terça-feira, 29 de abril de 2014

Médicos Alugados

                       
 Há muitos anos, quando estive em Palmares, fazendo uma pesquisa epidemiológica sobre Esquistossomose, parei em determinada moradia, na qual a família estava reunida à mesa para a refeição do meio-dia. Comiam rolete de cana com arroz! Um horror! Indaguei do chefe da família em que trabalhava e se tinha carteira assinada? Estava pensando em fazer um cálculo sobre o salário mensal e o cardápio do pobre homem e de sua constelação parental. Foi ai que ouvi: “Não! Não tenho carteira assinada! Trabalho alugado!”. Alugados trabalhavam muitos, à época; corriam os anos setenta. Eram homens que faziam as vezes de outros. Esses sim, efetivamente contratados.
Francamente, não sei como andam as coisas na Mata Sul, se essa forma de se contratar o trabalho mudou ou se continua a imperar no eito. Mas me surpreendi muito com os médicos cubanos que o Brasil está importando, cujo efetivo exercício não difere muito dos camponeses pernambucanos, pelo menos ao tempo. Gente que vem da ilha e que aqui é contratada por R$ 10.000,00, mas que não vê sequer metade dessa quantia. Resume-se a R$ 900,00, ao que se diz. Profissionais que estão dando muito trabalho às lideranças brasileiras. Não conhecem os medicamentos usados por aqui e quando conhecem os prescrevem de uma forma esquisita, parecendo recomendá-los em alta dosagem.
São facultativos preparados para o atendimento primário, para uma medicina menos sofisticada, sem a experiência necessária a uma atenção mais elaborada. De mais a mais, já começam a tentar a permanência no Brasil, seja porque têm pedido asilo político, seja por engravidarem de pais brasileiros. Esses profissionais de Cuba há muito que passam pelo País, mas nunca com essa peculiaridade de serem alugados. Quando eu exerci o cargo de Vice-Reitor, atendi alguns, interessados na revalidação do diploma, exigência dispensada pelo governo agora. Era um processo demorado, com a exigência de estágio em algumas disciplinas e provas em todas. Vi muitos levarem pau.   
Ninguém pense que os médicos brasileiros não querem ir para o interior. Os juízes, os promotores, os delegados e outros atores do Direito vão, habitualmente, mas têm carreira de Estado. Os médicos, se assim fossem tratados, com toda certeza, iriam também. Os verdadeiros culpados pelo caos da saúde são outros.
 
(*) - Publicado no Jornal do Commercio (Recife), em 29 de abril de 2014

terça-feira, 22 de abril de 2014

Rádio Piripipi de Poupoupou

Eu tinha dois amigos que gostavam de fazer experiências com rádio, isto é, lidavam habitualmente com transmissores e receptores. Tinha vontade de me juntar a eles, mas nunca me animei para fazer essa desejada parceria. Era, de toda forma, um admirador deles dois. Eu, entretanto, era um ouvinte constante das ondas hertezianas. Ouvia as chamadas ondas médias e me distraia procurando escutar, também, as ondas curtas e ai sobretudo os radioamadores. Os receptores eram enormes, na casa de meu pai havia um, alemão, comprado ai pelos fins dos anos quarenta, penso eu. Um equipamento que captava emissoras brasileiras e estrangeiras. Foi nele que ouvi os detalhes do suicídio de Vargas, desde a crise que o levou a tanto. Lembro das questões levantadas contra Gregório e lembro, sobretudo, do atentado  da rua Tonelero, em que morreu o major Vaz, da Aeronáutica, que acompanhava Carlos Lacerda. Nesse aparelho ouvi as notícias que antecederam a revolução de 1964, até à informação de que o General Mourão vinha descendo de Minas Gerais, com a tropa.

O meu pai tinha um amigo que era, mais ou menos, doido, de quem eu ouvi que vinha captando sinais estranhos de outras galaxias. Eu era menino e fiquei besta com aquilo. Resultado, passei uma noite inteirinha atrás desses sinais, na radiola da sala. Perdi meu sono e meu inglês, porque não consegui ouvir nada, absolutamente nada. Mas, já fui vítima também dessas emissões que ganham os ares do mundo. Foi na Festa da Mocidade! O meu pai ganhou um sapato Rainha e disse logo que não usaria aquele tipo de calçado. Eu era louco por um sapato como aquele e fiquei com ele. Um amigo meu, então, mandou me chamar pelo rádio da festa, assim: "Atenção! Atenção Geraldo Pereira! Volte para casa pois seu pai precisa sair com o sapato!". Imagine o leitor que eu estava sentado com a namorada e o sobrinho dela, Sérgio de prenome, e ela não se conteve: "Você e seu pai só têm um sapato!". Só descobri quem foi há bem pouco tempo!

