sábado, 27 de setembro de 2014

Uma babá sofrida

Eu me surpreendo, às vezes, pensando que a justiça divina nem sempre funciona de forma adequada. E isso vem me incomodando de uns dias para cá, depois que vi uma mulher adoecer, em plena juventude, acometida por um câncer aos 31 anos de idade. Uma pessoa que não fazia mal a ninguém, que vivia seu cotidiano de forma singular, pois que sendo moradora da Ilha do Maruim, habitando um casebre insalubre, nunca deixou de cumprir com as suas obrigações, nunca deixou de trabalhar da forma mais ávida que se puder imaginar, fosse como babá ou como simples faxineira.

Foi babá de meu neto Pablo, sendo mais do que cumpridora de seus deveres, porque se mostrou extremamente afetuosa, dedicando-se à criança como se fosse uma segunda mãe. Mulher que se despediu dele, de Pablo, quando viajou para São Paulo, chorando um pranto saudoso e recebendo dele um forte abraço, de quem talvez antecipasse um adeus que não gostaria que acontecesse tão cedo. Passou a ser a faxineira de minha casa e arrumava a minha biblioteca de tal forma bem, que os meus colegas a tratavam por bibliotecária. Era capaz de localizar um livro ou um trabalho impresso com a facilidade dos que fazem as coisas com amor.

Pois é, doente, fizemos tudo por ela! Fomos buscar a melhor assistência do SUS, nas dependências do IMIP. E ela foi fazendo os exames e piorando, até que conduzida ao Hospital Miguel Arraes, obteve ali uma atenção médica de primeira qualidade. Mas, não houve como resolver o caso! E as minhas indagações existenciais passaram a me incomodar mais e mais. Não, não é de Deus essa desejada misericórdia! É dos homens, dos governantes a obrigação de assegurar às pessoas os meios necessários à sobrevivência de todos. E, infelizmente, a sensibilidade dessa gente passa longe. Só lembram do próximo quando as eleições se aproximam e não garantem, sequer, os meios necessários à prevenção dos que estão nesse banquete da existência terrena.

Uma coisa é pertencer às elites econômicas no Brasil e outra é estar dentre os que precisam e são desvalidos. Essa gente há de pagar pelo descaso com os outros na eternidade das coisas, já que por aqui não se submetem sequer ao judiciário.
 
(*) - Texto escrito há cerca de 15 dias, quando a babá de meu neto Pablo e ultimamente faxineira de minha casa se ultimava no Hospital Miguel Arraes, onde, aliás, teve toda assistência possível. A crônica, publicada no Jornal do Commercio a 20 desse mês corrente, é a expressão da minha revolta, diante da falta da mnecessária prevenção para toda gente neste País infestado de corrupto. Se Jaislane Tertuliano tivesse acesso a medidas dessa natureza, precoces e efetivas, não teria fechado os olhos ontem, 26 de setembro.
 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Prefácio - Textos esparsos


 


José Arlindo Gomes de Sá(*)
 

Com a cunhada
 O homem nasceu para a eternidade e não obstante o silêncio, a ausência, a aparente escuridão do túmulo, ele perfura todas as barreiras do tempo, num desafio vitorioso sobre o finito. O poeta do acontecimento é assim: perene, porque consegue permear o que escreve daquilo que existe de eterno em si mesmo. Cabe a nós sabermos deixar florescer o cronista como se fossemos tão-somente uma terra arada pela própria vida que não retêm em si a semente, mas que oferece condições para a roseira florescer e desabrochar. Geraldo Pereira sempre esteve entre nós, presente nas suas crônicas qual semente latente na nossa terra. Hoje, aflora em sua plenitude nessa produção literária cuidadosamente preservada. E nós, certos de estarmos cumprindo passo a passo o compromissoPREFACIO com o nosso tempo, mas também como nossa gente, somos apenas a terra arada pela vida em favor dos frutos nordestinos. 



