sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A Pilheriada de Meu Pai

Colega meu de turma e amigo fraterno, com dois prenomes - HÉRCULES SIDNEY –, sugeriu que escrevesse nesse espaço que venho preenchendo, crônicas com o título genérico de “Assim Pensava meu Pai”. Como tenho publicado por cá textos pitorescos de minha vida, aceito em parte a sugestão do pernambucano exilado no Planalto Central, conviva, então, do poder. Mas, sobretudo, aproveito a oportunidade do centenário de Nilo Pereira e vou contar dele duas lorotas, como gostava de se referir ou vou reproduzir aqui a pilheriada que fazia no cotidiano das coisas, como dizia.
Meu pai era de biótipo bem parecido com o meu, com ares de carrancudo, de quem era emburrado, como tenho sido considerado, frequentemente, tanto é que ele mesmo me chamava de Dom Trombudão, fazendo pilheria. Vez ou outra – agora menos – as pessoas se dizem admirado com o meu bom humor, pois que me imaginavam fechado, pelo aspecto da fisionomia. Vejam só! A verdade é que trancado ou não Nilo Pereira era um contador de histórias e capaz de uma boa troçaria com seus amigos e seus colegas. E eu sei de várias! Vou contar algumas, então.

Certa vez, viajou à Bahia, representando Pernambuco em delegação que comparecia à posse do Cardeal Primaz. Foram de carro, três intelectuais do Recife. À saída, de logo, um deles mostrou a geladeira portátil que trazia. Um avanço enorme: era apenas um isonor. Ali ia o gelo do uísque daquela viagem de automóvel até Salvador. Um deles era o orador pernambucano no evento. E foi esse que amargou os horrores do grupo. Chegaram à cidade que foi a primeira capital do Brasil, hospedaram-se em quartos separados e o meu pai, junto com o outro integrante da caravana, decidiu passar um trote no orador e ligaram de um aposento a outro:
- Boa tarde Dr. Melo
- Boa tarde! Quem fala?
- Dom Libório, Secretário do Cardeal Primaz! Estou ligando para dizer que é necessário ler o seu discurso antes.
- Mas...! Secretário...! Como assim?
- São as normas canônicas, Dr. Melo.
- Considero isso uma censura prévia em meu texto. Não posso admitir. Vou antes conversar com os meus companheiros de viagem e sugerir que devemos voltar a Recife hoje mesmo.
- É a providência que esperava de V. Exa. Passe bem!
E o Dr. Melo, cujo nome aqui é fictício, correu ao quarto de meu pai e mandou chamar o outro membro do grupo. Estava indignado com o Secretário, com o Cardeal, com o Bispo e com o Papa. Horrorizado e disposto a voltar. Mas, os dois riram às bandeiras despregadas e contaram que o fato e o feito era de autoria deles mesmo, por isso sossegasse.

De outra feita ligou para o Secretário do Governo dizendo que era o Cônsul de Portugal – imitava muito bem um português e seu sotaque -, para apresentar os protestos diplomáticos em função dos mal tratos que vinha recebendo do poder executivo local. Não admitia isso, insistia, pois na condição de representante consular exigia bom trato e distinção. O homem quase cai de costas e derramou-se em desculpas e salamaleques telefônicos. Até que, afinal, descobriu quem era e quase briga. Mas, ruim mesmo foi a coincidência da ligação, real e quase palpável, do Cônsul propriamente, ao que a autoridade respondia:
- Sim Nilo continue.
- Pode falar à vontade!
- Só isso!

E o Cônsul só não pediu explicações por escrito em função da amizade que tinha com a gente intelectual deste rincão.

(*) – Esta é uma crônica que ofereço a meu pai, no ano de seu centenário, lembrando os passeios vespertinos, aos sábados sempre, de mãos dadas, à rua da Aurora, quando levava o meu barquinho de papel, que ganhava as águas do Capibaribe para chegar ao mar e levar notícias dessas nossas idas e vindas. Viva!