Mas, aqueles dois amigos fizeram um transmissor portátil, que andava com eles no carro. Estava começando a aparecer os rádios portáteis. No Parque 13 de maio um casal de namorados estava sentado, aos beijos e abraços, de forma desusada à época. O rádio junto transmitia um programa normalmente ouvido: De coração a coração era o que ouviam e Souza de Andrade ensaiava conselhos de amor, como era de seu costume. Um deles foi lá, identificou a estação e voltou para o carro, transmitindo então o seguinte: "Esta é a radio Piripipi de poupopou, transmitindo especialmente para os casais enamorados!". Isso assustou os pombinhos que não acreditaram naquela inusitada voz. Pior, porém, quando o locutor disse: "Meu amigo! Você mesmo que está tão admirado: confesse que é casado e deixe de enganar a moça!". Foi um deus nos acuda, com o camarada se justificando até quase à morte

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pensamentos, palavras e obras

Era assim! As emissoras de rádio tocavam músicas clássicas, de preferência aquelas de cunho fúnebre. Os cinemas passavam películas sobre a vida do Cristo, a Paixão de Cristo uma dessas. Em casa a recomendação era a de não cantar e não assoviar. Numa oportunidade, olhando para uma estampa de Jesus, que havia no quarto dos livros, notei que Ele estava me repreendendo, porque eu tinha assoviado. A minha avó paterna, particularmente, vestia-se de preto, em sinal de luto fechado, pela morte que aconteceria na sexta-feira. Ou que já tinha acontecido, no caso de ser sábado ou domingo. Numa certa ocasião, uma empregada doméstica estava de calcinha e sutiã no quarto e eu passei. Juro que não olhei! Que não a vi assim, em trajes íntimos. Nessa rigidez toda vivi muitas de minhas semanas santas.
Quando a sexta-feira santa escurecia, com aquele ar soturno, verdadeiramente lúgubre, era o momento de nos reunirmos e seguirmos, quase que em procissão, para a Matriz da Soledade. Ali o Cristo estava, simbolicamente, morto, entregue à própria sorte, envolto por um pano branco. Um por um beijávamos a fronte do morto e rezávamos. Um gesto de uma falta de higiene a toda prova, mas fazíamos. No sábado os clubes e as gafieiras se preparavam para o arrasta-pé da aleluia, mas o meu pai não deixava. Uma vez, insisti tanto, que ele capitulou e eu me danei para o Sindicato dos Tecelões. O diabo é que estavam lá as empregadas todas de minha casa. E bastou enlaçar Josefa, para o fiscal de salão repreender: “Se não dançar direito, vai pra fora!”. E não adiantava reclamar!
Ai pelo ano de 1957, eu com 13 anos de idade, resolvi fazer um retiro fechado em Beberibe. Era um tempo de recolhimento, de orações, muito apropriadamente realizado numa Semana Santa. Eu estava contrito, meditando e rezando segundo os costumes. De terço numa mão e missal em outra. Mas, chegou um momento em que o padre que dirigia o retiro comunicou a necessidade de irmos a uma igreja. Íamos, explicou, assistir Missa, porque havia uma restrição para a celebração na casa em que estávamos. Já não lembro bem do lugar, mas descemos uma ladeira grande e no sentido contrário vinham umas moças e uma delas verbalizou, dirigindo-se a mim: “Isso é que é um padre bonito!”. Confesso ao leitor que aquilo me tocou fundo, mexeu com a minha autoestima e eu que deveria sair dali para o seminário, desisti no ato. O diabo é quem vai, pensei!
Voltei pra casa, descarreguei a mala azul de lona, conversei com meu pai e ele foi extremamente lúcido: “Você é muito novo para entrar no seminário! Espere um pouco, se a vocação persistir, você vai no próximo ano!”. Foi o conselho mais sábio que ouvi. No próximo ano eu já estava integrado ao pecado o mais que podia. O danado é que só se considerava pecado o sexo: pensamentos, palavras e obras. E eu pecava nas três dimensões. Era mais afeito aos pensamentos. Uma coisa horrível!
 

