quarta-feira, 28 de maio de 2008

Torre de Babel II – Uma Namorada Alemã

É interessante como a crônica anterior rendeu e rendeu muito, porque recebi vários e-mails, alguns dando conta de novos desencontros na comunicação e outros comentando o meu texto, expressando a satisfação que o autor tanto gosta e que a auto-estima tão bem recebe. A minha mulher, que é psicanalista, e que andou contando a história da cortina – do caaten japonês –, lembrou que uma colega dela, numa reunião da ciência de Freud, em Brasília, ouviu a história inteirinha, contada por uma profissional argentina e essa mesma amiga fez o relato diante de uma platéia diferenciada de psicólogos, ao que a minha esposa corrigiu: “Saibam que o episódio aconteceu comigo e Geraldo, em Tóquio, num quarto de hotel!”. E assim as coisas rodam no mundo, saem de um lugar e aportam noutro. Mas, podem chegar deturpadas e nisso reina o perigo! No desfigurar da comunicação.
Por essas e por outras, o meu dileto companheiro de Universidade, Prof. Francisco Gomes de Matos me enviou um poema em que fala da comunicação, da harmonia, do amor e da paz. Ele, um defensor ferrenho do contacto pessoal e institucional tomados como formas de se ter um convívio tranqüilo entre os homens, as organizações e os paises. E do que mandou, apresento uma parte: “LÍNGUAS: mais que sistemas de comunicar/LINGUAS mais que criações de categorizar/Saibamos cultivá-las para cooperar/Aprendamos a usá-las para harmonizar.”. Ou essa outra estrofe de mesma profundidade: “LÍNGUAS: mais que sistemas de palavras transformar/LÍNGUAS: mais que modelos de (hiper)textos organizar/Saibamos cultiva-las para o mundo transformar/Aprendamos a usa-las para a PAZ edificar.”.
E Nagib Jorge Neto, da literatura brasileira e da prosa tupiniquim, lembrou o esperanto e me fez rever as coisas do tio Cícero, espírita convicto, indignado com todos os homens de batina e um predicante, quando se discutia essa língua que nunca vingou. Se vingasse, tinha corrigido o desencontro da Torre de Babel. E eu nem sei se o tio sabia da filosofia do esperanto. Disso também cuidou o meu sogro, espírita, de igual forma, com todas as esperanças de que um idioma só trouxesse a comunicação e a paz entre as pessoas e os povos. E o meu ilustre colega de colégio, Luiz Lira, hoje mais dos oceanos que do apenas edáfico, porque engenheiro de pesca, gosta do mar e dos monstros, mandou um texto seu. Disse que era neófito na arte! Mas, não é, pois que bom músico, faz do computador um teclado em que digita notas do som das águas.
Nada, porém, mais engraçado que os e-mails de um amigo de minha caçula, cuja penitência – penitência? – foi namorar uma alemã. Escreveu-me e descreveu algumas situações. Numa dessas ela indaga: “Vonylson! Vamos a uma buarque?” E ele: “O que é buarque?” Ela complementa e o faz rir às bandeiras despregadas: “Aquele lugar que tem música eletrônica e se pode dançar!”. Era a uma boite. Não sei se foi ou se não foi. Pior a do amigo, que em comunicação com a moça, quis expressar em inglês que ele havia “amarelado” e por isso não saíram juntos. Disse: ele chickened out. Pelo que o nosso figurante recebeu a seguinte mensagem (respeitada a grafia): “Vonylson, seu FRANGO, voce nao quis sair com miguel na ultima noite??”. Inconformado responde (respeitada a grafia): “ minha linda, vc me chamou de frango? hahaha sabia q frango aqui no brasil é o mesmo que homossexual??”
E para fechar, com chave de ouro, manda dizer (respeitada a grafia) “Mix, NAO FIQUE FRANGO MESMO! NAO SABIA E ACHO QUE NINGUEM VAI SE IMPORTAR COM ISSO SE TU FALA QUE ERA SUA NAMORADA ESTRANGEIRA BURRINHA QUEM ESCREVEU.”.

