terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Noite de Natal

O ano vai findando, repetindo, como sempre, as datas. O Natal e depois a noite de Ano Novo. Isso é bom! Ou isso não é bom? É bom, porque 2013 foi um período pródigo, me fez produzir o que pude em termos intelectuais e já nos estertores ser admitido como sócio no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, organização sesquicentenária, à qual pertenceu o meu pai. E não foi bom, em função das perdas que tive: a um só tempo se foram a minha mãe e a minha sogra. Ambas com a idade muito avançada e sem a desejada preservação da consciência. É o primeiro ano, pois, que passamos, eu e minha mulher, com a orfandade completa.
De outra parte, porém, casamos a filha mais nova, sem pompa e sem circunstância. Isso é bom e é ruim! Bom, porque ela foi complementar a vida com um rapaz a quem ama, assumindo uma nova família, uma casa e um cotidiano diferente. E foi ruim, porque é a prova contundente de que estamos ficando velhos ou mais, especificamente, eu estou chegando perto da finitude. Já não temos mais ninguém em casa e quando nos sentamos a sós e conversamos, concluímos sempre que cumprimos a nossa missão. Enfrentamos uma vida dura, difícil sob todas as óticas e criamos as três filhas dentro dos padrões da ética e da moral, sem precisar de subterfúgios e de conselhos hipócritas ou de fingimentos, de mentiras.
Estamos agora os dois novamente, como no começo das coisas. Como existe amor, temos essa segurança de um convívio satisfatório, de uma convivência plena. Penso que posso dizer que estamos felizes, absolutamente certos dessa continuidade nos filhos e agora nos netos, em Pablo que cresce e está na Espanha e Júlia, que brinca, nos seus 9 meses de vida, engatinha e não apenas atende pelo nome, como também já conhece o avô e a avó. Deus os proteja na vida que hão de ter.
A véspera de Natal é também de lembranças, de saudades do que se viveu. Tenho na cabeça, claramente, aquele dia em que acordei e disse a meu pai que tinha visto o Papai-Noel em meu quarto. Foi quando ganhei de presente um carrinho conversível, preto, com os bancos de galalite vermelhos. Galalite era um tipo de plástico, um precursor talvez do plástico de hoje, em desuso. De outra feita, ganhei uma espingarda, à qual o meu pai chamava de manuliche e com a qual atingi muita gente com as rolhas. E por ai vai!

A Festa da Mocidade era parada obrigatória de todos quanto naquela rua, metade Santo Amaro e a outra metade Boa Vista, passavam a Missa do Galo no Colégio Nóbrega. Depois das orações ou depois da paqueras com as meninas da rua, era o Pastoril que imperava, presidia o espetáculo. O velho Faceta comandava a dança e era permitido pagar para ver a mestra ou a  contramestra dançando. Gente com pernas grossas, coxas de dava gosto a qualquer espectador de ocasião. Tudo com a maldade dosada, nem mais nem menos. O padre ouvia a lamúria das fantasias e dos gestos e perdoava.

Por ai vai!

  

sábado, 14 de dezembro de 2013

Os sinos e a ceia

De minha varanda descortino ao longe uma enorme árvore de Natal. Imagino que seja no bueiro da tacaruna. Não é! Não pode ser! É em outro lugar qualquer do hoje dos dias. A antiga, a que estava habituado a ver em minhas andanças, acima e abaixo, era do tempo de minhas filhas ainda pequenas. A mais velha dizia assim: “A ‘cacauna’ painho, a ‘cacauna’!”. E eu passava duas ou três vezes diante da chaminé iluminada. Foram anos fazendo isso, a cada dezembro e a cada novo janeiro. E essas lembranças são apenas recordações de um tempo que se foi!
 
Hoje tudo está bem diferente e é bom que esteja assim. Tenho por cá dois netos, nessa contabilidade da expansão parental. Um, com quatro anos, às vésperas dos cinco, foi à

Espanha resgatar as origens e rever os avós; os avós e os tios. A prima Isabela também. Já o vi nos braços da avó paterna dormindo, com a mesma intimidade que tem por cá.

