sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Saúde e Gordura


O meu imaginário sempre foi muito fértil, reconheço sem modéstia, tanto é que menino, bem menino, sonhava com um remédio moderno, com gosto de chocolate e que chocolate fosse. Um dia me receitaram Aureomicina em pó, me parece, de sabor em tudo assemelhado à guloseima raramente incluída dentre os gêneros de primeira necessidade, senão no tempo da Páscoa. Mas, havia um produto farmacêutico muito popular à época, o Calcigenol Irradiado, que se dizia servia pra quase tudo. De paladar amargo e ruim, aquele leite grosso descia à força pela garganta do penitente. Tinha que se tomar, entretanto, porque fazia crescer e desenvolver ossos fortes, vigorosos. O Redoxon de agora, efervescente, imitando fruta cítrica, veio em boa hora, pois que chupei muitas pastilhas brancas, azedas, como se fossem tiradas do limão e açúcar não tivesse.

Todos os dias, às dez horas, com precisão, a minha mãe convocava os seis filhos e todos, cada qual à sua vez, tomava uma gema de ovo crua que sobrenadava em Vinho do Porto. Aquilo, segundo ela, dava vigor, fazia todo mundo disparar na altura e sobretudo, como era da moda, fazia engordar. Saúde e gordura, era o lema! Quando chegou a Penicilina – Valha-me Deus! – era um suplício, bastava a garganta arder, as amídalas se hipertrofiarem e tome injeção na região glútea, de três em três horas, ensinara o médico. O farmacêutico da esquina – o Sr. Belmiro Lobo -, proprietário da Farmácia Lobo, vinha rigorosamente, de dia e de noite, contanto que cumprisse a prescrição feita uma única vez, mas repetida pela genitora ao primeiro sinal da gripe ou da infecção malsinada. Acontecia da abordagem glútea se passar em pleno sono noturno ou durante a sesta e o susto era grande no momento da picada!


Depois, quando a botica fechou, apelou-se para o enfermeiro da fábrica, Domingos de prenome, que aplicava a Thiaminose na veia com uma prática de invejar. Um dia, uma dessas ampolas não estava a contento, não seguia as regras da anti-sepsia ou da assepsia e Dona Lila teve um choque. Foi um Deus nos acuda, ela tremendo feito vara verde, a temperatura subindo e a malta desesperada. Chamou-se o médico mais próximo, o Dr. Pacífico e na calma que lhe inspirava o nome, o homem sentenciou: Choque Pirogênico. Explicou as origens do fenômeno e culpou o laboratório! Em casa, todavia, não faltava o Xantinon, pois que a qualquer indisposição, gástrica ou intestinal, era o fígado o responsável e as gotas se sucediam bem contadas. Assim, também, com o Elixir Paregórico! Tudo muito amargo! Mas, tinha que tomar!

Certa vez, a minha avó paterna, muito ciosa da idade e mais que indisposta com o processo de envelhecimento, descobriu, não sei como, um medicamento que fazia parar a debacle da idade, criado pela Dra. Aslan, se bem me lembro, pras bandas da Suíça. Todos os dias, então, o nosso Sr. Domingos aplicava-lhe a mágica porção num dos braços, alternativamente, dia num dia noutro. E se serviu, ninguém sabe, ninguém viu, porque morreu com oitenta e dois anos bem vividos. O que se sabe, é que vinha acondicionado em caixinha de madeira bem cuidada, cobiçada pela meninada! Nunca dispensou, também, o Lasain, do Laboratório Andrómaco, indicado nas tosses e fazia questão de recomendar para os netos o Kusuk, um tônico, de sabor adocicado, xaroposo. Era uma beleza! Se pudesse repetir e se repetia, ainda melhor!


O Biotônico Fontoura, de que tantos falam nas lembranças do ontem, pouco figurou na minha infância, não sei, exatamente, a razão, se descrença de minha mãe ou se por falta de recomendação dos circunstantes. Todo mundo dava palpites! Gente que me achava magro e gente que mandava tomar um ou outro remédio. Era uma fofocada braba! Bonito era ser gordo, forte, ter barriga, pneu e culote. As gordas de minha rua tinham albacora por apelido.




Comente também para pereira@elogica.com.br