E assim, neste mundo de Deus, as pessoas conversam, namoram e até casam. Amam-se, sobretudo, mas odeiam-se também e com isso dizem desaforos e agressões verbais. Interpretam mal as mensagens e rotulam os figurantes desse mundo tão conturbado já.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Torre de Babel

Eu sou do tempo em que o francês era o idioma tido como a segunda língua e o meu pai falava muitíssimo bem, a ponto de em visita à Paris, andando, pra lá e pra cá, nas galerias do Louvre, ser confundido com um natural da cidade luz. Fez o que pôde e o que não pôde para me ensinar – chegou a comprar o Berlitz –, mas, como santo de casa não faz milagres, eu nunca aprendi a língua que permitiu a Victor Hugo criar Les misérables, uma das mais importantes obras da literatura. A minha mãe não, era bamba no português e tinha – ainda tem – uma letra linda, bem cuidada e bem desenhada. Esteve também na França e a moça que servia de guia a meu pai, dirigia-se a ela em castelhano. E ela repetiu por anos a indagação: “Quem disse àquela senhora que eu falo espanhol?”. Não falava, mas suportava, como suportou tantas agruras.
Depois, com a influência dos Estados Unidos, o inglês assumiu a liderança no mundo. Os textos, dos documentos internacionais ou mesmo da literatura especializada, científica, passaram a ter na língua a primazia. Eu fui, então, encaminhado para um curso considerado muito bom e de conceito reconhecido no Recife, no Edifício Iran, na avenida Conde da Boa Vista. Em seguida para a Cultura Brasil-Estados Unidos, onde, penso eu, estudaram os recifenses todos ou quase todos e aqueles que de outras plagas vieram e passaram a morar por aqui. Finalmente, o Yásigi, tido e havido como avançado e de metodologia apropriada ao aprendizado do neófito. Numa certa noite, diante de minha luta contra a dicção, para pronunciar o artigo the, ouço a pergunta grosseira do professor: “Você tem a língua pegada?”. E o pior: eu tenho! Nunca mais fui lá! Com esse inglês me virei e me viro là fora!
O episódio de hoje, todavia, passou-se no Japão, a terra do sol nascente, onde tenho bons amigos, sobretudo gente do porte de Harumi Royama e Seiki Tateno, figuras que residiram neste burgo por alguns anos, enquanto dirigiam um intercâmbio da Universidade com a agência de fomento Jica. E é de Harumi o texto que segue adiante, de uma correspondência eletrônica: “Acredito que as pessoas são feitas para se comunicar. A comunicação é algo lindo, interessante, dinâmico, mas também complicado. Mesmo entre as pessoas que falam o mesmo idioma, às vezes comunicação é algo difícil. Ainda mais quando não se fala o mesmo idioma. Só que ao mesmo tempo quando não entendemos muito bem a língua do outro, descobrimos que não é só através das palavras que nós nos comunicamos. Quando realmente estamos juntos e queremos entender o outro, o coração fala.”.
E na minha estadia em Tóquio – passei 28 dias por lá – eu me comuniquei de todas as formas, senão com o coração, mas como podia e me permitiam os japoneses. Talvez tenha sido a experiência que mais me marcou a vida. Foi ótimo! Mas, isso é outra coisa. Eis que estando em meu quarto, numa manhã de sábado, combinava com minha mulher o nosso destino, se um passeio ao comércio ou se uma visita aos templos budistas, de súbito entra um funcionário do hotel, fardado a caráter, de uniforme e quepe, tudo em azul. Vira-se para mim e faz uma indagação em sua língua de origem. No meio repetia, quase seguidamente, a palavra caaten. Perguntei se falava inglês ou se sabia português, espanhol? Com a cabeça respondia que não. E eu, sem entender absolutamente nada do que ele dizia, resolvi falar em português bem cuidado:

- Meu senhor! Acho lindo o seu caaten! Confesso que a palavra, realmente, me emociona, mas não sei de que se trata e por isso, nada posso fazer. Explique de forma a me fazer entender, que lhe responderei! O que danado é caaten?


