sábado, 19 de abril de 2008

"Meu filho: O que é um Fax?”

Um belo dia, meados da década de 50, o meu pai à mesa – costumávamos almoçar juntos –, virando-se para mim, deu conta da boa nova: “Acabaram de inventar o cérebro eletrônico!”. E o que é isso? Foi a indagação que fiz, da forma a mais curiosa possível! É uma máquina grande, capaz de realizar operações matemáticas sofisticadas e que dispõe de memória, explicou. Nascia o computador, equipamento que eu só viria ter acesso quarenta anos depois. Na verdade, as pesquisas andavam rápidas desde a década anterior, mas aquela notícia que me dava, talvez coincidisse com a invenção do transistor, uma peça que substituiu com ganhos a válvula. E esse pequenino componente eletrônico fez muito sucesso depois, sobretudo com a utilização em rádios portáteis cada vez menores. Era chique, elegante, sair com a namorada portando um desses minúsculos receptores ou era prático caminhar, para o trabalho ou para o lazer, ouvindo-se o jogo de futebol ou a música preferida. O rádio da marca spica, então, conquistou corações no Parque 13 de Maio. Havia quem pedisse uma volta com aquele receptor que nascia.

Às vezes, fico matutando, imaginando o quanto o meu pai perdeu, desatualizou-se, morrendo pouco antes do desenvolvimento da Internet e dos avanços todos que a humanidade assistiu e assiste. Não alcançou – é claro – o uso do telefone celular, embora tenha visto e se utilizado do chamado telefone sem fio. Mas deixou de contar com esse adiantamento da ciência, que vem tornando a invenção de Grahn Bell cada vez mais sofisticada e cada vez mais polivalente, com a possibilidade de arquivar dados os mais diversos e de se comunicar com o mundo inteiro. Dia desses, numa ligação comum, local, sem usar o artifício do DDD ou do DDI, falei com um amigo na Turquia e conversei com outro na Suíça. Veja só o leitor! É de tirar o chapéu mais de 30 vezes, diria o meu pai! E nessas horas lembro de quando era necessário falar com uma tia que morava em Juiz de Fora, o tempo de espera para que se completasse uma ligação. As noticias seguiam, quase sempre, por telegrama ou por radioamador. E as informações demoravam a cruzar espaços hoje tão curtos para a voz. Agora, aciona-se um programa nessa máquina da modernidade e fala-se em tempo real com a Europa. Que coisa!

Essas mudanças foram tão rápidas, mas tão rápidas, depois da popularização da televisão, que havia resistência por parte de alguns. Lembro de um tio paterno que se negava, peremptoriamente, a admitir em sua casa um equipamento desses ou renegava a utilização até do refrigerador, defendendo a compra diária das verduras e das frutas para as refeições, como da carne, à semelhança do que sucedia em seus tempos interioranos. Ou de outras assertivas ótimas desse parente – o tio Cicero –, que sendo espírita convicto, nunca admitiu a ida do homem à lua e me disse muitas vezes: “Na lua, meu filho, nada existe, senão uma plantação enorme de alface!”. Pior a minha avó paterna, diante das últimas notícias do Repórter Esso, falando do sputinik, o primeiro satélite artificial: “No dia que o homem chegar à lua, o mundo se acabará!”. Não viu, quando em 1969, um semelhante pisou no imenso e majestoso astro, que encanta os namorados e assusta os lobos nas estepes friorentas.

Quando o tempo de meu pai começou a mostrar sinais da finitude e eu já olhava as suas mãos mágicas de bom escritor e de cronista do cotidiano sempre bem inspirado, sabendo que em breve as deixaria de ver, ele me perguntou: “Meu filho! O que é um Fax?”. E eu, querendo explicar da melhor forma, disse-lhe: “É um telefone, através do qual se transmite um documento qualquer. E o texto ou a imagem é recebida do outro!” E ele, olhando um aparelho convencional que tinha em seu quarto de estudos – a “Jaula”, como chamava –, verbalizou: “Não posso entender como um papel pode sair de um telefone?!”. E não podia mesmo, porque para tanto o equipamento é diferente, mais sofisticado e maior, como dispõe de uma janela para receber a página a ser transmitida e conta com uma bobina que imprime a matéria recebida. Eu, que ainda estava me familiarizando com o Fax, não tive a lucidez de lhe explicar melhor. E assim foi!

Ainda chegou a ver um computador e tomar conhecimento das vantagens sobre a sua velha e muito usada Olivetti Lettera 22, que imagino ainda esteja por lá, no lugar em que deixou, há contados 16 anos de ausência. Mas negou-se à substituição, mesmo que fosse por um período de experiência apenas. Estava habituado com a sua máquina de escrever, com o seu carbono para tirar a cópias dos artigos e com as suas borrachas que se encantavam ou se escondiam sob a desorganizada – todo escritor é assim – mesa de trabalho. Sempre tive uma curiosidade aguçada pelo moderno das coisas e certa vez levei à sua casa, para seu exame, uma máquina fotográfica Polaroid, dessas que revelam o retrato na mesma hora do flagrante. Achou ótima e penso que fizemos algumas poses com aquele apetrecho hoje em desuso. Não viu os modernos e digitais aparelhos, verdadeiros engenhos da informática, que determinam, de forma automática até, o foco e calculam a incidência da luz, mostrando no visor a foto recente e permitindo depois ao penitente de ocasião polir o próprio retrato, retirando-lhe as marcas do tempo.

(*) Esta crônica eu a escrevi em momento de isolamento e de enlevo d’alma, numa madrugada insone. E o fiz atendendo à sugestão amiga de José Thadeu Pinheiro, figura afável de colega, de companheiro sempre atencioso e sobretudo cioso da valia e da importância de uma amizade. Ele não conheceu meu pai, senão de vista, numa palestra pronuniada na velha Faculdade de Odontologia de Pernambuco, a FOP de Edrísio Pinto, amigo de Nilo Pereira. Edrísio gostava de levar intelecutais de outras áreas à sua escola. E Thadeu ouviu a história do Fax, gostou e sugeriu. Aqui vai o texto.