domingo, 13 de setembro de 2009

O Sereno das Madrugadas

Tenho acompanhado o empenho do Fórum Socioambiental de Aldeia, à frente Manoel Ferreira, através do jornal “Folha de Aldeia”. Observo e até fotografo os troncos de jaqueiras que são transformados em móveis rústicos, expostos à margem da rodovia. É que sendo a árvore exótica, está imune à proteção da lei ambiental. Mas, como destaca a “Folha”, embora tenha sido trazida de fora, está perfeitamente integrada à Mata Atlântica, como sucede também com a mangueira. Esquecem os artífices dessa derrubada insana que o desaparecimento da flora afugenta a fauna ou mata os bichos e com isso desarranja os ecótopos, aproximando do homem certas parasitores contidas na intimidade florestal. Foi assim em Itamaracá com o Calazar e tem sido assim na Zona da Mata toda com a Doença de Chagas. Os reservatórios silvestres desaparecem e o ser humano se inclui no ciclo parasitário. Cansei de ver essas coisas! A natureza cobra a insensatez humana!
A colonização deste País e de Pernambuco, sobretudo, foi feita às custas da destruição da Floresta Tropical. A cana-de-açúcar ocupou o massapé gorduroso de que fala Gilberto Freyre. Promoveu o fausto efêmero da família patriarcal e provocou a falência dos senhores todos ou quase todos. As usinas substituíram os engenhos e passaram a dever aos bancos oficiais fortunas nem sempre pagas. A ilusão do canavial voltou a seduzir os proprietários com a inserção do álcool como combustível. O trabalhador rural foi expulso da terra, abandonando a agricultura de subsistência e o criatório. Migrou, enfim, para as metrópoles, onde reside na desordem dos assentamentos urbanos. A enormidade da Mata Atlântica, com toda a biodiversidade de que dispunha e em ainda dispõe, mesmo que em proporção mínima, feneceu.
Sei de tudo isso de cor e salteado, porque tenho em minha ancestralidade um barão, desses que o Imperador engabelou com o título nobiliárquico, cuja família quebrou. Ou sou filho de um dos netos – ou bisnetos –, nascido em tempos de vacas magras já, com a propriedade empenhada a outro senhor, a quem se deve o destelhar da casa grande com o bebê no colo da mãe ainda. Não aprecio a monotonia de um vegetal só, não gosto da cor desbotada, do verde claro visto das estradas, quilômetros e mais quilômetros, por toda Zona da Mata. Para mim aquela visão é falsa, representando a derrubada impiedosa do matagal e a fuga dos bichos. Ou representa o distanciamento social ainda maior do homem matuto, inscrito agora nas populações marginais das cidades. A casa-grande esteve distante da senzala o tempo todo ou o branco senhor serviu-se do negro escravo para lhe usar as forças físicas e se utilizar do sexo. Depois, largou o preto livre à própria sorte.
O resto de mata que ainda existe em Aldeia, interessando 8 municípios de uma só vez, precisa ser olhado como uma preciosidade que exige a necessária conservação, com jaqueiras e com mangueiras incluídas há anos no ecossistema. Os animais que dependem dessa flora úmida, também, para que continuem o ciclo silvestre da existência. Não é possível mais se encontrar, como sucedeu comigo, preguiças fazendo travessias perigosas, andando no cimento da civilização ou penduradas em placas de sinalização. É necessário que o deputado Alberto Feitosa, convocado como foi pelo Fórum, consiga um jeito, juridicamente reconhecido, de oferecer resguardo ao que homem ainda não conseguiu arruinar. O coronel José Lopes, a quem conheci major, homem de sensibilidade aguçada, até porque começou a vida como praça, de fino trato, há de colaborar nesse esforço coletivo da manutenção de um verde escuro e viçoso. É o que se espera!
O mundo vive uma situação séria em termos ambientais, o aquecimento global é uma realidade e na Área Metropolitana do Recife isso é patente, basta acompanhar as temperaturas que se tem no cotidiano das coisas ou basta experimentar o calor escaldante dos dias e das noites. Não há mais quem aguente tanta quentura. Em Aldeia, está na “Folha”, uma senhora acusa o termômetro de ultrapassar os 30°C, coisa que não se tem na localidade, tal a umidade. Dentro de mais alguns anos não se verá mais o orvalho da manhã e o sereno das madrugadas.
(*) - Um texto escrito há algum tempo, publicado já no Jornal do Commercio do Recife, outra vez divulgado como forma de dispor de uns minutos a mais para vestir o livro que será lançado na Bienal, com Prefácio de Gustavo Krause e orelhas de Jorge Siqueira. Comente: no espaçco mesmo do Blog ou para os e-mails: pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com