Ele insistia com o desejo e apontava para a janela. Entendi que poderia ter medo que eu me suicidasse – a janela só abria até a metade –, decidindo pelo fechamento da fresta. Não resolveu. Continuou a insistir e finalmente foi buscar o tão falado e decantado caaten: era uma cortina. Ele queria mudar as cortinas de meu quarto. Valha-me Deus, quase digo, estamos diante da Torre de Babel, que tanto encantou Ciro, O Grande, na invasão da Babilônia. Fizeram uma construção de 90 metros de altura e achavam que poderiam chegar aos céus e com isso encontrar o Criador. Tiveram como castigo um verdadeiro embaralhar das línguas e hoje no mundo há centenas delas, dificultando a comunicação, mesmo sem impedir, como disse Harumi.

A crônica de hoje, mais uma das "Histórias Pitorescas de um Reitor", é oferecida a Harumi Royama e a Seiki Tateno, dois amigos fraternais que estão do outro lado do globo, no Japão, mas atentos, sempre, a tudo que se passa no Brasil. Se desejar comentar, comente, nesta página mesmo ou pelo e-mail que lhe chegou a informação ou ainda pelo e-mail pereira@elogica.com.br Ou não comente, não diga nada, não fale e se cale. Ou ainda, fique com raiva. Mas, tenha um final de semana tão pródigo quanto será o meu.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A Festa das Mães

Feliz da criatura que pode, como eu ainda posso, todos os dias, com o raiar do sol, ouvir a voz materna, mesmo que por telefone. Saber da noite e do sono, dos sonhos e dos planos para o dia que vai chegando. E feliz de quem se faz continuar na prole, nos filhos e nos netos, nos bisnetos também, de quem acompanha, passo por passo, o crescimento desses rebentos, do nascimento à maturidade, assistindo os ganhos e repartindo as perdas. Mãe é como um imenso e imaginário pássaro de asas enormes, capaz de acolher a ninhada inteira, nas horas difíceis e nos momentos em que a insegurança toma de assalto a alma. As mães de agora são avós muito cedo, bisavós também: a existência prolongou-se. Não precisam pratear os cabelos e contar os anos, como dantes, são jovens e bem cuidadas, magrinhas e agitadas, andarilhas dos shoppings e, de quando em vez, fazem as malas, para uma viagem qualquer.
Muitas estiveram nos restaurantes da moda, rodeadas pela família, a receberem presentes e abraços, beijos e sorrisos. Infelizmente, dessa vez, não pude reunir a todos ou a todas. Mas, valeu o almoço bem cuidado e a culinária rigorosa de Júlio Crucho, no restaurante Imperador Pedro II. Das três, restou por aqui uma filha, com a qual almoçamos e com a qual brindamos o dia reservado às mães, depois que ela adornou a manhã com antúlios rúbios. Três dessas flores, cada qual representando uma filha. E da Espanha ligou a mais velha, falando das diferenças do fuso horário e dizendo da diversidade das datas: uma lá e outra cá. De Fortaleza, também, a filha segunda na contabilidade da prole cumprimentou a mãe e nada disse sobre a surpresa que já esperava no ventre.
Outras tantas, porém, não tiveram a oportunidade do reencontro. Filhos que se foram, encantados no infinito das coisas, transferidos para a dimensão do eterno, não voltaram. Rios de lágrimas marcaram o pranto das distâncias, dos desejos e das vontades impossíveis, de resgates que não virão e dos retornos postergados. Milhares de faces estavam carentes do ósculo filial e faltaram os amplexos do dia. O domingo restou incompleto, por mais que se quisesse preencher os minutos e as horas! O vazio dessas ausências, é o vácuo a sugar as derradeiras energias do espírito, foi o nada do nada da mais íntima das feridas, a insuperável, insuportável e irreparável dor da perda. Lembranças e saudades, recordações, enfim, dos detalhes, dos atos e dos fatos, alguns, de tão discretos, pouco valorizados ao tempo. Isabella, também, não voltou!
Nas pousadas da terceira idade, abrigos dos que se isolam por vontade alheia, a cada visitante que chegava uma esperança a mais no coração das mães. Algumas contaram com a companhia dos filhos, em casa, por uns instantes, que fosse ou na confraternização do almoço. Nas conversas da noite, entretanto, as que não foram contempladas novamente inventaram desculpas ou reinventaram explicações para as faltas do dia e a solidão exacerbada no domingo de festa. Esquecidas, juntaram-se à legião daqueles que ajudaram a construir o mundo e a sua gente, mas foram vítimas de uma injusta memória, capaz de apagar o passado, um pretérito de doações, de noites e mais noites vividas em claro, ao pé do leito, tantas vezes, na doença que maltrata. Dias inteiros de devoção no exercitar do criar, para forjar o cidadão, correndo pra lá e pra cá, um banho de sol ali e um passeio acolá, a escola pela manhã e um sem número de atividades à tarde. Tudo relegado!
No meio das alegrias, dos risos e das gargalhadas, das lembranças contadas em nostálgicas conversas, certas mães não puderam dividir, completamente, o dia, a hora do regozijo. A memória já não ajuda, exatamente, fogem os fatos e desaparecem as imagens, há um vazio diferente na cabeça idosa e branca, alva como a neve que cobre no friorento inverno as pradarias gélidas. Repetidas indagações mostram que a desorientação fez mudar a personalidade, dantes tão segura de si e tão firme. Não há mais a decisão dos tempos pretéritos e sequer podem as mães assim se desincumbirem de alguns procedimentos tão simples no passado. O banho é um desses, assistido por gente estranha, atenta à postura e a cada um dos movimentos, violando, tantas vezes, o pudor por anos e anos cultivado. E ao filho à distância cabe, quase sempre, pedir paciência para essa presença incômoda e desconfortável da cuidadora, uma profissional nova no cotidiano moderno.
Antes que a crônica estivesse pronta, afinal, terminada e concluída, durante uma reunião importante, o telefone toca macio, diferente do que faz habitualmente. Atendo aos sussurros e ouço a voz de uma nova mamãe: “Pai! A tão desejada gravidez chegou!”. É a filha segunda, Patrícia de prenome, que mora no Ceará, e que me traz a notícia mais importante do ano: serei avô! Quase não posso falar, os olhos estão marejados e a voz fraqueja, cumprimento e felicito, deixo para depois as palavras do coração. Em casa, então, ligo o telefone e digo-lhe o definitivo: “De agora por diante, você há de compreender o significado da palavra mamãe. O profundo sentido dessa forma carinhosa de expressão e de ser gente!”. A sua vida vai mudar, você assegura assim a continuidade de seu próprio ser. Eis a completude da criatura! Deus a abençoe!
(*)Um texto escrito no ontem dos dias e complementado agora, no hoje das coisas. Texto que ofereço a Patrícia, minha filha, a mais nova mamãe. Ofereço à felicidade que ela está irradiando ao telefone, pela parição próxima de um rebento. Deus a abençoe!

