quarta-feira, 11 de março de 2009

A Emparedada da Rua Nova – Verdade ou Ficção?

Quase todos os recifenses que estão na sexta década de vida ou que já passaram, ouviram falar no caso, na Emparedada de Rua Nova, senão como um romance escrito pelo fundador da Academia Pernambucana de Letras, Carneiro Vilela, mas como um acontecimento trágico, o qual, por certo, marcara a vida da cidade no século XIX. A minha mãe fazia menção ao caso e mesmo sem conhecer os detalhes da obra, contava sempre o drama do centro do Recife. Lucilo Varejão Filho, autor do Prefácio à 4ª edição, comenta, também, que ouvira o relato pela boca de uma velha senhora, sem aptidões intelectuais, mas de qualidades domésticas indiscutíveis, responsável pelas histórias que ouvira na adolescência de seus anos, com as quais tanto se encantara.
O autor publicou sua obra em folhetins que circulavam nos jornais da época, começando em 1871, com Noivados Originais, em periódico que ajudara a fundar: América Ilustrada. A Emparedada saiu entre agosto de 1909 e janeiro de 1912. Por isso, pelo longo período de divulgação no Jornal Pequeno, onde foi acolhido, talvez pelo suspense do enredo, tornou-se tão volumoso, com 477 páginas. Mas, é um texto de uma bem tramada arquitetura literária, construído por quem tinha a capacidade de um escritor de histórias policiais, como alude Varejão. É, de igual forma, uma descrição dos cenários do velho Recife e das cenas de então, as do comércio e, sobretudo, aquelas do inteiramente doméstico. Um retrato bem escrito dos convívios e das convivências em tempos assim, tão distantes então.
O desenrolar dos acontecimentos era a Capital pernambucana, nos idos de 1861, quando os negócios giravam em torno das ruas centrais, onde, aliás, ainda hoje está a velhíssima rua Nova, para usar, ainda, a expressão de Lucilo Varejão. Estabelecimentos comerciais, que abrigavam no andar superior o lar de seu proprietário e de sua família, quando não de algum caixeiro mais chegado. No caso de Jaime Favais, o seu sobrinho, português como ele, João Favais, logo nomeado primeiro caixeiro, assistia por lá, no pavimento térreo, longe da parentela. Um Recife pequeno, mas de distâncias enormes; distâncias que encurtaram com o passar dos anos, com o crescimento urbano e especialmente com o desenvolvimento dos transportes. Circulava-se à cavalo ou em carros puxados por parelhas eqüestres também.
O drama tem inicio nas atividades sociais dos personagens envolvidos, gente da aristocracia, ligada aos negócios do açúcar ou envolvida com o comércio. O teatro Santa Isabel, de tantas tradições, foi o palco apropriado e pelo destino escolhido para a aproximação entre dois importantes figurantes da trama: Leando e Celeste. A descrição que o autor faz do pivô do crime – Leandro Dantas –, parece antecipar o que disse o jornalista Arthur Carvalho, em deliciosa crônica que escreveu no Jornal do Commercio, do Recife: O Homem Invisível. Era assim o falso estudante de medicina! Uma pessoa que freqüentava as rodas sociais, mas que ninguém sabia de onde viera, o que fazia e como se sustentava. Um conquistador, na acepção da palavra, capaz de atrair simpatias variadas, da mulher casada à solteira, recatadas e pudicas, todas.
O galanteador, quando estava na cidade – dizia-se baiano –, hospedava-se no Convento do Carmo. E ali recebia algumas de suas visitas, como a do marido de Celeste, Tomé Cavalcanti, o qual por um triz não viu as cartas da mulher, graças à intervenção de Jereba, um amigo fraterno de Dantas. Sobre Cavalcanti, aliás, comenta Carneiro Vilela que ele integrava uma família cujo erro político fora expulsar os holandeses de Pernambuco. Mas Celeste, mulher dos agrados de Leandro, tivera uma educação complicada. O seu pai, próspero senhor de engenho, casara aos quarenta anos com a filha mais velha de um lavrador, com quem tivera este rebento e mais dois filhos. Mas, era, como outros daqueles anos, que se arrogavam em donos da vida e da morte de seus escravos e nunca dispensavam uma negra bonita e faceira. Assim, tivera muitos bastardos e deles deu conta a esposa, criando-os como se mãe também fosse.
A questão é que Celeste, depois de vinda do colégio onde estivera interna, tornou-se cheia de caprichos, dominadora, mas querida por todos. Com o coração meigo e carinhoso pôde exercer fascínio, influência e predomínio. Fez o pai dispensar a palmatória com que castigava os escravos e mudou o trato dispensado aos negros, permitindo-os o cantar e o dançar de seus agrados. Em compensação, tornaram-se os cativos mais produtivos e o lucro aumentou. Ela, porém, transformou-se na mais namoradeira das moças do lugar, quase sem recusar um pretendente sequer.
Josefina parecia ser diferente, em que pese terem estudado no mesmo colégio e sujeitas, evidentemente, às mesmas normas e às mesmas posturas rígidas das religiosas, se bem que expostas, também, como chama atenção o autor, às insinuações maldosas dos confessores. Assim, era uma mulher das chamadas prendas domésticas, ligada ao lar e à família, sobretudo à filha Clotilde. O reencontro com Celeste teve um efeito muito forte em Josefina, transformando-a numa pessoa que de momento para outro passou a freqüentar os encontros sociais todos, veraneando no Monteiro e visitando a família Cavalcanti habitualmente. Terminou apaixonada, também, pelo Homem Invisível como se intitulou aqui, nessas linhas. E o pior de tudo, Clotilde, igualmente, caiu de amores por Dantas e dele engravidou. Jaime Favais não aceitou a traição da esposa e não admitiu a gravidez da filha. Mandou matar o amante e condenou à morte, do mesmo jeito, a filha amaldiçoada. O fato correu o Recife, de fora a fora.
Carneiro Vilela, diz que está contando a verdade. Mas Rostand Paraíso, médico e escritor, justifica que tudo não passou de um boato, nunca comprovado. E na rua Nova, verdade ou ficção, ninguém sabe, uma mulher esteve enterrada na parede.
(*) - Crônica escrita há algum tempo e assim apresentada em congresso de médicos escritores, na cidade de Fortaleza. Leia e comente neste espaço virtual ou para os e-mails pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com
(**) - Foram acrescentadas e assim trocadas algumas fotografias, depois que o jornalista e fotógrafo Marcus Prado me enviou parte de seu acervo em torno da Emparedada.