sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Adeus, minha mãe.

Foi assim: pelas 10h00min me chamaram. Era uma irmã, a mais nova, Fátima de prenome. Que viesse e viesse logo, porque a nossa mãe estava se ultimando. Tomei o carro e fiz o caminho do hábito, mas fui vendo um filme o percurso todinho. Vi os meus anos de menino, os meus tempos de começo, tudo reproduzido em minha memória. Vi o esforço que ela fazia em torno dos meus estudos; esforço para pagar as mensalidades e esforço para me incluir nos complementos da formação regular. O inglês, por exemplo, que ela fez tudo para que aprendesse e que me fez muito bem quando viajei ao Japão e pude me comunicar, senão com desenvoltura, mas pelo menos sair do mutismo.
Vi, com a nitidez que os anos permitiram, as vezes em que saia correndo dela, depois de um malfeito, e subia numa árvore, no mamoeiro do fundo do quintal ou na pinheira do começo desse terreiro de tantas lembranças. E ela – coitada! –, com o intuito de evitar uma queda, o que seria desastroso, implorava que voltasse, que descesse e não me colocaria de castigo. E eu voltava, descia. Mas, quando ia de castigo, sentado numa cadeira da sala, aquilo não durava muito, ela não tinha coragem de me ver assim, sentado imóvel e mudo. Logo, logo, me liberava! Compreendeu as minhas lágrimas, vertidas quando rompia um amor. Lágrimas e mais lágrimas, rios das minhas perdas, entendidas por ela, mesmo sabendo que substituíria a moça por outra. Eu era um chorão de plantão!
Como estava bonita, em seu vestido azul turquesa, no dia dos 25 anos de casada. A família reunida, incluindo o meu pai, posou para a foto, depois da cerimônia religiosa e antes dos refrigerantes e dos acepipes da hora. E as suas preocupações, até poucos anos atrás, com um espirro ou um quadro febril. Nunca deixou de perguntar: "Como está?". Ligava para mim, sistematicamente, a cada manhã, às 06h30min precisamente e indagava: “Alguma novidade?”. Não, minha mãe! E você? “Sem novidades, meu filho?” Foi com essa expressão – sem novidades? – que a saudei sempre que a via nessa via-crúcis de seu padecer. Não respondia, mas inclinava o olhar, como que significando o entendimento.
O tempo passou célere, envelhecemos juntos, ela se foi com 94 anos bem vividos e eu já estou chegando aos 70, foi uma estrada longa, cheia de muitos percalços, mas ela sem reclamar e sem se queixar soube levar o timão. Horas de dificuldades, de impasses que ameaçavam a integridade da família e ela sustentando o leme e dando sentido à vida. Momentos de alegria, a dos aniversários das netas, a lembrancinha, o dinheirinho posto no envelope, capaz de arrancar um riso matreiro das meninas. Os almoços que vão muito longe já, tangidos na esteira dos dias, que reuniam a todos. A galinha bem urdida de Cícera ou a carne de Odete. O vinho sorvido por ela, certa vez, numa exceção completa a seus paladares e o riso frouxo do depois. Parece que vejo agora. Não tem nada não, minha mãe, há uma geração chegando que dará continuidade a tudo.
Ela se foi, mas a memória dela não se apagará nunca de minhas lembranças. Permito-me que a lágrima solitária do adeus possa rolar em minha face.
 
Adeus, minha mãe!
 
 
(*) - Crônica de minhas despedidas, depois que minha mãe se foi, encantou-se da dimensão do eterno. Saudades, muitas saudades! Vontade de revê-la, mesmo que em sonho.
   

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Ainda o Colégio


O Colégio contratou um novo professor de geografia, um militar, rígido com as determinações e com as rotinas da escola. Havia recomendado que consultássemos o atlas que tinha indicado no inicio do ano e eu, na minha irreverência, não costumava levar esse material. Sentava-me com um colega e como era querido por todos, tinha boa aceitação em qualquer lugar. Mas, o mestre não perdoou e indagou:

- O seu Atlas?