domingo, 13 de abril de 2014

Carros de Aluguel

Essa coisa de Internet é meio complicada. É um avanço enorme nas comunicações, mas tem uns senões que irritam a pessoa que está acostumada a se utilizar desses serviços virtuais. Agora mesmo, criaram um aplicativo chamado Easy Taxi e eu, como bom usuário, já o instalei no telefone. Beleza, pensei, posso chamar taxi de qualquer lugar do Recife; do Recife e do mundo. Sucede que fui fazer uma demonstração em Aldeia, para os meus vizinhos de condomínio e o danado do telefone fixou-se naquele endereço e não há no mundo quem o faça desistir de me localizar na PE-27. Já tenho até medo de pedir taxi. Aciono o dispositivo aqui na Tamarineira e ele diz que estou na Estrada de Aldeia. Valei-me!
A verdade é que nem sempre a funcionalidade que se apresenta é a desejada. Dia desses, estava na Rua do Hospício e recorri ao aplicativo. Informei o endereço e aguardei o motorista. Só que ele ligou e comunicou que estava nas Graças, lugar que tinha sido indicado em minha chamada. É claro que o programa está sendo experimentado e vem sendo aperfeiçoado, mas tem me dado dor de cabeça. Não sei como farei para melhorar esse desempenho virtual? Já me disseram que há outras formas de convocar o taxi e eu vou procurar esses meios por cá. É verdade que na noite da última sexta-feira, dia 6 de abril, o telefone de minha mulher fez o veículo chegar com menos de 1 minuto.
Eu sou do tempo do carro de aluguel. Uns carros dos anos 50 que estacionavam ali, nas imediações da praça Maciel Pinheiro e atendiam mediante um telefonema para o ponto. Não que fosse um “orelhão”, não era, sequer havia ao tempo, mas um equipamento preto, como tantos, a ser atendido por qualquer um dos motoristas a postos, disponível para interlocutor de ocasião. Eram carros que com frequência ficavam à acessíveis nos sepultamentos e era comum se ouvir a notícia do falecimento o fecho: “Carros à disposição em frente à Casa Batista.”. Eram, ao tempo mesmo, veículos velhos, aos quais se acrescentou o taxímetro que fez calcular a corrida de forma tabelada e justa.
Certa vez cheguei a São Paulo e estava com pouco dinheiro. Ia viajar, depois dessa estadia mínima, até Juiz de Fora, para visitar uma tia que se ultimava. Quando se está assim, com pouco dinheiro, as coisas acontecem para se gastar tudo. Pois é! Fui pegar um taxi, mas evitei os credenciados – uma grande besteira – e embarquei no chamado “pega na rua” e quando dei por mim, estava lendo a marcação do custo sem considerar a vírgula, multiplicando por dez o meu pagamento. Foi de tal forma ruim, que tendo indagado do motorista, ao final, o custo real, ouvi dele palavras de verdadeiro aconchego: “O senhor é do Nordeste e eu tenho a maior consideração, não vou aplicar a tabela.”. Sujeito safado! E eu paguei dez vezes acima da realidade.   
 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

O despertar precoce

Quem dorme mal, como eu, passa por maus momentos. Depois de mais uma noite de insônia, não há como resistir a um sono durante o dia. Sendo assim, é praxe dizer a secretária de assuntos domésticos que não acorde e informe ao interlocutor de ocasião, que por acaso ligar, que não estou: “Saiu e não levou o celular!”. Isso quase não adianta, porque ela não diz e adianta que estou dormindo. Às vezes nem estou, porque não é fácil pegar no sono a qualquer momento do dia. E o pior, quando a pessoa volta a ligar, ainda faz uma referência irônica: “Vida boa! Dormindo pela manhã!”. O meu pai, portador, também, de uma insônia brutal, não suportava essa informação de que dormia em plena manhã.
Desde os meus 15 anos de idade que não sei direito o que é sono. Já fiz de tudo, inventei meizinhas e tomei remédios, uns fortes e outros fracos e nada. O que eu tenho é a insônia do despertar precoce, levanto da cama, chova ou faça sol, com os albores da manhã. Coisa de 5 ou 6 horas saio do quarto e vou tomar café. Ouço, quando estou em Aldeia, a sabiá cantando e ai me jogo do leito conjugal e desperto. É tiro e queda! No Recife, há um pássaro que canta com os primeiros raios de sol, não sei, exatamente, a espécie ou o detalhe. E olhe que conheço bem as aves nativas. Esse pássaro que canta ao raiar do dia aqui na Tamarineira, sequer desconfio do nome. Mas, é isso mesmo! 
De uns anos pra cá desisti do aparente humor que cerca o insone e o faz crer que despertar e se postar diante do computador, escrevendo ou não, há de aproveitar melhor o tempo perdido. Não levanto mais de forma alguma, prefiro rolar na cama, pra lá e pra cá, até descortinar os primeiros sinais de que a madrugada vai se esvaindo. Até já comprei um colchão desses largos que não se abalam com os movimentos do cônjuge insone. E vou levando a vida assim, uma noite consigo dormir melhor e na outra vejo o dia raiar. Que inveja dos que dormem. Conheço gente que a mulher chega a dizer: “Esse ai! É deitar na cama e adormecer! Só levanta no outro dia pela manhã!”. Benza Deus, digo sempre com os meus botões. 
Na verdade – já disse isso por aqui –, sou de família insone. A minha avó paterna não dormia hora nenhuma. Tomava um remédio da época, que se dizia ser muito bom, mas nunca conseguiu bons resultados com essa droga; muito pior que os hipnóticos de hoje. Foi essa avó que tomava injeções enviadas da Suíça, da clínica de Dra. Aslan. Nunca esqueci isso, porque vinham acondicionadas em caixinhas de madeira que eram verdadeiros bibelôs. Uma tia, filha dessa avó, também não dormia. Dava até pena vê-la pelo meio da casa caçando o sono. A mesma coisa: insônia do despertar precoce. 
Na Internet existem Blogs dedicados à insônia e relatos de grandes e notáveis insones. José Wilker um desses, que se especializou em assistir pregações religiosas e canais de vendas nas diversas redes de televisão, tanto é que tinha uma quantidade grande de tralhas compradas dessa forma, em seus períodos noturnos.
 