Os sinos dobram e eu não os ouço mais. Estão muito distantes de mim. Só as mensagens que me chegam pelo celular trazem esses acordes mágicos do Deus menino. São reflexões necessárias do amor. Do amor que a fraternidade exprime. Nisso, a caridade, a maior de todas as virtudes, preside a cena dos esquecidos; dos esquecidos e só muito raramente lembrados. São os nossos irmãos menores, relegados ao nada das coisas, sem o pão de todos os dias e sem a ceia que há de juntar a família.
A minha filha segunda, Patrícia de prenome, já disse que tem uma cartinha de uma criança ao Papai-Noel. O que pede essa missiva infantil? Hei de comprar, seja muito

ou seja pouco!

minha filha mais nova, Ana Carolina, há de casar muito brevemente, antes que a sonoridade decrete o Natal. Faz essa união e não deseja festa, vamos jantar, todos juntos, a família dele e a dela, para abençoar esse casal que chega para o deleite da vida a dois, um banquete que faço votos vá ao tempo que o meu casamento já foi, 43 anos se pouco.
Deus abençoe a todos, a filhos e netos. Feliz Natal aos amigos e leitores.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Quatro décadas e meia

Algumas das esposas
Os 45 anos de formatura não poderiam ter sido melhores, porque se revestiram de um sentimento que me é muito caro: a afetividade. A afetividade e a proximidade marcaram os nossos dias, desde a quinta-feira, quando aconteceu a Missa, celebrada, aliás, por um jovem padre, sintonizado com a representação social da profissão de médico. Eu fiquei tão sensibilizado com o sermão do sacerdote, que comunguei. Não sei se fiz bem ou se fiz mal, mas a verdade é que me senti satisfeito e assim permaneci. Fui depois ao púlpito, por insistência dos colegas, e falei de nossa sagrada missão, a de salvar vidas e lembrei, atendendo ao padre, das inúmeras criaturas que passaram por nossas mãos.
Depois, em Porto de Galinhas, desfrutamos de três dias de aconchego, entre os nossos, pela manhã, à tarde e à noite. Que beleza, fiamos conversa esse tempo todo, lembrando, no mais das vezes, o que ficou de pitoresco de nossos convívios. Histórias engraçadíssimas, como aquela de uma prova oral e da pergunta de como se divide o pâncreas. O aluno, que não sabia de absolutamente nada, respondeu na chincha: “Cabeça, tronco e membros.”. Mas, o professor não ficou atrás e deu-lhe a contrapartida: “Leva ele e coloca numa bicicleta e vai dar uma voltinha por ai.”. Só nesse momento, no encontro, revelou-se a razão do apelido de Al Capone: por ser das Alagoas, terra de gente braba.
Com o padre na capela do Hospital
Pedro II.
Até de um piparote que deram no testículo de um colega e que lhe provocou um desmaio, lembraram. Sem falar no cognome de outro, Tripé; alcunha que não se confirmou, quando se viu o penitente nu, em pelo, como veio ao mundo. Numa prova oral de psiquiatria, o professor indaga ao aluno: “Meu caro: chega um doente na urgência com sinais nítidos de comprometimento mental, agressivo, o senhor o que faz?”. O aluno responde: “Amplictil, professor!”. Mas, o mestre insiste que não resolveu e o nosso examinando diz: “Um coquetel!”. Mas, isso, também, não satisfaz o mestre, que insiste mais ainda. E o aluno não tem dúvida: “Professor! Doido também apanha!”.

No púlpito - quase o padre!
A mais engraçada, porém, foi o esclarecimento definitivo dos motivos para o apelido de Marcelo Caçola. O nome é fictício, por hesitação de minha consciência. Mas, disseram que ele subia o elevador de anatomia e de repente uma colega, que hoje é uma médica conceituada, abriu a bolsa. Ele, então, ficou olhando fixamente e a doutora reclamou, com justa razão. Foi quando ele disse: “Só tem caçola!”. E por caçola ficou até os dias que correm. Um outro colega, já falecido no hoje dos dias, andou dificultando a subida desse mesmo elevador. Ai um circunstante aborrecido disse: “Elevador de defunto é outro.”. Como realmente era. E por defunto foi conhecido enquanto viveu!    
Mais do que tudo isso foi aquela da prova oral de bioquímica, na qual o professor indaga ao estudante: “Descreva o Ciclo de Krebs?”. Uma complexa rota metabólica utilizada pelo organismo humano para promover a oxidação e a degradação das substâncias nutrientes. O rapaz não sabia de nada e aproveitou a passagem na rodovia de uma carreta repleta de veículos para comentar: “Professor! Veja uma carreta cheia de fuscas.”. E o mestre, do alto de sua sabedoria, disse: “Nem de carro você entende! São automóveis da Crevolet.
E por ai vai!