Abri no choro e aos soluços expliquei:

- O meu pai é pobre e não pode comprar dois livros desses, razão para que me sente com o meu irmão gêmeo.
- Oh! Meu filho! Você pode sentar com seu irmão sem problemas. Não vamos criar caso por causa disso. Diga a seu pai que basta dispor de um volume e nada mais.
Eu não disse nada a meu pai, claro, primeiro porque eu tinha um atlas e segundo porque o colega não era meu irmão. Só não fazia levar para o Colégio o livro de mapas, por pura preguiça.   

Foi esse mesmo professor que me mandou pra fora da sala. Eu fui e troquei a camisa na quadra de basquete, vesti uma peça de um atleta que estava em campo jogando. Voltei pra sala de aula! Ao que fui advertido de que não poderia entrar. E, de forma muito sem vergonha, disse: “Está falando comigo? O senhor está me confundindo com o meu irmão gêmeo, que saiu daqui há pouco.”. E o homem engoliu!
Pior mesmo foi quando eu inventei o aniversário do homem! Foi assim:
- Meu caso mestre, em nome dos meus colegas todos desejo lhe felicitar pela passagem de seu aniversário!
E ele:
- Hoje não é meu aniversário! Não tem nada a ver. Está longe.

- Engana-se o mestre porque segue o Calendário Gregoriano. Aqui seguimos o Calendário Lunar, pelo que temos hoje – justamente hoje – o seu aniversário.
Ai cantamos o “Parabéns pra você”, aplaudimos o mestre demoradamente e com isso adiamos uma prova antes marcada. Foi um acontecimento.
Mas, o nosso professor de geografia aplicou uma prova inusitada, pois que deu um problema matemático num certo quesito, pedindo que fosse calculada a latitude. Novamente entrei em ação.
- Mestre ilustre, não costumamos resolver questões matemáticas na matéria que leciona: geografia. Utilizamos os cálculos em matemática e no máximo em física, mas em geografia, de forma alguma.
E o mestre accedeu. Retirou o quesito e se demitiu. Ninguém sabe exatamente as razões, mas a verdade é que não veio na próxima aula.


(*) Desejando o leitor comentar a crônica incuída no espaço do Blog, por favor não hesite. O faça aqui mesmo ou para o e-mail pereira.gj@gmail.com
 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Peripécias no Colégio