Agora mesmo estou lombado, depois de ter visto o sol raiar mais uma vez. Mas, a esperança é a de dormir na próxima noite. É sempre assim! Noite sim e noite não!

 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Zé Diniz - O centenário

                  
É a condição de amigo da família que me faz escrever esse texto, escrever e proceder a leitura, a convite mesmo dos queridos amigos, filhos do homenageado. Foi de uma conversa muito a propósito, com Mércia e Mozar, que nasceu a inspiração para tanto. Deles ouvi depoimentos de um afeto enorme aos pais, qualidade que é própria de todos os que integram essa filiação. A tônica da gratidão que esteve presente na noite do nosso encontro é, também, predicado do restante da constelação parental. Isso é notável, não se ouve uma queixa ou um resmungo para com pai e mãe. São pessoas, então, que cumpriram com as suas finalidades nessa passagem terrena.
Comemora-se hoje, aqui e agora, o centenário de um homem simples, de uma criatura que não conheceu o fausto dos ambientes luxuosos e que não soube o que era o convívio com a riqueza do ouro e a glória da opulência. Este homem era José Diniz e Silva, casado com Lilia, pai de 10 filhos contados nos dedos. Um homem de boas maneiras, educado e bom, que caracterizou a sua vida pela busca constante da paz e da tranquilidade, para si e para os seus. Foi assim que perseguiu a felicidade que terminou obtendo e foi assim que a sua prole inteira conseguiu multiplicar-se, gerando netos e bisnetos, até tetranetos, que hoje vivem segundo os seus princípios.
José Diniz e Silva poderia ser apresentado, apenas, como um homem que soube conduzir os destinos de sua própria família, dando aos filhos a educação suficiente para que todos crescessem, se formassem e fossem nos dias que correm mais do que o próprio pai. É esse o objetivo de qualquer um, preparar a prole para que ultrapasse o patamar paterno e esse deveria ser, também, a intenção dos governos para com os jovens, futuros cidadãos da pátria. Zé Diniz, como era conhecido, provou que só a formação intelectual, cultural e cientifica, dos que chegam para o grande banquete da vida, pode forjar a juventude para melhor desempenhar as funções sociais. É extraordinário uma criatura simples pensar assim!
Bastaria isso – a educação – para que se pudesse ter no Brasil a almejada conciliação, um estado de espírito no qual a concórdia, o entendimento e a harmonia, presidissem o cotidiano das coisas. O encaminhamento está dado; Zé Diniz o deu. Resta aos lideres dos destinos do País decidirem sobre os caminhos a serem seguidos.
O que se celebra aqui não é somente um culto pela alma do homem que foi grande, mas é, sobretudo, um momento de júbilo pelo que ficou de bom desse cidadão recifense, pernambucano e brasileiro de tantas iniciativas generosas.    
 
(**) - Um texto que escrevi, a pedido da família, para que seja lido na Missa comemorativa dos 100 anos de José Diniz, no próximo dia 8, às 20 horas, nos Manguinhos. Zé Diniz foi um homem que deixou para a família, como herança de seus dias, apenas a educação, antecipando-se no tempo, demonstrando que educar promove o desenvolvimento. Todos os filhos estão formados e vivem numa situação muito boa. Os netos igualmente e já começam a preencher os seus espaços com bisnetos e tetranetos desse avô, que foi pioneiro nessas iniciativas de forjar os filhos para as batalhas do existir. Esqueci, no entando, de fazer alusão a uma das iniciativas de Zé Diniz que ele prezava: foi fundador do Ibis. Como forma de me penitenciar dessa falha, que pode ser considerada grave, fiz inserir aqui um escudo do time.