quinta-feira, 23 de abril de 2009

Cara de Tacho


Mulher bonita, dessas que no ontem dos anos encantava qualquer homem. Um tipo mulherona dos anos cinquenta, bem feita e bem parecida, quartuda, de seios generosos, sem que fossem fartos, de pernas torneadas e coxas grossas. Não podia sair na rua sem causar um verdadeiro frenesi, um rebuliço danado, ouvindo galanteios de toda natureza. Homem novo e maduro, velho coroca e senhores casados, celibatários convictos e até clérigos bem resolvidos; todos, enfim, paravam e olhavam o material em trânsito, quando ali, pras bandas da Visconde de Suassuna, desfilava Maria. Ia à venda da esquina ou frequentava a farmácia vizinha. Comprava o quilo de farinha de que se ressentia a cozinha ou pedia duas cafiaspirinas para tratar a TPM. Não gostava de dizer que era empregada, como se usava falar, preferia informar aos perguntadores de plantão que fazia serviço de costura.
Nascida em Camocim de São Felix, no Agreste de Pernambuco, contava que saíra de casa muito cedo, com 16 anos de idade, pouco mais ou pouco menos. Viera ao Recife em companhia de um primo; primo e namorado comentava. Acompanhava o casal uma criança de 6 ou 7 anos de idade, cuja missão principal era a de manter a moral preservada, acima de todas as coisas desse mundo de Deus. A sopa que tomaram foi até Caruaru e dali por diante o trem seria o transporte dessa gente que vinha estrear na Capital. Foi ai que desconversaram o menino ou por outra, foi ai que conversaram o menino, e o primo – primo e namorado – escondeu-se com Maria num recurso qualquer. Não havia motel, sequer um hotel de quinta categoria, capaz de ser pago pelo rapaz. E assim o serviço foi feito. A mulher perdera a virgindade!
Ainda voltou em casa, mas o menino fez a delação e todo mundo tomou conhecimento do comportamento da mulher, engabelada, diziam, pelo primo; primo e namorado, afirmava. O amor se fora e o pai mandou-a de casa pra fora, costume antigo nos sertões, dos caipiras do mato, mas também daqueles que na cidade se refestelavam com o pecado na rua e prendiam as filhas: “Prendam suas cabras que os meus bodes estão soltos”. Ouvia-se isso a três por quatro, em todo canto que se fosse ou em todo canto que se estivesse. Maria de Camocim foi bater com os costados em minha residência - logo aonde! -, na Boa Vista ou em Santo Amaro, ninguém sabe ao certo. Só não entrou com banda de música tocando dobrado, porque não era possível isso nos tempos que vivi. Fizemos boa amizade e a cozinha era o palco de fiar conversa. Conversa vai e conversa vem, um cheiro aqui e outro ali. Nada mais que isso. Aparentava recato! E eu era um menino de 13 ou 14 anos. Não se falava em pedofilia!

Os elogios se sucediam:

- Maria! Você é uma mulher linda! Bonita de rosto e de corpo também. O seu lugar não é pilotando um fogão, você merece mais. Uma vaga no teatro rebolado não será difícil.

E os pedidos também:

- Maria! Deixa de ser ruim! Levanta a blusa!

E nesse papo furado, conversa vai e conversa vem, Maria cedeu um pouco:

- Menino chato! É o seguinte: por quinhentos cruzeiros eu mostro a tela. O filme não, de jeito nenhum.

Ora, a tela era a calcinha e já valia muito. Mas, o dinheiro era grande e eu não tinha. Inventei um cinema e pedi o valor da entrada a meu pai. Recebi e fui lá atrás, ela estava no quarto com a outra empregada: Virgínia dos Palmares. Disse quanto tinha e aguardei a decisão. “Me dá o dinheiro!”. Eu dei! Levantou a saia e no mesmo movimento baixou o pano. A tela foi vista, mas assim, correndo, Maria, não vale. “Vale! Saia daqui!”. E eu sai, com cara de tacho.

No outro dia, estávamos abraçados na cozinha e de súbito entra minha tia. Não havia outro jeito:

- Eu não disse que podia lhe carregar!


(*) Antes de minha viagem a Madri, onde vou receber, de braços abertos, o meu neto Pablo, essa crônica de uma memória distante, cinquenta anos bem contados. Comente no Blog ou escreva para pereira@elogica.com.br pereira.gj@gmail.com