Recebi um e-mail de colega com quem convivi nos anos noventa. Elogiava o Blog, o qual, como me pareceu, ainda não conhecia. Gostara das crônicas que lera e me sugeria escrever sobre experiência que sabia dos meus anos de menino; anos de muitas traquinagens, ainda hoje inscritas nos Anais dos meus colegas de bancos escolares. Respondi, como cabe fazer, antes de me dispor a cumprir o que pede a minha ilustre missivista, remetente dessa forma eletrônica e moderna de comunicação. Vou, então, narrar por aqui algumas de minhas peripécias no Colégio Nóbrega, de tantas lembranças e de tantas saudades. Ela, na verdade, me deu um mote e eu vou cuidar em explorar o tema. Redijo essa crônica e mais outras.
Lembro de logo do padre, professor de geografia, que sendo muito atencioso e muito delicado, convocou-me à chamada oral, uma forma de tentar punir um mal feito qualquer, uma palavra fora de hora ou uma indisciplina que ferisse o regulamento da instituição. Convocado, fui à lambança:
- Geraldo! Fale sobre a Alemanha.
Comecei falando sobre Leonel Brizola, que vinha começando a se destacar nos estados do Sul. E ele:
- Pedi que falasse sobre a geografia da Alemanha.
- Sim! Claro! Começo por Leonel Brizola, porque sendo do Rio Grande do Sul, nasceu em estado no qual existem muitos alemãs e eu devo fazer uma ponte, para depois chegar ao ponto que o senhor deseja.
E fui por ai, até chegar a Hitler e à Segunda Guerra Mundial. Isso fez o homem irritar-se profundamente e advertir, mais uma vez:
- A matéria é geografia! Nota zero! Retire-se da sala e compareça à diretoria.
E assim foi feito!
Ai pelas 10:00 da sexta-feira era de bom alvitre se confessar. Os que confessavam e comungavam na Missa do domingo, às 7:30 horas, eram vistos com bons olhos. E como eu era extremamente mal visto, não era demais ajoelhar-me no confessionário. Escolhia, pelo geral, um padre gordo, obeso, que dormia a sono solto, sentado naquela casinha de madeira. Eu, ajoelhado, desfiava a lista de pecados que tinha. Quando terminava, cuidava em acordá-lo e aguardar a absolvição. Vez ou outra, porém, ele me ouvia e não cansava de repreender:
- Outra vez! O senhor não se emenda! Vem toda semana dizer a mesma coisa! Isso é uma pouca vergonha! O seu pai sabe disso?
Era uns pecados bestas, coisa de adolescente despertando pra vida e para o sexo. Mas, o tempo era outro e a rigidez comandava o espetáculo da vida. E eu nunca me emendei!
Mas, a história que me pediu a colega dos anos noventa é essa agora. É que no último ano do curso, com as coisas mais liberadas, o professor de português mandou que fizéssemos uma redação e o tema era livre, à escolha do aluno. Escrevi uma lauda e meia de papel pautado, dando o título de “O meu enterro”. Cuidei em oferecer ao leitor – um único leitor: o professor – os detalhes dessa imaginária história. Mostrei que os familiares procurariam a Casa Agra e imitei o som da buzina chegando à minha casa: “Fonfom. Fonfom. Fonfom.”. E o pior ou o melhor: eu queria todo mundo nu. E o mestre, muito bom professor, com medo talvez dessa manifestação fúnebre em menino tão novo, deu zero e me chamou a atenção.   
- Menino! Você tem a vida toda pela frente! Não gaste o seu tempo e a sua pena com a morte.

E por ai vai!


(*) Não sei se atendi à leitora, porque a história apenas narrada, isto é escrita, é bem diferente daquela que se tem no fiar de uma conversa. É mais fácil falar que escrever. O leitor que desejar comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para o e-mail pereira.gj@gmail.com

domingo, 11 de agosto de 2013

Missão Cumprida

         
O Patriarca
O meu pai está encantado no infinito das coisas há muito tempo. Há 21 anos, numa manhã de janeiro, Nilo Pereira, depois de uma noite conturbada, me disse: “Venha aqui mais tarde, eu quero falar com você.”. Fui e ele estava inerte, imóvel em sua cama do sono da tarde. Nunca soube de que se tratava e nunca saberei. Não há esforço que me faça, ao menos, me aproximar dessa possível conversa, tão facilmente tornada impossível. Mas, o meu pensamento não desgrudou de sua imagem, ontem e hoje, muito viva em meu ser; sua imagem e suas lições.

O avô e o neto
A Princesa, Júlia de prenome
Como foi bom o “Dia dos Pais”, com um almoço em família e a presença das três filhas e dos três genros; com a presença, sobretudo, de Pablo e Júlia, netos dessa constelação parental. O encontro foi no sábado, na véspera da data que o calendário marca, porque mais fácil de ser coordenada e mais fácil de contar com a presença de todos. É numa hora como essa que se pode sentir como valeu à pena o sacrifício todo de pai e de mãe no processo de criação da prole.
Foram anos a fio de muito sacrifício e de muita luta. Estivemos juntos nas horas de dificuldade – eu e ela –, nos momentos de falta do metal, que é vil e nas ocasiões em que havia a doença instalada. Numa situação ou noutra, pode crer o leitor, amargamos a incerteza de um porvir que viesse reparar esses dias de intranquilidade. Finalmente a bonança sucedeu a tempestade, como está escrito mesmo. Hoje somos felizes, um junto do outro e os dois junto às filhas e aos netos.

