para chegar às lendas, como a da “Comadre Fulozinha”, não pode e não deve ocupar-se de um teclado ou mexer num mouse! O que seria de Dona Cecília, com um banco de dados informatizado das plantas de seu quintal?

Entende-se que há limites que não podem e não devem ser transpostos e há horizontes diferentes para uns e para outros. Mas, compreende-se que muitos estão largados pela sociedade e é preciso integrar essa massa desprezada ao exercício mavioso da vida, do existir humano.                  

 

 

 

 

 

     

 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

São João - 2013



Foi maravilhoso o São João desse ano (2013), malgrado o fato de que na sexta-feira assaltaram minha filha mais velha, que estava com o filho, meu neto, ali, na rua Ricardo Hardman e até agora nada do veículo. Mas, vencido o trauma dessa insegurança, fomos ao supermercado do Rio Mar e fizemos a escolha das carnes, tudo sob a supervisão atenta de meu genro, o pai de Júlia, a neta. Uma linguiça discretamente apimentada fez a festa de quantos estavam lá, na casa de Aldeia, onde o ar tem características salutares.



O cerimonial do churrasco foi cumprido à risca, com toda a família reunida. O fogo aceso, depois de algumas tentativas infrutíferas, com a brasa estalando e a picanha deixando cair em pingos a gordura acumulada. A cerveja geladíssima, de um pequeno barril da holandesa Heineken, lembrava a minha recente viagem a Amsterdã, com sua liberdade pra tudo. Vi gente fumando maconha abertamente nas ruas e mulheres que se ofereciam nas vitrines em trajes menores, para usar uma terminologia do antes das coisas. Mulheres, acrescento, horrorosas, com pelancas visíveis e o branco dos cabelos aparecendo.


Mas, o que lembrei mesmo, foi do primeiro churrasco a que compareci. Imagine o leitor que o papo ia muito bem, com o dono da casa preparando a churrasqueira, enquanto a cerveja rolava de mesa em mesa. A esposa, dona da casa em que estávamos, muito bonita, andava acima e abaixo. Em dado momento desentendeu-se com o marido e uma briga iniciou-se com sinais francos de gravidade. Assim foi durante alguns minutos, até que o marido arremessou um copo contra mulher. Não feriu, porque a peça espatifou-se na parede, mas a consorte decidiu deixar a casa e o churrasco foi suspenso. Eu nunca tinha ido a um convescote assim e decidi simular um choro, o que irritou profundamente o marido brigão. Não podia ser diferente!

Depois do churrasco, já no dia seguinte, a família reunida sentou-se no restaurante de Ronaldo e foi a garçonete Jô quem atendeu o grupo. O serviço não estava lá essas coisas, mas valeu a pena, porque todos estavam ali, incluindo Júlia o rebento de Patrícia, a netinha nos seus 3 meses de vida. Bom mesmo foi o forró da noite, pois que a gente do Condomínio, sob a batuta de Jandui, que tem nome de Cacique e muitas histórias pra contar, dançou a noite inteira. Até eu, imagine o leitor, que não sou pé de valsa ou pé de forró, abracei a dama e rodopiei no salão. No dia 24, voltamos ao Recife, para esse rolo do peru.