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Contagem Regressiva

Acabo de receber um informativo, dando conta de nosso encontro – dos colegas médicos de 1968 – de final de ano. São 45 anos de formados; quatro décadas e meia dessa trajetória de dedicação ao próximo. De minha parte, digo de logo que pendurei as chuteiras e estou trabalhando para o Conselho Estadual de Cultura, exercendo o meu mister literário e as minhas divagações históricas na Academia de Letras. Não posso me queixar de ócio, tampouco de falta do que fazer. Hoje sou mais ocupado que no tempo de meus afazeres marcados pela rigidez dos horários. Faço o que gosto e pronto!
Recebi o programa todo – ainda bem! –, trazendo inclusive a relação nominal dos colegas participantes. Esqueceram de um detalhe crucial, a respectiva lista dos apelidos. Ora, bastaria grafar o nome e junto o cognome do então concluinte. O meu, adianto de pronto, para evitar desgosto: Pluto. É que numa certa vez, passei pulando – hoje não pulo mais – de um degrau a outro do anfiteatro de anatomia e estava por perto o colega Ciro, de quem não tenho noticias, sendo dele a observação: “Parece aquele cachorro Pluto pulando!”. E por Pluto ficou! Uma colega muito meiga me cumprimentava com carinho: “Olá Pluto!”. Ao que se dizia, pronuncie o “L” para evitar dúvidas.  
Fui olhar, atentamente quem vai e quem não vai. Descubro que o nosso Da Cachorra estará por lá, que Hepatite também, assim como Baré, cujo vocábulo vem de Abaré, palavra de origem tupi-guarani, usada pelos índios para designar padre. Bom, índio metido nisso tem tudo a ver, porque o nosso amazonense provém mesmo dessa convivência com o povo da pele vermelha, mas padre é uma excrescência, haja vista as crenças de Baré, a quem se pode, sem medo de errar, apontar como ateu ou agnóstico no mínimo. Sabe-se que ele acredita, piamente, no Boto Cor de Rosa e noutras crenças da infinidade amazônica. E a isso - ao boto -, tem atribuído certos casos de menino nascendo após a lua cheia nos rios de lá.
Estará presente ao evento o nosso popularíssimo Catarro, figura muito chegada aos colegas e merecedora de toda reverência. O meu fraterno amigo Nelito, morador, por anos a fio, da rua Fidelis Moliterno, onde, durante um velório, um bêbado abraçou-se com o esquife e fez desabar todo o aparato desse momento triste, quebrando o caixão. Interessante, não vi o nome do grande Biu das Negras do Derby. Não vai? É capaz! Ora, ele nunca falta! Não vi, de igual forma, o nome de Marcelo Macaco, promovido a Mico Leão Dourado, em função da cabeleira branca que passou a lhe ornar a cabeça. Foi o Jia, que consultado, lembrou a nova denominação desse Marcelo que conviveu esses anos todos conosco.

Vamos contar com a companhia do grande Fofa, figura quase folclórica desses encontros quinquenais. E de Simão, velho companheiro de Gilson Paes Barreto, que lhe devota especial afeição. Das meninas – que meninas? – não falo e não faço referência aos apelidos, porque as respeito antes de tudo e de mais a mais, confesso, a hesitação da ética me acossa de perto. Há muita gente por lembrar; gente que foi dessa pra melhor - será? -, mas não custa oferecer a crônica a Cachorrão e a Defunto, tão próximo de nós todos.

E por ai vai!