sábado, 3 de maio de 2008

Ainda o Pitoresco nas Histórias de um Reitor

Para o Gabinete do Reitor, vejo agora, convergiam todas ou quase todas as ingresias do Campus e havia, também, o que seria em patologia as chamadas barafundas autóctones, isto é, aquelas nascidas no seio do próprio lugar, em tudo muito apropriado para esses desalentos do espírito. O clima era de aparente tranqüilidade, havia – ainda há – uma sala de espera, verdadeiro hall de entrada, no qual estavam bem acomodadas as secretárias e onde se podia atender os que chegavam e sobretudo responder às ligações. Os telefones não paravam, era uma loucura e as meninas davam conta de tudo com uma invejável competência. Recebiam as pessoas ao vivo, falavam na invenção de Grahn Bell e respondiam e-mails, transmitiam fax e recolhiam esses fotográficos papéis. Ainda por cima, precisavam estar a postos para os chefes todos. Mais chefes que índios, naquela aldeia nem sempre de paz.
E aquele dia não fora de tranqüilidade. Uma das funcionárias da frente entrou em minha sala e disse: “Tem um tarado ai! Está olhando as mulheres quando vão ao banheiro! O senhor precisa resolver isso!”. Mas, como? Por que eu? Foram as indagações iniciais. Afinal, eu não era da polícia, não era psiquiatra e não tinha a menor experiência com tarados. Ou tinha?! Será que tomaram conhecimento de certas e determinadas incursões quase pueris de minha parte? Aquelas idas à Festa da Mocidade, para assistir aos ensaios das peças de Walter Pinto, quando nas laterais do teatro via – ao vivo e a cores – uma mulherada linda, vestida em biquínis que hoje seriam elogiados pela mídia conservadora, cantando: “E o boi!/Pra onde é que ele foi/E o boi!...”?. Ou será que souberam de um companheiro dessas tardes distantes, queixoso com um colega seu, tarado também, que se aproximara, exageradamente, de sua irmã? E me perguntava se era castigo dos céus? Não sei! Foi a resposta que dei!