Gratificante foi ouvir das três filhas palavras de agradecimento, que serviram para resgatar o tempo vivido e como as nossas recomendações e os nossos momentos ficaram gravados, tomados como lições para a vida. Lembraram a forma como as acordava: “Acordem que o mundo já está todo em flor!”, dizia eu, despertando-as. Ênfase dada aos dias de infância, vividos com a liberdade dos pássaros, mesmo que vigiada. Transferências de inclinações vocacionais, uma busca incessante pela cultura e as artes, das nossas vontades e das nossos interesses. A vida é uma luta, foi uma lição que também ficou! Ficou e vem servindo no dia a dia delas. Isso é o que vale na vida!
Levantei no domingo com o espírito saciado, pleno, certo de que cumprimos a nossa missão. Que beleza: viver para saber do neto e da neta. Hei de continuar vivendo para acompanhar o desenvolvimento de ambos.
(*) - O leitor que me acompanha nesse espaço do Blog, saiba de minha felicidade nesse Dia dos Pais. Mas, saiba também que devo voltar com a temática das superstições, tão do agrado de tantos, haja vista o número de e-mails que recebi. Comente no Blog ou o faça para pereira.gj@gmail.com 

domingo, 4 de agosto de 2013

Gato preto e sapato emborcado


Essa gente da cidade pega as coisas do interior e faz tudo trocado! Não entende bem o espírito, mete as mãos pelos pés e deseja imitar a pureza do campo.
A minha avó, que era do campo, recomendava que não se comesse manga misturada ao leite, porque daria indigestão braba e a turma respeitava, com toda a rigidez, a proibição. Dizem que isso surgiu no tempo dos escravos e era uma forma dos senhores inibirem seus cativos de se servirem de um alimento ou de outro, dos dois ao mesmo tempo. Não sei se isso é verdade!
Era ela também quem se ocupava dos espelhos em dias de trovoada. Cobria com lençois brancos a superfície, porque, segundo ela, atraia os raios. Em casa, chovesse ou fizesse sol, não se usava espelhos que tivessem quebradas as pontas ou que tivessem sido partidos, por uma causa ou por outra. Isso dava azar e não convinha. Certa vez alguém, não lembro quem, quebrou um espelho grande. Essa foi uma ocorrência perigosa, porque capaz de de um atraso de 7 anos.
Eu tive uma tia que era muito supersticiosa, tinha medo de gato preto e não entrava em casa com o pé esquerdo de jeito nenhum. Quando uma visita se demorava exageradamente e ela notava que estava saturando a paciência de meu pai, era certo esconder uma vassoura atrás da porta da cozinha. O forasteiro ia embora porque tinha se demorado tanto, que não era mais possível ficar ali, no alpendre de casa, fiando conversa.  Era dela e de minha avó também a proibição de se apontar para uma estrela qualquer, pois terminaria com uma verruga na ponta do dedo. 

Sapato emborcado, nunca jamais, em tempo algum, dava azar, atraso pra família ou morte no mesmo ano. Roupa pelo avesso, nem pensar, era dose dupla! Ainda hoje essas coisas ficaram, em mim! Mesmo sem acreditar não as faço, por hábito! Será mesmo?
Nas festas de São João ou de São Pedro, a faca na bananeira ou os papéis cortadinhos na bacia, com as letras todas do alfabeto, dariam, com certeza, a inicial do nome daquela que seria  a esposa ou daquele destinado a ser o marido. Fiz isso centenas de vezes, repetindo a operação em várias ocasiões na mesma festa. Na faca nunca pintou coisa alguma e na bacia saíram iniciais de "A" até o "Z".
Na casa de meu sogro a fogueira se acendia no badalar das seis horas e tinha que ser, sempre, a mesma pessoa a tocar fogo, transformando em braseiro a madeira lá do mangue. Ora, não é que o cunhado se armava de jornal e álcool, contanto que acendesse o fogaréu. E o monturo de madeira queimava até à meia-noite. Depois, era o momento de se passar no braseiro e eu passei muitas vezes, na casa do vizinho de frente.

(*) - O leitor que se agradar do texto, não hesite em comentar. O faça no espaço do Blog mesmo ou se utilize do e-mail pereira.gj@gmail.com