terça-feira, 12 de junho de 2012

Outras quadrilhas e outros rojões

O calendário, como acontece todos os anos, vai marcando o tempo das festas juninas. Mesmo com o estilizado de agora imperando nas televisões e nos palanques nunca improvisados, há uma tradição pedindo para novamente aflorar. Um ritual que ocupou boa parte dos anos, que reunidos fizeram o Século XX. Festas que vieram da Península Ibérica, sobretudo de Portugal, mas que têm na França o berço da quadrilha, dançada e chamada conforme suas origens e no idioma do nascimento. Festas que foram buscar na China a participação tão grande dos fogos de artifício. Festas, enfim, multifacetadas, que saúdam o Santo Antônio, casamenteiro por derradeiro, São João e São Pedro.

Eu era menino e morava em Santo Amaro das Salinas, do lado burguês desse bairro, testemunhei muitas vezes as tardes em que minha avó paterna preparava a massa do bolo, do pé de moleque sendo batido numa enorme panela, enquanto eu esperava um final feliz. para lamber o recipiente assim, imenso: restos da gostosa mistura. Ai pelas 16 horas a mesa era posta, o bolo exposto e os guaranás arrumados para serem servidos, como se estivessem somente aguardando a hora do jantar diferenciado do dia.

Eu só não entendia os motivos pelos quais o meu pai deixava para minha mãe a função de soltar os fogos. Eram vulcões, que postos numa das pilastras do muro, deixavam fluir verdadeiros fachos de fogo colorido. A meninada exaltava, mas se contentava com o traque de massa e a cobrinha. Nada de buscapé, rojão, quando muito um peido de velha. Uma vez consegui uma bomba de alto teor, mas não tive coragem de estourar. Falou mais alto a voz de minha mãe, uma voz silente no hoje dos dias.

Eu fazia uma fogueira; uma fogueira pequena, às custas de madeira velha, tirada, o mais das vezes, de estantes condenadas pela ação dos cupins. Primeiro essa madeira descartada ia para o quintal, nas cercanias das bananeiras e ali eu construía umas tendas nas quais dizia residir. Tinha um banquinho vagabundo lá dentro, para que me sentasse ou para receber hipotéticas visitas que nunca se ocuparam em comparecer àquele reduto da fantasia infantil. Às seis da noite era preciso acender de logo a fogueira, porque se assim não fosse, morreria o dono da casa. A qualquer custo eu acendia a madeira, às vezes molhada, diante do alpendre.

Um dia, inventei uma quadrilha; inventei, explico, para dançar com uma moça arabizada, de corpo amorenado e de características barrocas. Mas, o pai da moça tirou meu gosto! Não dancei com ela! O meu par era uma menina de caracteres parecidos, mas balofa, de seios grandes, ao contrário da original. No dia da festa – pode crer o leitor – compareceram as duas, a de corpo bem desenhado e bem talhado e a outra, um tanto quanto arredondada. Dancei com uma e fiquei, no mais puro do termo, com a outra. Que beleza! O quintal servia de cenário a tudo isso e foi por lá mesmo que enlacei nos braços a mulher de bom recorte e roubei-lhe um beijo. Não prestou não, porque minha mãe reclamou o quanto pôde. Meu pai também! Nunca esqueci essa criatura!

Fui o padre da quadrilha, vestindo uma batina do jesuíta Padre Luciano Saraiva Leão, figura muito boa e hoje encantada no infinito das coisas. Foi difícil fazer o empréstimo! Precisou enrolar muito, ter muita lábia. E numa carroça alugada, puxada por um cavalo manco, chegamos em casa, depois de um percurso debaixo de chuva, porque onde se faz uma quadrilha há sempre a chuva que molha o roçado, molhando a gente matuta. 

(**) O texto assinala o início das festividades juninas, repetindo datas. Escrevi em substituição ao que prometi sobre a minha viagem ao Leste. É vi tanta coisa que barafundei o juízo e como vou preparar uns slides para apresentar no Conselho Estadual de Cultura, onde venho atuando, nessa ocasião hei de preparar alguma coisa escrita também. O Blog é reproduzido também no Jornal A Besta Fubana.