segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Lua em Sagitário

Tive a satisfação de ler o último livro de Paulo Caldas – A Lua em Sagitário –, uma novela que ultrapassa o simplesmente ficcional e vai ocupar lugar de bom destaque entre os textos sociológicos e antropológicos – mais antropológicos que sociológicos –, como sucede, aliás, com outros grandes autores. Um volume com uma narrativa tripartite, porque aborda a história de três diferentes famílias. Lições de vida no ambiente rural, que se alternam com abordagens de convívios e de convivências no inteiramente urbano. Urbano próprio dos meados do século XX e o urbano moderno, das moradias verticais e dos apartamentos com restrições de espaço e de circulação limitada. Pessoas engaioladas, verdadeiramente presas, umas sobre as outras. Rituais de encontros e desencontros. Insípidos sempre.
A questão da cana-de-açúcar salta aos olhos no velho engenho. O proprietário, rico e bem posto na vida, morador da cidade grande, que mantém uma relação de compadrio com alguns de seus empregados, mas como sempre à distância, pois rico não freqüenta casa de pobre, sequer para visitar o velório do compadre ou acompanhar o féretro. E o destino dos trabalhadores do eito parece se repetir a cada geração. Pais e filhos cortadores de cana e bebedores do produto final, a aguardente. Gente que se aposenta e transforma a existência num cotidiano ébrio. Um ou outro se socorre da migração para a capital e o faz na esperança, tantas vezes vã, de uma vida melhor. Sai e deixa o sítio, o plantio de subsistência e o criatório e vai se juntar ao patrão na condição de empregado urbano. Ressurge ai a figura do antigo “cachorro de quintal”.
É que o empregado da moradia – o “cachorro de quintal” – integrava à época uma sociedade marginal junto com as empregadas, responsabilizando-se pela jardinagem, pela limpeza dos terreiros e da garagem ou de todo e qualquer serviço pesado que a família demandasse. Vinha, pelo geral, como no livro de Paulo Caldas, das cidades interioranas, como as mulheres que assumiam a cozinha e a copa, a lavagem de roupas e o ofício de babás. Moradias com 5 a 6 serviçais assim, que residiam nos fundos mesmo, diferenciando-se, apenas, os quartos masculinos dos femininos. Casas com dois quintais até, como aquela de meu avô materno, na rua Montevidéu, 77, antes que a Agamenon Magalhães fosse construída sobre o mangue, de cuja lama brotavam caranguejos de andada, para a felicidade da meninada na casa dos sessenta agora.
Residências grandes que foram sendo substituídas por prédios enormes, preservando-se, muitas vezes, a construção original como salão de festas da burguesia. E o Recife está repleto desses ambientes. É um Recife novo, diferente, mais vertical que horizontal, de gente enjaulada, presa pela civilização. Um Recife inchado, empapado com a migração dos excluídos, banidos do canavial pela monotonia de um vegetal só, pela indiferença do latifúndio.

(*) Eis o econômico mesclado com o inteiramente sociológico ou com o antropológico refinado. Texto que ofereço ao escritor espanhol Hermenegildo e sua esposa recifense Malca. Ele tão interessado nas peculiaridades do Recife e de Pernambuco, como forma de terminar o romance que vem escrevendo com foco na cidade dos rios e das pontes. Comente no espaço do Blog mesmo ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com