sexta-feira, 1 de junho de 2007

A Casa das Caiporas

A Comadre Fulozinha é a alma de um índio que vaga pelas matas, explicou Zezinho, lá de Chã de Cruz, depois de Aldeia. Recostado numa coluna do alpendre de minha casa, o homem dissertou, longamente, sobre essa lenda das florestas. Nunca chegou a ver a figura, mas tem histórias do arco da velha pra contar, desde aquelas de seu avô, que sendo bom caçador, nunca esqueceu de agradar o fantasma com mingau misturado a fumo pisado, sem sal e sem pimenta, porque desses ingredientes não gosta e até se irrita com quem se engana e tempera o alimento. Foi o avô, ainda, quem certa vez se perdeu num bosque, passando a noite ao relento e só encontrando o caminho de volta de manhã cedo, ao despertar de um sono inquieto, sem sonhos e sem devaneios. Mas, a trilha com que se habituara estava em sua frente, escondida pela menina de face meiga.

Nunca viu, mas ouviu dezenas de vezes o seu assobio forte, como aconteceu com o seu irmão numa tarde qualquer, depois do almoço, quando já estava pitando um cigarro no terreiro. Escutou um silvo, de tal maneira próximo aos ouvidos, que perdeu a audição no momento e com medo saiu às carreiras. Pior com uma senhora a quem conhecera, de longos cabelos pretos, que se alevantou com umas tranças tão bem feitas que ninguém conseguiu desfazer e ao marido coube cortar o piloso manto com uma faca de cozinha. O Zezinho perdeu as contas da quantidade de cavalos que encontrou com a crina entrançada, que só a tesoura resolvia o emaranhado. Trabalhava numa baia e por isso tinha essa oportunidade, a de detectar manifestações da fantasmagórica figura. Vez ou outra, porém, a Comadre o chamava no terraço e ele a procurava, sem que encontrasse: “Zezinho! Zezinho!”

A menina baixinha, de cabelos chegando à cintura, protege alguns bichos dentro da mata e àqueles aos quais dedica o seu afeto o caçador não pega, por mais que queira e deseje. Pode passar dias e mais dias pastorando o animal e jeito de abater não existe, senão pra contar com a raiva da Comadre Fulozinha. Melhor conviver em paz com a lendária mocinha e não incomodá-la com matreirices humanas. Ela sabe de todos o nome, conhece os hábitos e os costumes, fazendo brincadeiras quando quer e entende. Numa ocasião, um parceiro do contador de histórias – Zezinho por apelido e Zé Pedro de nome próprio -, tomava um deforete em frente de casa, encostado num tronco de árvore e se virando não viu mais a moradia. Era evangélico e por isso não se apavorou, invocou os céus e novamente se virou, notando que na verdade estava recostado numa coluna do alpendre.

O homem acredita, piamente, na Comadre, por tudo que já testemunhou e pelas conversas que teve a propósito, com gente que foi vítima ou que assistiu a outras pessoas assim vitimadas. De mais a mais, lá por Aldeia, vez ou outra, ouve o assobio entre as árvores e não se assusta mais, tem a certeza de que pode conviver assim, respeitando a moça. Uma coisa considera como certa, a de que um silvo forte significa que Fulozinha está à distância e quanto mais baixo for, mais perto estará. Dizem que tem raiva dos cabelos compridos e das crinas bem cuidadas, daí a trança que faz, para obrigar o corte e impedir a semelhança consigo mesma. Cavalos presos em cercados fechados podem amanhecer soltos, liberados no pasto, sem que se saiba quem os libertou. É capaz de se enfurecer e dar uma surra no penitente até o desmaio e nisso não se meta um afoito qualquer.

Essas lendas do Nordeste, estudadas pelo nosso folclorista Maior – Mário Souto Maior -, são deliciosas, realmente. Disso falava, também, Ascenso Ferreira: "Ali mora o pai da mata/Ali é a casa das caiporas...." Se o Caipora conhece a Comadre ninguém sabe, ninguém viu! A verdade é que protege a flora e a fauna, é rei de todos os animais e costuma punir o lenhador que agride a natureza sem necessidade ou caçador que mata por prazer. Tem os pés virados pra trás e com isso engana a todos, deixando os rastros trocados. Assobia e fecha as florestas! Dá azar aos incautos que esquecem de lhe presentear com prendas especiais: esteiras, cobertores e redes. Quem sabe, são parceiros da mata?

E foi uma lição a mais! É vivendo e aprendendo, diz o povo na sabedoria que tem!
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