sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Saudades Gostosas

Confesso que muitas vezes me surpreendo assim, absorto, olhando o infinito das coisas ou vendo o nada do mundo, mas enxergando os meus interiores, em cujas intimidades estão os meus sentimentos, aqueles do hoje e todos os demais, os do ontem do tempo. Assim foi neste dia que se esvai agora! É como se uma saudade gostosa me tomasse por inteiro, mesmo vivendo as agruras do labor, de ofício no qual preciso estar com os humores em alta. Sento-me, então, na grande sala, onde devo conduzir os trabalhos e ouço do quarteto de violões acordes que me encantam, verdadeiramente. Esqueço por minutos, apenas, as obrigações do mister, as palavras a serem pronunciadas e as correlações necessárias. Quando fui levado à presidência ou quando fui elevado à honraria do lugar, não hesitei em falar da música e da romântica sonoridade. A harmonia dessas cordas estimulam os amores, afastam as dores e tangem os dissabores! Afogam as mágoas na placidez azul das águas! Disse, a título introdutório! Depois, fiz o discurso de ocasião, como cabia!

Saí dali e corri a outro auditório! Pareço viver dessa forma, cumprindo um périplo diferente, de assistência em assistência, sem que tenha muito jeito com a arrumação dos vocábulos e os retóricos arranjos de frases e de períodos. Reconheço, todavia, que vou aprendendo, mais e mais, na expressão de cada um, sobretudo na sinceridade das saudades gostosas, nunca sofridas. Sentidas, somente! E foi o que vi, depois! Uma turma de médicos a comtemplarem três décadas da formatura, ouve atenta a oração de um deles, o Dr. Edson Haten, dileto amigo. E as lembranças se sucedem, entre arroubos da oratória bem cuidada e o embargo da voz. Não resisto e falo, também, daqueles velhos corredores, dos cantos e dos recantos, de alamedas que cortavam e ainda cortam os jardins, circulando os lagos, nos quais, em bancos de pedra, muitos amores nasceram, mesmo que tenham fenecido, tantos! E se os amores fenecem, parindo as dores, por certo renascem assim, em dias nos quais afloram saudades gostosas! Antigos amantes trocam olhares ou trocam afetos, efêmeros ósculos, revigorando paixões! Nunca se tocam, todavia, em respeito ao altar dos pretéritos! Foi o que vi!

E se há quem duvide das saudades gostosas, das que chegam trazendo a paz do espírito e o enlevo d'alma, experimente distâncias e creia, firmemente, no resgate das proximidades perdidas. Os que viajam pra longe, no espaço ou no tempo, sabem disso! Os que tomam o enorme pássaro de aço e ganham os céus, aterrissando em terras do outro lado deste globo transformado em aldeia, afastam-se de tudo e de todos, vivem e revivem na fertilidade do imaginário cenas do antes e resgatam os atores de todos os dias. Mas, sabem que vencidas as horas hão de voltar! Outros se deixam levar pelos devaneios que rompem as barreiras do passado, retornam à juventude dos anos e a fantasia os faz viajar, também, nas asas dos sonhos, alguns oníricos e outros na vigília das madrugadas insones, sobretudo em sábados silentes ou em domingos dormentes, entorpecidos pelas recordações. Ninguém se iluda com o poder da criação, que faz do padecer desses outroras, momentos que são minutos, às vezes, de uma plenitude efêmera, quase, mas suficientemente capazes de reacenderem vivências e convivências!

Dessas saudades todas, gostosas, sempre, de uma não esqueço! Daquela de que me falou, certa vez, por telefone, na voz suave e carinhosa de uma pessoa simples, humilde, Zefinha por apelido, que me servia o café quando exerci cargo de direção: "Doutor! Ainda não inventaram uma fita métrica que possa medir a saudade que tenho do senhor!". Marejei os olhos e embacei a visão das coisas, senti o coração palpitar amores e afetos, aprendendo a lição maior, a de que o amor existe e persiste nas ausências e nas faltas! Mas, ao que parece, não há medidas para as saudades, desde que sejam gostosas, que tragam os enlevos, que permitam à paz invadir os domínios do coração, afastando ansiedades e afugentando angústias, embalando desejos e ninando vontades!

(*) Texto escrito nos anos 90, logo depois de ter assumido um cargo na administração da UFPE, quando estive muito envolvido com solenidades e com despedidas. Na ocasião falou o Dr. Edson Haten, meu dileto amigo, hoje encantado no infinito das coisas, a quem dedico a crônica e o espaço de hoje.
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