sexta-feira, 7 de maio de 2010

Minha mãe

Minha mãe:

O dia das mães vai se aproximando, mas dessa vez tudo será diferente. Não posso mais ligar, como fiz por anos seguidos, para a sua casa bem cedinho, antes que o sol raiasse por inteiro, às 6 horas em ponto, tantas vezes. Você sempre foi assim, acordava com o galo e ia dormir quando a noite já estava alta. Os seus cuidados, aqueles que tinham vindo da infância – “Meu filho como está você? E a gripe? E a febre?” –, essas coisas passaram em suas inquietações. Nem sei mais se alguma coisa pode lhe inquietar de verdade. Não, não pode! Sequer a minha fisionomia lhe diz alguma coisa: “Mãe! É Geraldo!”. E as respostas – “Sim! Como vai?” –, raramente são verbalizadas. Nunca mais ouvi aquela sentença própria de seu vocabulário diante de minha pergunta rotineira – “Como está você? : “Sem novidades!”. Não há novidades, mas também não há como expressar mais. Cada vez que lhe vejo, confesso, volto arrasado, sorumbático e triste.



Uma de suas perguntas me deixou sem resposta: “Para morrer precisa sofrer tanto?”. Não deveria precisar. Se eu pudesse fazer alguma coisa, francamente, a deixaria dormindo o dia todo, a semana inteira e o mês, contanto que não ouvisse mais de sua boca esse quase desespero de seu viver. Não tive nada a lhe dizer quando você me disse: “Eu estou morrendo!”. É, minha mãe, infelizmente este é o desiderato da hora, a sentença que lhe vai sendo imposta aos poucos pela doença. Não há doença, há doentes, diziam os meus mestres, todos, praticamente, encantados no infinito das coisas. Pois é, esta é uma doente especial, porque é minha mãe e o que ela passa eu quase passo também. Uma mãe é especial para todos os filhos, mas no seu caso em particular: especialíssima!

Estava pensando com os meus botões, há pouco: como o tempo passou rápido. Faz alguns anos – ou faz muitos anos? – eu era menino bem menino. Corria pelo quintal feito um desadorado e você, diante da minha presença no olho do mamoeiro, dizia: “Desça pelo amor de Deus! Se o pé de mamão cair você também cai!”. E eu alegava o risco de ir de castigo, mas a sua negociação era sempre cumprida, eu podia descer que não seria punido. Raras as vezes que me sentei na cadeira da sala posto em castigo, calado e contido, sem olhar para os lados. O seu coração mole de mãe me liberava rapidamente. E quando o comercio deu ênfase ao dia das mães, eu cantava assim: “...Eu te lembro chinelo na mão/O avental todo sujo de ovo/Se eu pudesse/Eu queria outra vez mamãe/Começar tudo, tudo de novo...”. É não é possível começar tudo outra vez, mas que dá vontade, dá.

É isso, minha mãe. Não tenho mais como ouvir os detalhes do presente: “Uma fazenda azul de algodão, 100% algodão.”. O vestido já não lhe basta, é a camisola que a veste de sol a sol no isolamento de seu quarto. Vou comprar uma camisola com as mesmas características, da cor de seus gostos e do mais puro algodão que encontrar, mas isso é um sinal péssimo para mim. Ah se eu pudesse transformar a fotografia que está atrás de si, o retrato de seu casamento, em realidade! Queria vê-la andando como qualquer um, falando sentenças com nexo, indagando e respondendo a contento. Mas, não posso mais! Deus lhe abençoe digo agora, invertendo os papeis.