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Colega lisboeta

Cada vez eu fico mais admirado com o inusitado das coisas que me acontecem. Imagine o leitor que na sexta-feira passada precisei comparecer a uma agência do Banco do Brasil para comunicar que estava vivo e assim continuar a receber a minha aposentadoria regularmente. Cheguei por lá mais ou menos às 15:30 e quando recebi a ficha havia a consoante “R”. Não me surpreendi quando o moço do banco me alertou que estava errada. Eu deveria ter recebido a letra “V”. Não achei, em momento algum, que fosse alguma coisa ligada à palavra velho e não era. Mas, com isso perdi muito tempo, isto é, migrando de uma letra a outra.
Mas, interessante mesmo foi sair dali para a Praça de Casa Forte, domínios do Padre Edwaldo Gomes e ser recebido por um lavador de carros numa quase falência pessoal. Queixou-se tanto das coisas que dei a ele a importância de R$ 10,00. O homem quase cai pra trás de tanta gratidão e no final saiu-se com essa: “Deus lhe dê a vida eterna!”. Ora pau, quase digo, quem merece esse desejo, dito assim, tão francamente, é quem já morreu. Deveria ser dito por um sacerdote, diante do féretro instituído. Não sei se o penitente, sendo do entorno da moradia do cura não está habituado ao linguajar. A verdade é que sai dali meio cabreiro.
Eu estou acostumado a ouvir dos meus circunstantes: “Geraldo! Como está você? Vai bem?”. Isso de uma forma insistente, como se pudessem ouvir uma notícia ruim. Dia desses uma senhora muito distinta me abordou e fez a indagação: “Prof. Geraldo? Como vai o senhor? O senhor está bem?”. Fico pensando que alguns pensam que estou à beira da morte. Cruel isso! Talvez seja porque eu passei momentos de grande dificuldade por seis meses. Realmente, em 2005, fraturei duas vértebras torácicas e fiquei baixinho, troncho e corcunda. Mas, acordei para a vida e tenho aproveitado, da melhor forma, a segunda chance que Deus me deu.
É uma pena que seja necessário sofrer tanto para abrir os olhos! Acontece isso com muitos. Mas, foi assim! Depois do episódio, publiquei pelo menos 4 livros, passei a me ocupar com diversos estudos, sobretudo aqueles da história; da história da medicina em Pernambuco. E sobre essas questões publiquei diversos trabalhos científicos. Mas, nessa trajetória de meus horrores houve, como sempre acontece, o pitoresco, o cômico seguindo a tragédia. Veja só! Numa dessas vezes, estando eu internado e precisando fazer um eco-cardiograma, fui levado numa ambulância, a qual apenas circulou o prédio do hospital. Mas no meu juízo a trajetória tinha sido grande e eu achava que desembarcara em Lisboa. Sendo assim, disse ao médico:
- Colega lisboeta! Como me explica que tendo embarcado no Recife, nordeste do Brasil, tenha chegado tão rapidamente a Portugal? Afinal, Pedro Álvares Cabral levou meses para fazer a travessia.
E o médico, muito assustado, respondia repetindo: “Pergunte a seu médico! Pergunte a seu médico”.
Ocorrência muito pior foi aquela que sucedeu quando minha mulher chegou para dormir comigo e indagou:
- Como está você? Está com um jeito diferente?
- É! Você foi à Rede Globo, ao programa de Ana Maria Braga, lançou um livro e não me disse nada. Gostei do título, mas do conteúdo não tenho noticias. 
E ela me disse que passou a tarde toda trabalhando, mas queria saber do título, porque assim poderia escrever um livro. Não lembrei mais nunca desse título.



Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma de pato, senhor rei mandou dizer que contasse quarto.
 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Acontecimentos inusitados – podem contar comigo

Tenho recebido umas mensagens telefônicas estranhas. São torpedos que chegam dirigidos sempre a mulheres, com prenomes diferentes. Convocam a senhora ou senhorita a ligar urgente para um determinado número 0800, dizendo tratar-se de “assunto de seu interesse”. Já tentei ligar para o telefone recomendado, mas não atende de forma alguma. Não sei, verdadeiramente, de que se trata. Só sei que são ligações, quase sempre, originadas em outros estados, senão em cidades de Pernambuco com DDD diferente do Recife.
Dia desses, porém, estava cortando cabelo com Edson, ali no começo da rua da Hora, esperando a vez de fazer o pé com Sônia, que é excelente pedicura, quando toca o telefone. Deu-se, então o seguinte diálogo, mais ou menos recuperado aqui, graças a minha ainda conservada memória:  
- Boa tarde senhor!
- Boa tarde!
- A senhora Rebeca está?
- Infelizmente, tenho que lhe dá a triste notícia da morte de Rebeca.
- Não me diga uma coisa dessas!
- É! Faleceu!
- O senhor é o que dela?
- Eu sou o amante dela!
- Por favor tem algum número de telefone de familiar ou de amigo para me fornecer.
- Sinto muito, prezado, mas todos ficaram com raiva de mim e eu não o posso ajudar. Era muito ligado a ela, mas somente a ela. Aliás, era uma mulher extraordinária, na mesa e na cama. Não podia ter morrido.
E o meu interlocutor de ocasião desligou, sem mais delongas.
Fiz logo dessa forma, para ver se me deixam em paz, porque não é brinquedo ficar recebendo recado por outra pessoa.
Mas, por outra pessoa, de quando em vez recebo alguma coisa. Eu sou assim, o que é diferente parece me atrair. Uma manhã, ia saindo para o Pilates, quando o telefone de casa toca. Voltei e atendi. O camarada foi curto e grosso: “Sequestrei seu filho!”. E ai mandou que outro fizesse uma voz infantil, chorando. Não tenho filho homem, apenas três meninas. Esse foi o azar do camarada. Ai perguntei: “É o Armandinho?”. Dei esse prenome para homenagear o meu amigo Armando, professor da UFPE e diretor da COVEST. Quando ele me confirmou que era, abri o verbo e disse poucas e boas. O desgraçado, mesmo depois de ser chamado de tudo no mundo e mais um pouco, me disse em troco desaforos mil. Desliguei e fui embora.
Outra vez, fui fazer uma compra e a loja não liberou: “O senhor está com o nome sujo no SPC!”. Pedi que ela visse de que se tratava e com muita dificuldade conseguiu a explicação: fizera uma compra grande na Bahia e não pagara. Nas Casas Bahia, precisamente, da qual minha mãe tinha tanta raiva de ver os comerciais, quando ainda não havia filial da loja por aqui. Foi justamente o caso, não havia loja no Recife. Hoje já existe! Liguei pra lá e disse: “Minha senhora, eu nunca entrei nas Casas Bahia, não sei como são e ignoro o que vendem. Moro no Recife e a única relação que posso fazer de alguma aproximação é o fato de minha mãe não gostar de ver na TV os anúncios do magazine, quando por cá não existe sequer uma loja.” E a penitente me explicou que alguém fez a compra em meu nome, usando o meu CPF. Mas, foi atenciosa e dispensou os pagamentos, claro.
 
 
 

domingo, 3 de novembro de 2013

O poder seduz


Quando era menino acompanhava meu pai, com muita frequência, às solenidades, inaugurações, conferências e reuniões em geral. Dizia que eu me entrosaria no meio, sobretudo entre os intelectuais e por isso me  estendia o convite. Tenho, ainda hoje, fotografias daqueles anos, como a dos inícios da moagem de uma fábrica de café, de cujo empreendimento o meu avô materno era sócio, a Sociedade de Moagens do Recife Ltda., cuja maquinaria fora acionada por ele, momento, aliás, bem fixado no papel encorpado de um retrato em preto e branco.

Na verdade, achava tudo uma baboseira e ficava perplexo com a sua devoção aos compromissos para os quais era convidado, mas ia. Numa das vezes fui advertido por Mário Melo, Secretário Perpétuo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Comparecia, também, à cerimônia do chamado “Beija-Mão” do Governador, nas proximidades do fim do ano, para desejar as boas entradas, como se costumava dizer. E numa dessas visitas, a última do período de mandato, advertiu-me que sendo o derradeiro Natal do gestor a frequência das presenças, por certo, seria menor. E lá, em Palácio, no Salão das Bandeiras, quase não havia filas, cumprimentando-se o homem com toda a facilidade. É a perda do poder, cuidou em explicar meu pai. Não entendi bem, mas guardei a expressão.