Geraldo Pereira sempre viveu na capital e esses Textos Esparsos me trouxeram
 

recordações gratas, que as páginas escritas me avivaram como um sopro em cima de brasas quase extintas. Ao descrever uma visita a uma cidade sertaneja à margem do rio São Francisco, na crônica Os encantos de Petrolina, me veio à memória, lá pelos idos de 1972, o dia em que eu estava atarefado no trabalho cotidiano da Fundação SESP em Floresta, minha pequena cidade pajeuense e navieira, quando alguém anunciou em tom solene: "Está aí um senhor que quer vê-lo. Ele deu a entender que se trata de um assunto muito sério". Qual não foi minha surpresa ao avistar Geraldo Pereira com a tão conhecida matreirice nos corredores da faculdade! Refeito do sobressalto e da satisfação do reencontro, ele me revelou o objetivo de sua passagem por ali nos carrascais do rio Pajeú e do riacho do Navio: "Vim conhecer a serra do Umã, onde os índios estão adoecendo de leishmaniose".
Fátima, eu, Geraldo e sua  filha Patrícia Pereira. Se o autor tem lastro literário e é reconhecido como escritor, crônicas suas consideradas mais significativas, pelo assunto e pela qualidade estética, são selecionadas para virar livro, como é o caso destes Textos Esparsos. Para Geraldo Pereira, a crônica vem sendo ao longo dos anos, sua forma de testemunhar acontecimentos da vida do seu cotidiano, de pessoas anônimas ou dos familiares que cruzaram seus dias de filho, irmão e amigo atento, além de reminiscências da meninice, do estudante e do professor, um tipo de vida que se tornou visível pelas suas poesias dos acontecimentos, seja no lirismo das ruas da infância e da adolescência, seja no ambiente da magnificência da Reitoria da UFPE. Ele busca a inspiração de seus textos na memória e, principalmente, na observação direta do cotidiano, onde se dá, concretamente, a experiência humana.
Foto: Patrícia, Júlia, Zaina, Carol e eu.
A minha neta, as filhas, a esposa e a
cunhada
 Em alguns momentos lembra o inconfundível Luiz Fernando Veríssimo com seus toques de humor e acaba provando que, sim, a vida pode ser lida e vivida ao mesmo tempo. Em outros, revive um dito de Manuel Bandeira: "Nunca brinquei com os moleques da rua, mas impregnei-me a fundo do realismo da gente do povo". E Rubem Braga, que abordava os assuntos do dia-a-dia, falando de si mesmo, de sua infância, de sua mocidade, impressões de caminhadas e assim impregnava tudo que escrevia de um grande amor à vida, a vida simples, não sofisticada. As crônicas Vazio ecológico e Globalização e cultura tem esses atributos. Há décadas que Geraldo Pereira vem desempenhando o ofício de cronista, razão pela qual esses textos redigidos de forma livre e pessoal vinham sendo zelosamente colecionados como preciosidades por sua mãe e que somente vêm à tona agora para surpreender, divertir e deleitar a nós leitores.
Academia Pernambucana de Letras. Identificamos a variedade dos assuntos, sem que se mostre superficial; o conhecimento dos temas, mesmo os que não estão relacionados com o médico e professor emérito; a linguagem límpida, simples e moderna; a agudeza da observação psicológica; a perspectiva social; a nitidez das imagens e o ímpeto raciocinante.
Eu com minha cunhada Zaina Pereira e o casal Arlindo e Tânia.
Mª dos Anjos, Zaina, Zé Arlindo
e Tânia
 Há, também, nesta coletânea, histórias pitorescas e belas, episódios cômicos.E, neles, o autor ri de si mesmo. Essa atitude sinaliza a maturidade do escritor. Somente uma pessoa muito segura de si mesma, de sua arte de escrever e de sua serenidade, tem condições de se expor ao leitor, revelando inclusive suas fragilidades. Fica ao alvitre do leitor descobri-las em crônicas como estas: Uma alameda da saudade e Exílio de sentimentos. 




