terça-feira, 6 de maio de 2014

Água do pote

Ruim mesmo foi a volta, porque saímos de São Paulo e fomos bater com os costados em Brasília. Esperamos umas horas e finalmente perto das 3 da tarde nos acomodamos no vôo que se destinava a Recife. Fiz muitas vezes esse percurso aéreo, quando estava na administração da Universidade. Lembro de uma passagem em que o atencioso senhor que nos recebia comentava sobre a mulher, dizendo com insistência tratar-se de uma figura linda, desejada por muitos. Por isso, antes que ela chegasse, se dava ao luxo de admirar as que passavam e não tinham a graça da sua. Imagine o leitor, que a criatura era de uma feiúra a toda prova e absolutamente ninguém olhou para as suas formas, exauridas já.

Mas, fomos todos os integrantes da família Gama-Pereira a São Paulo, para assistirmos o aniversário de Pablo, neto por derradeiro desse escriba que aqui ensaia essas palavras e essas sentenças. Foi uma beleza, porque reunimos a família da melhor forma, em todas as circunstâncias do passeio. No primeiro dia, nos reunimos na picanha da esquina e ali, saboreamos a melhor carne da pauliceia desvairada. O diabo era a poluição, que nos fazia aspirar CO em quantidade. Mas, em nome de todas e de todos, estávamos nós ali, os pais, a postos. Foi bonito o restaurante no qual nos servimos com as mais deliciosas massas da cidade. Numa ruazinha bucólica passeamos sob o frio paulista e apreciamos a elegância das mulheres urbanas. Mulheres finíssimas, sentadas, quase imóveis, conversando quase sem falar, balbuciando palavras.
Fiquei muito admirado quando fui ao Shopping JK-Morumbi, gente do mais alto poder aquisitivo, guarnecida por seguranças uniformizados, de paletó e gravata, às vezes mais um por loja. Sentamos, depois, num restaurante árabe e nos refestelamos da melhor culinária dessas distâncias islâmicas. Brincaram comigo os circunstantes pelo pedido que fiz: espetinho. Só que do meu prato todos experimentaram! E em outro Shopping a minha netinha Júlia abriu o falatório e quase chama pelo nome avô e avó. Que beleza, pequeninha, acima e abaixo, andando e gritando pelo pai, num ritmo que só ela sabe fazer: PAPAI. E aprendeu a chamar pelo primo Pablo, verbalizando: Pabo.
Nada foi mais bonito que a exposição vista no MASP, intitulada Detalhes. As mulheres de Renoir se enxugando; uma enxugando o braço e outra a perna, deu o que falar.  Lembrei de Maria de Camocim, mulher bonita e bem feita, de pernas roliças e braços grossos, que se perdeu ou se achou numa viagem a Caruaru, num amor desadorado com o primo Francisco. Muitos anos depois, passando numa rua que dá acesso ao Mercado de São José, ouvi o grito do primeiro andar: “Geraldo!”. E eu, na perplexidade da hora, indaguei dela o que fazia ali. Morava ali, na companhia de um estivador, que lhe assumira a vida e a barriga. Queria que eu subisse. Não dava mais! Eu estava casado, pai de filhas e ela com um rebento no bucho.
A viagem de avião agora é muito diferente daquelas de outrora, quando se servia do bom e do melhor. O que vi foram sanduiches frios vendidos pelos olhos da cara e refrigerantes fajutos servidos em troca do metal, que é vil. Para desmoralizar a febre do comércio nos ares, pedi água do pote. E o comissário não sabia bem de que se tratava.
 
(*) O leitor que desejar, comente neste espaço mesmo ou pelo e-mail pereira.gj@gmail.com