sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Rito de Passagem

Chego à Associação Médica de Pernambuco para tirar as fotografias que devem anteceder a entrega da medalha de São Lucas, com a qual hei de ser condecorado, a mais importante outorga que as entidades oferecem a um profissional da ciência de Hipócrates. Nem sei ainda o que isso significa para mim. Foram diversas as poses, umas em grupo, porque seremos três os agraciados e outras isoladas. O fotógrafo confere em seu visor quase mágico o semblante de cada um e novamente direciona o seu flash. Lembro do que dizia por aqui uma determinada jovem: “Doutor! Cada mergulho é um flash!” E é isso mesmo!
Sem que haja mergulho, sequer água!
É interessante! Fui a dezenas dessas solenidades, só que para prestigiar outros colegas assim escolhidos. Lembro até de algumas. Daquela em que o Prof. Salomão Kelner recebeu a comenda e falou sobre o santo, com tantos detalhes, que não se esperava pudesse se expressar um judeu. Sentia que aqueles agraciados quase que encerravam por ali a lida profissional. Era um reconhecimento pela dedicação de uma vida inteira doada à causa, mas assim também terminada. Dizia-se da proximidade da morte dos escolhidos, como se a sentença incluísse as palavras bíblicas: “Muitos são os chamados e poucos os escolhidos!”. Será que estou realmente encerrando uma faina de anos e anos, de décadas seguidas? Estou! Tenho que reconhecer!
Ontem quase não dormi, refletindo sobre isso. Como posso deixar uma profissão pela qual, posso dizer, dei a vida e entreguei minha saúde? Trago hoje o corpo vergando à força de tantas e tantas passagens que me tiraram outras noites de sono! Os meus cabelos estão da cor da prata, sinal do quanto sofri com aqueles que vieram buscar os meus socorros. É um mister bonito, mas extremamente sofrido, doloroso! Por isso, chega-se a um ponto em que é preciso parar e rever tudo que se fez no pretérito das coisas. Mas, não exatamente parar no sentido de assumir o ócio como vivência dos dias que chegam. Não, isso não! Hei   de fazer disso um rito de passagem, apenas. Deixo a prática de Esculápio e me volto ainda mais para a cultura.
É o que vou fazer! Afinal já não vinha exercendo há algum tempo! Vinha – isso sim! – me dedicando mais e mais ao humanismo, à escrita diuturna de ensaios e de crônicas; de ensaios que abordam o ontem das coisas e por isso mesmo pertencem à seara da história e de crônicas que expõem as minhas inquietações d’alma ou que mostram o lado bem humorado que tenho em meu dia a dia. Ainda bem que sempre fui assim! Foi possível ultrapassar momentos difíceis com essa forma de ser ou foi possível simular com os humores horas de horrores.
Tenho um livro por terminar; livro que faz uma retrospectiva de minha vida inteirinha, abordando todas as mudanças que assisti. Transformações vividas e experimentadas, modificações em tudo por tudo. Fui testemunha de verdadeira metamorfose do tudo e é sobre isso mesmo que hei de escrever e terminar o meu livro. 
Sem dúvida alguma tenho condições de por em prática o que aprendi com os meus mestres: "Não desistir nunca!" E não desistirei, enquanto vida tiver.

(*) Leitores amigos, estou aqui em Curitiba, a cidade sorriso. Tinha escrito essas reflexões no Recife ainda e daqui mesmo, às carreiras, as incluo no Blog, porque tenho um jantar em mais uma hora e não posso atrasar os outros, os meus colegas médicos escritores. Por isso, deixo de ilustrar o Blog, tarefa que me toma bom tempo. Desde já convido a todos para a solenidade de outorga da medalha São Lucas, no próximo dia 18 de outubro, às 20 horas. Comentários e outras intervenções neste espaço poderão ser adicionadas por cá mesmo ou para os e-mais pereira.gj@gmail.com e pereira@elogica.com.br