Na manhã de seu encantamento leu a crônica que havia escrito no dia anterior, falando de um determinado Ministro, mais que folclórico, o Magri, na qual escreveu: O poder seduz, melhor não experimentar! Referia-se ao episódio do transporte em veículo oficial dos cães doentes, pertencentes à autoridade constituída e a sua resposta às críticas da Imprensa: Cachorro também é ser humano!

Em realidade, tenho ido às cerimônias de posse de algumas pessoas, ocasião na qual se despede dos presentes o ocupante anterior do cargo. E fico perplexo, ainda, com a desatenção coletiva dos convivas. Poucos os que se aproximam e com um aperto de mão ou um abraço atencioso firma e confirma o adeus ao poder, agradecendo, se merecer o antigo titular. Todos se voltam ao estreante e fazem as aproximações, às vezes, bajulatórias, assegurando o porvir. Um desses gerentes públicos confessou, ao final do mandato, que ninguém mais lhe acompanhava para o almoço, quando no começo da gestão tinha dificuldades em selecionar um, aplicando, então, o ensinamento bíblico: “Muitos são os chamados e poucos os escolhidos!”. Coitado! Foi tão difícil enfrentar os dias que se seguiram à queda, que isso contribuiu para que a doença lhe tomasse o organismo e ele morreu.             

 

sábado, 26 de outubro de 2013

A lição da águia

Foi Luciene, a assessora para assuntos domésticos, quem disse: "A casa está oca!". Realmente, o lar da família Gama Pereira amanheceu diferente. O seu quarto, aberto e desorganizado, não corresponde à sua forma de ser, de extrema ordem, como é. Mas, é isso mesmo, a vida é assim, tanto entre os homens de boa vontade, quanto entre os bichos, sobretudo os pássaros, dos quais tanto gosto. O filho nasce, cresce e se liberta das amarras paternas e maternas. E vai à luta sozinho!
Você foi à luta, com um companheiro, que nos parece tão cioso das coisas quanto você. Homem zeloso e cuidadoso. Deus os fará felizes para sempre! Como somos nós, os seus pais, juntos numa batalha diuturna, a qual reúne hoje, além das filhas e dos genros, umas criaturinhas que chegaram para a continuidade do clã: os netos. Vivemos lutando juntos, adotando a mesma bandeira e invocando os mesmos princípios.
Esse tempo de agora é interessante. Fazemos as coisas com um simbolismo que só entendemos com o passar dos dias. Não foi sem razão que comprei novas alianças, que as mandei abençoar naquela Missa, na Matriz da Piedade. Eu estava querendo reacender a chama de meu casamento e o fiz. Confesso que estou me sentindo muito diferente, muito voltado para as coisas do espírito, deixando-me encantar pelas músicas que ouço e pelos poemas que leio.  Tenho grande satisfação com as viagens que faço. Interessante isso! Sou feliz!
Você há de ser feliz, também, em seu lar, com suas coisas bem arrumadas e os seus livros bem dispostos, a postos, para lhe atenderem quando precisar de seus serviços. O seu apartamento está lindo, porque foi preparado com amor, está confortável, porque aproveitou-se do tempero da felicidade para ser organizado e fez da alegria de viver o açúcar que adoça do exercício do existir terreno.
A águia faz da mesma forma, sai do ninho com os filhotes e os joga do penhasco, para que saiam voando e possam assim exercer um novo mister. Ficam olhando (os pais) apreensivos, com receio de que não ganhem os ares do mundo e não possam forjar um novo ninho e criar mais uma prole. Nós também prestamos bem atenção a você, mas vimos que a sua experiência lhe autoriza a sobreviver só.
Os girassóis de seu presente me fizeram lembrar de Van Gogh e com isso ter a mais absoluta certeza de que a educação de seus dias de menina lhe serviram para aguçar a sensibilidade.
 
