quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Mãos ao Alto

Era uma noite de sexta-feira ou uma noite de um sábado qualquer, quando ele bateu em minha casa pela primeira vez. Bateu e falou de uma forma inusitada: "Vizinho! Vizinho!". Levantei de onde estava e o atendi, ouvindo a inesperada pergunta: "Eu moro aonde?". Querendo fazer blague, sem notar, talvez, que ele estava bêbado, respondi: "Por que o amigo não compra o Guia Prático, Histórico e Sentimental do Recife, escrito por Gilberto Freyre?". Foi pior, pois o meu interlocutor de ocasião conhecia, pelo menos alguma coisa, do sociólogo de Apipucos e quase entra nos detalhes de Casa Grande & Senzala ou quase entra nas peculiaridades ecológicas e edáficas de Nordeste. Era meu vizinho, realmente, mudara-se naquele dia e não fixara bem a sua moradia. Bastou explicar como era seu apartamento, para lhe orientar a voltar para o convívio familiar.
Noutra ocasião, voltou a bater, noite alta já e o pedido foi ainda mais estranho: "Vizinho! Vizinho! Paga o meu táxi!". Ora, mais essa é boa, quase digo. Não disse! Fui lá fora e indaguei quanto lhe custara a corrida, de onde viera e para onde ia? Era pouco, não hesitei, honrei o compromisso do homem. No dia seguinte a esposa atenta trouxe o dinheiro em espécie e me pagou. A verdade é que residia nos limites de Santo Amaro das Salinas com a Boa Vista e, vez ou outra, enfrentava situações assim, em tudo incomuns. Já andei contando outros episódios, como aquele de um vigia, igualmente embriagado, que seqüestrara o meu cão e cobrara R$ 1,00 pelo resgate. Paguei para me livrar da cantilena, mas o penitente tinha uma cadela no cio e o diabo do cachorro voltou ao cativeiro. Diante da nova cobrança de resgate, com preço dobrado, disse-lhe as últimas e neguei o valor de uma bicada a mais na bodega da esquina.
De outra feita, o tio de um vendedor de cachorro-quente, conhecido por Boy, ligou para mim, no final de semana, também e achando que eu resolvia toda e qualquer bronca do mundo, apresentou-se e fez a solicitação pendente: "Boa noite senhor! É o tio do Boy!". Fiz de conta que tinha grande intimidade com o Boy e continuei a conversa: "Diga lá o que houve?". E ele explicou com riqueza de detalhes o seu intento: "É que morreu a avó do Boy, em Vitória de Santo Antão, e eu preciso de uma caminhonete para trazer o corpo!". "Ora, meu senhor, não sou agente funerário, não disponho desse tipo de veículo e de mais a mais, é proibido fazer esse transporte sem a devida autorização!". Mas, dei ao suplicante o telefone de um amigo de minhas filhas, Fofurinha, por apelido, cuja resposta fez o tio do Boy indignar-se: "Diga à avó do Boy que ressuscite, tome uma Dipirona e só morra na segunda-feira!". Foi um deus-nos-acuda!
Naquela rua acontecia o que o diabo duvida de costas em qualquer sexta-feira santa que se preze. Certa vez, abri a porta da garagem e vi uma quantidade enorme de fotografias jogadas fora, juntas, reunidas no pé de um grande oitizeiro. Apanhei os retratos, um por um, e fui observar de que se tratava ou de quem se tratava. Mostravam cenas de uma família em viagem pela Europa e a tirar pelos oferecimentos escritos no verso de cada um daqueles postais, traziam instantâneos e poses da mulher e dos filhos com o novo companheiro, um gringo, tudo oferecido ao marido largado, deixado no Brasil. Coisas assim: "Aqui numa viagem de trem. Eu e Richard! Você nunca me daria isso!". Ou assim: "Aqui, as crianças brincando com a neve, acompanhadas de Richard! Você nunca falou em neve!". E por ai vai! Ora, foi uma pândega, porque as meninas levaram a esquisita coleção de fotos para o colégio e passaram a identificar os colegas em cada um daqueles personagens. Uma verdadeira patuscada!
Numa manhã de segunda-feira, quando os estudantes passavam em direção aos respectivos colégios e os carros que faziam de minha porta o maior estacionamento público de veículos, um padre velho acabara de celebrar sua Missa matinal e voltava para casa. Foi assaltado e gritou. Eu estava à janela e vi, saquei de uma arma - houve tempo em que tinha um revólver - e fazendo como um cowboy, dei um tiro no solo do jardim e diante do susto ou da inesperada abordagem quase litúrgica, gritei palavras com nexo e outras, inteiramente, desconexas, sem que tivessem ligação alguma com o fato:"Ladrão safado! Mãos para o alto! Renda-se! Rogério, Sileno, Vadeco!". Chamei pelos parentes com os quais tinha mais proximidade. Não sei se buscava proteção ou se os convocava assim para pegar o gatuno. Valha-me Deus dos céus!
(*) - Esta é a primeira crônica do ano de 2009. Depois de um ano inteirinho escrevendo e obtendo do leitor a melhor acolhida. Tive perto de 17.500 visitas, o que me satisfez e o que me estimula a continuar nessa faina, a de escrever e a de publicar. Sou grato e desejo aos que acessam o Blog de todas as partes do mundo felicidade e paz. Hei de continuar por aqui, os que se interessarem comentem para pereira@elogica.com.br ou para pereira.gj@gmail.com Ou não comentem e não escrevam.