O tarado, na realidade, como pude apurar depois, seguia a penitente precisada dessa utilização sanitária e pinotava na meia-parede do banheiro masculino, deslumbrando-se com o quase nada que via. Melhor tinha sido a visão daquele menino, que na pensão da rua Barão de São Borja olhara Dona Matilde tomando banho. Ela ficou enlouquecida de tanta satisfação. É que sendo uma solteirona convicta, com mais de cinqüenta e menos de sessenta, ainda sustentava a esperança de casar. Coitada! Nunca usou véu, nem grinalda! Éramos estudantes de medicina e no posto de saúde dávamos expediente à noite, no Serviço de Domésticas e ela nos servia de atendente. Chegou exultante e reuniu a estudantada para noticiar o grande feito. Disse a mim: “Dr Geraldo! Eu vi! Ele me olhou pela fresta da madeira e eu enxerguei a réstia dele por baixo da porta.” De nada adiantou a felicidade, efêmera como foi e sempre parece ser! Continuou no caritó!

Melhor ainda, posso assegurar de camarote, aconteceu comigo, no tempo das grandes valsas. Quando Maria Baixinha tomava banho, nunca descuidei em olhar pelo buraco da fechadura. Enchiam aquele orifício minúsculo com papel higiênico, atochando-o com uma massa de matéria fibrosa, como está no Aurélio, para impedir a visão, às vezes incauta, de um voyer de ocasião. Nada que um clip aberto não resolvesse. E eu cheguei a parodiar Bandeira – que atrevimento! – versejando assim: “Maria Baixinha era tão pequenininha que cabia todinha/Nuinha/Nuinha/No buraco da fechadura do banheiro.” Ela era, mesmo, toda pequenina, mas toda bonitinha, bem divididazinha e bem feitinha. Uma gracinha! Na sexta-feira, porém, depois daquela higiene corporal habitual, seguia-se a confissão auricular ao cura da paróquia e o homem, na sua perplexidade eclesiástica, repetia: “Outra vez! Seu caso não tem solução!” Acho que não era bem assim!

Mas, chamei o tarado, iniciante talvez, na arte de ser voyer e de descortinar a boniteza da mulher na solidão do ato. Melhor quando no isolamento de um banho, com o sabonete escorregando, caindo feito muçu. Por mais que se abaixe e consiga pegar no apetrecho de limpeza, mais encrencado fica. Foi por isso mesmo, que o poeta Gilvam Chaves cantou a beleza feminina numa cena inusitada: a do enfarte do espelho. A mulher era tão bonita, mas tão bonita, que o espelho não suportou e se espatifou com a incrível surpresa do corpo desnudo sob o chuveiro. Falei sério com ele e verbalizei: “Há um tarado por aqui! Vem olhando as meninas no banheiro!” E ele prontamente: “Eu não sou! Mas, estou disposto a lhe ajudar a encontrar!”. O homem tinha uma pabulagem inteligente. Veja, continuei, eu confio, firmemente, no senhor, mas é melhor que desapareça, porque estão pensando que seja o pervertido e vão lhe prender. Daqui que possa explicar, muita água já passou. E a criatura nunca mais apareceu!

E uma de minhas tias, certa vez, com os rigorosos pudores de uma quase nonagenária, sem saber dessas desgraceiras todas da vida, reclamou de um quadro em minha sala, uma tela de um pintor famoso em Pernambuco: Ploeg. E eu: "Pior, minha tia, se olhar a pintura por trás!" E ela: "Não precisa se dar ao trabalho!". Claro que a inspiração do artista só comportava uma face.

(*) - Texto escrito como forma de lembrar o pitoresco ou o gracioso no dia-a-dia pesado, nos meus tempos de Vice-Reitor. Crônica que gostaria de oferecer a algumas pessoas, como cheguei a ensaiar, mas por escrúpulo, apenas, deixo de fazer. Todos e todas que compartilharam comigo os anos de convívio, no Gabinete e no Gouveia de Barros, sintam-se homenageados ou homenageadas.