Obrigado! Sejam felizes!
 
 
 
(*) - Depois que a filha mais nova casou, escrevi essas palavras que são, ao mesmo tempo, de saudades e de alegria, por vê-la assim, assumindo uma vida nova.
 
 
 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Peripécias de um médico

Trabalhei como médico em certo sindicato, que reunia empregados de uma categoria qualquer. Não cabe aqui dizer ou esclarecer melhor, para que se preserve a identidade de todos. No começo era uma atividade relativamente boa, porque bem paga, inicialmente, juntava colegas do melhor nível, tanto cientifico quanto social. Sendo assim, praticava-se ali uma medicina de gabarito, tanto é que cheguei a publicar um trabalho mostrando que a resolubilidade era a melhor possível, isto é, os casos eram, em maioria, resolvidos ali mesmo. Dispensavam, então, encaminhamentos!
Mas, o Presidente era uma peça que não merecia consideração, senão aquela que o poder impõe. Vivia tentando seduzir as atendentes e vez ou outra uma delas caia nas garras dele. Mesmo assim, conseguiu deixar umas passagens ótimas em sua gestão, sobretudo em relação aos médicos, com os quais não tinha relações muito amigáveis. Certa vez, sendo eu Diretor do Departamento Médico, fui chamado à Presidência e informado que um colega ortopedista seria demitido, porque usava a camisa aberta e um colar pendente do pescoço. Foi assim:
- Dr. Geraldo! Não aguento mais encontrar o Dr. Antônio no corredor dos médicos, de camisa aberta e com um colar no pescoço. Vou demiti-lo!
- Veja Sr. Solidônio, acho que pode demiti-lo! Mas o senhor vai me ajudar a tirar também o Governador do Estado, porque ele anda do mesmo jeito.
 
E ele calou-se para todo e sempre, pois era um dos maiores bajuladores que o Recife já viu. Pior quando passou e ouviu o barulho das peças de dominó, fruto dos médicos jogando, enquanto mais um cliente chegava. Reclamou o quanto pôde e eu:
- Entenda, Sr. Solidônio, o ruído, com o qual se incomodou tanto, foi justamente para sufocar a discussão que se passava em torno de um caso de perversão sexual.
Isso era uma beleza pra ele. Achava que podia tomar parte num debate desse, apenas imaginário, porque era ele próprio um pervertido. Fez as indagações todas que desejava e eu justificando, respondia que estava preso ao segredo ético.
Mas em outra ocasião, depois de uma eleição, um novo Governador deveria assumir. Coincidentemente, correu um boato forte de que eu seria demitido. Foi fácil tirar isso de circulação. Combinei com um colega, que quando entrasse no elevador me perguntasse se era verdade que seria Secretário de Saúde. Isso foi feito, na presença do besta do Solidônio e de pronto ele me deu os parabéns e passou a me tratar com as honras devidas. Ora, mas o tempo passou e foi nomeado outro médico. Claro, sequer cogitou-se de meu nome. E ele:
- Dr Geraldo! Eu estranhei muito o seu nome não constar na relação do secretariado.
- É, seu Solidônio, terminei sem aceitar o encargo, mas vou ficar na retaguarda orientando o novo Secretário.
Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma de pato, senhor rei mando dizer que contasse mais quatro. E eu conto depois!
 
 
(*) Uma crônica que recorda o meu tempo de clínico geral em sindicato do Recife. O leitor que desejar comente no espaço mesmo do Blog ou o faça escrevendo para o e-mail: pereira.gj@gmail.com

