sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Fiando Conversa

Atendo ao que me pede colega da Sociedade de Medicina de Pernambuco, para contar neste espaço histórias pitorescas, vividas ou sabidas por mim numa trajetória de vida de seis décadas já. Confesso que guardo na memória uma experiência larga desse exercício dos convívios; experiência de fatos do cotidiano, alguns da realidade humana, do sofrimento criatura, outros de características inusitadas, às vezes divertidos. Talvez tenha me tornado um contador de histórias, como dizem certos amigos. Pois, vamos ao que guardei:

A moça chegara naquele dia e sendo funcionária terceirizada, como tantas outras deste Brasil do hoje, ignorava as rotinas do lugar. Solicitei, então, duas ligações telefônicas, uma para o Hospital das Clínicas (HC) e outra para o Banco de Brasil, queria falar com o Diretor e o Gerente, respectivamente. Eis que de pronto retorna e diz não ter encontrado, propriamente, o Diretor do HC, mas estava ao telefone o substituto imediato. Atendi e a voz era de um jovem. Julguei tratar-se de um Residente de plantão e fui ao assunto. Uma senhora estava em processo de abortamento e se dirigia ao HC, fizesse, então, o rapaz as honras da casa, recebendo a criatura e a encaminhando à obstetrícia. O meu interlocutor não gostou da recomendação e justificou o quanto seria melhor se eu mesmo fosse por lá e resolvesse o impasse. Não posso, expliquei, faça o que lhe peço para evitar mais aflição à paciente. E ele: “Olhe, Dr. Geraldo! Vou fazer porque o senhor está me pedindo, mas continuo achando que melhor seria pedir diretamente!” E respondi: “Meu amigo, por que tudo isso?” Porque eu sou o subgerente do Banco do Brasil. Seguiram-se mil desculpas e mil perdões. Depois, escrevi um artigo sobre o caso no JC e o gerente distribuiu centenas de cópias.

O moço, precocemente aposentado por insanidade mental, continuava a freqüentar o trabalho quase todos os dias. Sentava em aconchegante sala de espera e ali ficava um expediente inteiro, pelo menos. As secretárias, porém, entraram em pânico certa vez, pois que o flagraram em visita à toalete feminina, agachado, em posição de observador imediatista. Fui escolhido para resolver o impasse, ignorando as razões, senão o fato de ser o único médico daquele Gabinete. Expliquei que não entendia de tarados e muito menos das chamadas perversões sexuais, das quais cuidou Freud e seus discípulos. Mas, cedi e concordei em conversar com a criatura. Convidado à minha sala ouviu, atentamente, a explicação inicial: “Olhe! Há um tarado rondando o banheiro das meninas! Estão pensando que é o senhor!” Respondeu, como já esperava, negando o desvio da conduta e se colocando à disposição, inclusive, para me ajudar na identificação do intruso e na reprimenda. “Veja bem! Confio, inteiramente, em sua palavra, mas há um risco: vão chamar a polícia. Por via das dúvidas e para se garantir, melhor será desaparecer agora mesmo e nunca mais voltar!”. O pobre do penitente achou a idéia ótima e levantou-se da cadeira disposto a cumprir o pedido. Nunca mais voltou e em paz ficaram as dedicadas secretárias, recepcionistas, tantas vezes, em lugar de inusitado movimento.

Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma de pato! Senhor rei mandou dizer que contasse quatro!
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A primeira crônica de agosto: oferecida a Amparo Araújo (Amparito), leitora habitual do Blog, de quem tenho tido comentários em tudo afetuosos.