terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Insônia Parental

O motorista do táxi, depois que abri a boca, perguntou: “Está com sono?”. Perdi o sono à 2h:30 da madrugada e não o encontrei mais. Na verdade, o meu sono já se foi há muitos e muitos anos pra atrás; se foi, digo de novo, nos vestígios deixados pela insônia de minha avó paterna ou seguindo as noites e noites em claro de meu pai, que passou o todo tempo em que viveu quase sem dormir. Levantava assim, com as galinhas e sentava à máquina de escrever, datilografando um artigo de jornal, no mesmo quarto que eu próprio dormia. Isso concorreu para a insônia do meu despertar precoce, mas a marca da genética é que foi predominante, pois que não dormiam minha tia velha, minha tia mais nova e as outras todas da constelação parental.

Acordei e levantei quando o relógio marcou 4:00h da manhã, ouvi o pássaro cantando continuamente, não identifiquei a espécie do bichinho, mas há muito que ouço seu trinar e julgo seja exótico, isto é, venha de outras paragens e por cá restou aprisionado em gaiola de algum vizinho. Já gostei de pássaro assim, por trás das grades formadas pelas “barbas de bode”, mas não gosto mais. À tardinha, quando fui à janela de meu quarto, havia um pássaro escuro, diferente dos que vejo por cá, com uma cocuruta na cabeça. Também não sei o seu nome e a sua origem. Por aqui estão criando passarinhos engaiolados, é o que deduzo, vez ou outra um desses foge e fica por ai zanzando sem destino. Dia desses, em minha varanda, havia um periquito australiano, verde. Não gosto da espécie e não admiro a espécime.

Tempo houve, eu já casado, pai de família, que acordado às tantas da noite, tomando conta de minha filha mais velha, da asma que tinha e da febre que a incomodava, e de súbito surgia Moisés, despedindo- se da escuridão do tempo. Parava, apenas parava. Cumpria a sua alteridade, e vinha fiar conversa com o outro, acordado e encarregado de pastorar a cria para que crescesse e tivesse viço, como tem, no hoje dos dias. Contava coisa do arco da velha, lembrando o que passou, falava das albacoras, ainda hoje presentes em seus alfarrábios secretos, lembrava da enfermeira que morava de esquina da rua do Príncipe com a Afonso Pena, mulher quarentona, versada em questões da matéria; da matéria e da carne, dizia sempre. Não esquecia de Sérgio Jiboia, conhecido como Cacique Morubixaba, Primeiro e Único, nem de Bizado, vitorioso em votação para eleger o homem mais feio da Festa da Mocidade, sequer esquecia de Ruy, o da Pipa ou o da Hóstia. Ruy da Hóstia, porque quando fizera a Primeira Comunhão gostara tanto do pão ázimo, que pedira para repetir.

Tia minha, velha em idade e desajuizada já, andava por dentro de casa sem destino certo, feito um zumbi. Não dormia e tampouco tinha insônia, era sonâmbula na forma da lei. Podia fazer qualquer besteira naquela hora de seu vagar, sem saber das coisas. Arre, dizia pela manhã, quando alertada a esse propósito. Não acreditava no que se dizia e achava que estavam querendo pegar uma peça. Tomava conta do pão de cada dia, mas ficava indignada se alguém se atrevia a comer um daqueles antigos e saborosos exemplares bem cuidados da massa fermentada. Fui eu que lhe passei o trote por telefone, dizendo ser do Purgatório. E ela, na ingenuidade da hora: “Já liga do Purgatório?”. E eu, na minha sem-vergonhice: “Estamos em fase de experiência!”. Coitada, Deus me perdoe dessas coisas!