terça-feira, 8 de outubro de 2013

As fruteiras do terreiro

                               
Sou nascido e criado em sobrado antigo, de estilo cubóide, desses que têm dois alpendres e mais uma varanda, uma sala de visitas e outra de jantar, uma saleta para as refeições e a cozinha do tamanho de alguns dos apartamentos que vi em Paris. Os quartos eram projetados, por certo, para que a família tivesse a prole que desejasse, tal a largueza e o banheiro, nem se fala, com a água quente na banheira permitia o relax de qualquer penitente enfastiado com as coisas da vida. Mas, o melhor de tudo, mesmo, era o quintal! Ali passei as melhores horas de minha infância e os mais interessantes momentos da adolescência. Subi e desci os muros todos da vizinhança, roubei mangas na casa da direita e armei o alçapão de rede para os canários que vicejavam na moradia da esquerda. Fiz da pinheira o meu refúgio, tantas vezes, começando as minhas reflexões juvenis e de uma grande fruteira a medida dos meus desejos, de crescer e de me desenvolver, buscando com uma vara de espanador, na copa distante, a graviola quase impossível, chamada por minha mãe de coração-da-índia. Ali, também, vivi as inquietudes da puberdade, amei e fui amado, nessas iniciações do existir terreno.

Num canto de terra negra, rica em nutrientes orgânicos, uma touceira de bananeiras fornecia, de tempos em tempos, a banana-maçã de sabor inigualável, disputada pela meninada e apreciada pelos adultos pidões. O mangará ia se desfazendo aos poucos, perdendo as cascas e expondo os brotos da fruta, mas eu ajudei, muitas vezes, o evoluir desse processo, antecipando maturidades que nunca chegavam, destruindo, pois, uma palma a mais da roliça fruteira. Foi naquelas proximidades que levantei a minha cabana de madeira, construída com o que sobrara de uma estante, condenada pela desgraçada da polia! De um único vão, não resistiu à intempérie do inverno e ruiu por terra, destruindo sonhos e carregando devaneios. Ali, também, naquelas proximidades da antiga touceira, cavei um buraco grande, que me levaria ao Japão, imaginava, numa fuga qualquer, que precisasse, corrido de mãe e pai, depois das travessuras e das estrepolias de meu dia a dia buliçoso! Do cajueiro e do coqueiro, plantados com as minhas mãos, não só da água me servi, mas da tenra polpa igualmente, saborosas, ambas, a água e a polpa. Caju, todavia, nunca vi nascer e das razões ignoro o mérito! Ainda está por lá o velho coqueiro! Cresceu mais do que eu, como cabe acontecer!


Do galinheiro, também, cuidava, selecionando as melhores penosas e as nomeando reprodutoras do conjunto, promovendo os casamentos com o galo comprado na feira de Santo Amaro. Mas, vez ou outra, decretava-se o abate de uma dessas, da galinha gorda do terreiro, para a mesa do domingo e não havia pedido de clemência que impedisse a ação de uma faca para tanto destinada, que nas mãos da cozinheira degolava a matriz da criação, desfalcada depois. Se o choco chegasse, era deitar os ovos e esperar o tempo regulamentar, pra ver a ninhada piando e seguindo a mãe, mais do que braba, no seu mister de proteger a prole. O risco era o de acontecer o que comigo sucedeu, pegar pixilinga (ou pichilinga?) e sair me coçando feito um louco, aguentando os carões maternos e as desconfianças de minha avó, amedrontada, com receio de contrair, da mesma forma, o diabo do piolho da galinha - Valha-me Deus!. Os mamoeiros dessa avó, plantados com o cuidado obsequioso das amas, como chamava as empregadas, maltratados pela bola de couro do futebol doméstico, feneciam e se os emendava com fita incolor, era pra evitar o mal maior, a queixa apresentada ao pai na hora da janta. Coitada! Não enxergava bem e não via o curativo mal feito, sempre!
Foi por esses meus amores da infância ou por esses meus ardores da adolescência que gostei tanto das crônicas de Osvaldo Martins de Souza, evocando as fruteiras do Espinheiro. Faz bem o cura da Matriz, inserindo no informativo essa liturgia das flores e dos frutos, ritual das árvores e dos homens, num resgate dos enlevos d'alma. Nem só de pão vive o homem, está escrito, mas é desse pão do espírito que vivem os grandes, suficientemente capazes de expressarem os afetos pelo, inteiramente, vegetal. E dos pássaros, também, gosta o escritor, cuidando em alimentar na varanda de casa o beija-flor silente e o sebito de poucas notas. Gosto de tudo isso! Das flores e dos frutos, dos pássaros cantores e daqueles de penas coloridas, mesmo que do canto não possa ensaiar os acordes.