Enluarado pela magia e apaixonado pela fauna e pela flora do meu sertão, li e reli com prazer uma crônica emblemática: Asa branca. Luiz Gonzaga cantou este pássaro pelo simples fato de que ele representa a saga dos retirantes da seca do Nordeste, mas, na minha opinião, a ave mais representativa das terras sertanejas é o casaca-de-couro. Não sou o único a defender a preferência por esta ave. O poeta Carlos Severiano Cavalcanti, em seu belíssimo livro Sertanidade, fez com maestria esta glosa: "Casacas-de-couro em bando \ Fazem festa no sertão". Ao escrever que "escutar a ave canora, \ poetisa do braseiro, \ com o canto condoreiro, \ nossa tristeza minora", ele está se referindo a única ave que gargalha que se conhece. O casaca-de-couro encanta pela sua penugem semelhante à vestimenta do vaqueiro. É comovente acordar no sertão com seu canto orquestrado. A sensibilidade fica aguçada neste momento que emociona porque, ao contrário da asa branca, que bate asas do sertão, o casaca-de-couro permanece alegrando o nosso viver sofrido durante a estiagem. E então, ouvi também o canto, o gemido, a voz, o berro, o gesto do sertanejo rasgando os ares dos carrascais na leitura da crônica Um nordestino sofrido. Em Uma sociologia da madrugada me fez lembrar e sentir o cheiro que vinha da padaria do beco do Pajeú, quando seu Amaro saía, ainda no primeiro clarão da barra, oferecendo seu produto, rua abaixo e rua acima: "Olha o pão quente, queimando a gente rapaziada! Olha o pão de seu Amaro!"

Os textos de Geraldo Pereira passam pelo tear de acurada sensibilidade, com fusos tecendo os encantamentos. Portanto, a mim, como colega que teve a felicidade do seu convívio, com a permissão que me foi concedida de prefaciar os Textos Esparsos, só me resta recomendá-los com o mesmo zelo de quem os conservou por muito tempo no baú das coisas inseparáveis.

(*) – José Arlindo Gomes de Sá é médico, poeta, Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional de Pernambuco

sábado, 6 de setembro de 2014

Textos Esparsos - Apresentação

Este livro traz de minha mãe o carinho; o carinho porque está composto, todo ele, por crônicas que foram guardadas por ela ao longo de muitos anos, de décadas. Eu sabia que ela tinha esse cuidado com os meus textos, que eram publicados no Jornal do Commercio do Recife. Mas, não sabia que tinha tal quantidade de artigos, que poderiam resultar até em livro. Nem ela própria tinha essa impressão, a de que esse material assim arquivado serviria ainda para uma publicação que reunisse todo esse esforço, mais dela que meu.
Pois é, amigo leitor, a minha mãe (Lila Marques Pereira), encantou-se em 2013, no mês de agosto, de todos os azares. Já tinha 94 anos na conta das gentes com quem viveu. Passou 4 anos – longos anos – acamada, sob o cuidado sempre muito próximo da filha mais nova, minha irmã caçula, mais nova que eu 10 anos, Fátima de prenome. Foi Fátima quem desarquivou tudo isso e me enviou numa grande caixa de papelão. Quando fui revisar, encontrei muita coisa que não tinha ainda divulgado em livro e resolvi enfeixar nesse volume que ora vai a lume.
São crônicas, muitas delas com humor, porquanto o meu estilo de escrever contempla sempre a graça e as frases engraçadas. Mas, tem o sério, o reflexivo, o contemplativo, seja pelas palavras que dediquei à minha mãe, sobretudo nos anos fechados de sua vida, aos 70 e aos 80, mas também as minhas dores quando de seu encantamento, seja pelos textos escritos com a reflexão social de que me tomo, diante das grandes questões da minha gente, de meu povo. Entendo que um espaço de jornal, capaz de acolher o texto de quem teve acesso às letras e à cultura, mesmo que insipiente, não pode ser desperdiçado e precisa atender aos relamos da sociedade.
É um livro, pois, dedicado à minha mãe e de certa forma escrito por ela, porque sem ela não teria o prazer de lançar o volume.
 
 
(*) Esta é a Apresentação de meu livro - Textos Esparsos-Crônicas Dispersas -, que será lançado brevemente, a 11 de setembro, a partir das 19 horas, na Academia Pernambucana de Letras. Um volume que está dedicado à minha mãe, pois que foi ela quem colecionou as crônicas assim publicadas. Com esta Apresentação, reforço o convite aos leitores do Blog, aos familiares, aos colegas e aos amigos. Espero a todos nessa noite de convívios e confraternização.