domingo, 3 de novembro de 2013

O poder seduz


Quando era menino acompanhava meu pai, com muita frequência, às solenidades, inaugurações, conferências e reuniões em geral. Dizia que eu me entrosaria no meio, sobretudo entre os intelectuais e por isso me  estendia o convite. Tenho, ainda hoje, fotografias daqueles anos, como a dos inícios da moagem de uma fábrica de café, de cujo empreendimento o meu avô materno era sócio, a Sociedade de Moagens do Recife Ltda., cuja maquinaria fora acionada por ele, momento, aliás, bem fixado no papel encorpado de um retrato em preto e branco.

Na verdade, achava tudo uma baboseira e ficava perplexo com a sua devoção aos compromissos para os quais era convidado, mas ia. Numa das vezes fui advertido por Mário Melo, Secretário Perpétuo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Comparecia, também, à cerimônia do chamado “Beija-Mão” do Governador, nas proximidades do fim do ano, para desejar as boas entradas, como se costumava dizer. E numa dessas visitas, a última do período de mandato, advertiu-me que sendo o derradeiro Natal do gestor a frequência das presenças, por certo, seria menor. E lá, em Palácio, no Salão das Bandeiras, quase não havia filas, cumprimentando-se o homem com toda a facilidade. É a perda do poder, cuidou em explicar meu pai. Não entendi bem, mas guardei a expressão.

Na manhã de seu encantamento leu a crônica que havia escrito no dia anterior, falando de um determinado Ministro, mais que folclórico, o Magri, na qual escreveu: O poder seduz, melhor não experimentar! Referia-se ao episódio do transporte em veículo oficial dos cães doentes, pertencentes à autoridade constituída e a sua resposta às críticas da Imprensa: Cachorro também é ser humano!

Em realidade, tenho ido às cerimônias de posse de algumas pessoas, ocasião na qual se despede dos presentes o ocupante anterior do cargo. E fico perplexo, ainda, com a desatenção coletiva dos convivas. Poucos os que se aproximam e com um aperto de mão ou um abraço atencioso firma e confirma o adeus ao poder, agradecendo, se merecer o antigo titular. Todos se voltam ao estreante e fazem as aproximações, às vezes, bajulatórias, assegurando o porvir. Um desses gerentes públicos confessou, ao final do mandato, que ninguém mais lhe acompanhava para o almoço, quando no começo da gestão tinha dificuldades em selecionar um, aplicando, então, o ensinamento bíblico: “Muitos são os chamados e poucos os escolhidos!”. Coitado! Foi tão difícil enfrentar os dias que se seguiram à queda, que isso contribuiu para que a doença lhe tomasse o organismo e ele morreu.