segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Natal e a Carta

O Natal que passou parece ter sido o melhor de toda a minha vida, porque depois de muitos anos consegui reunir as minhas filhas todas em torno de uma mesa; filhas e genros. Mas, foi bom desde o começo do mês, desde o ritual das compras que todos os anos me junta à mulher para esse esforço derradeiro, de se adquirir bebidas e acepipes para a grandeza da festa. Bom demais! O peru, por exemplo, antes cevado a pão e água por dias seguidos, agora se traz de um supermercado, abatido e bem acondicionado. Os vinhos foram variados, porque aos que comprei juntaram-se aqueles que o meu genro trouxe de Espanha. Sem falar na cerveja, de que tantos gostam e que foi servida em barril trazido por outro dos genros.
Já no almoço da sexta, antevéspera do Natal, o cardápio foi requintado. Serviu-se um cozido à moda pernambucana, regado a bom vinho português e seguido por sobremesa, igualmente, tupiniquim: doce de jaca e baba de moça. No sábado repetiu-se a dose e o requinte, com um arrumadinho legítimo, no qual a carne de charque misturava-se à farofa bem arranjada e à linguiça de muito boa procedência. O difícil do sábado foi encarar o semblante de minha mãe, condenada à imobilidade da cama, sem falar e sem entender as coisas, sem se comunicar afinal. Mas, que diante de minha presença olhava fixamente a minha face, como se estivesse me reconhecendo. Foi a nota triste de meu Natal!
Mas, a vida é assim, uns se despedem da existência e outros vão chegando. É o caso de meu neto Pablo, o ponto alto da noite, sobretudo quando se anunciou que o Papai Noel tinha visitado a área de serviço e deixado o seu presente: uma caixa de ferramentas infantil. Que beleza! A emoção foi tão grande que o menino marejou os olhos e se encantou com martelos e chaves, parafusos também, que lhe serviram até o outro dia pela manhã e ainda lhe servem, fazendo serviço extra dentro de casa. No entender da avó, não há mais necessidade de se convocar o marceneiro. Há um, agora, disponível na constelação parental. É uma graça de Deus esse menino!
Permita-me, porém, o leitor dizer que o fato marcante dessas comemorações natalinas todas ocorreu no entardecer do dia 25, quando a minha filha mais nova, a caçula da prole, fez a entrega de uma carta a pai e mãe, agradecendo tudo que recebera na vida de nós outros, seus pais, cuja luta foi diuturna para criar a progênie feminina. Transcrevo aqui o teor da missiva, porque com isso também demonstro a minha satisfação e a mais absoluta certeza do dever cumprido. Claro que o sacrifício foi enorme, mas não desistimos em momento algum:

Painho e Mainha
Hoje, 25 de dezembro de 2011, resolvi deixar registrado o quanto amo vocês.
Obrigada pela infância maravilhosa, cheia de sorrisos, alegrias, momentos mágicos. Obrigado por todas as férias em Pau Amarelo, por todas as idas ao Mercado da Madalena, para ver passarinhos, pelos sábados em Olinda comprando bonecas de pano, pelas horas em que pude brincar na rua.
Obrigada pelas minhas festas de 10 anos e de 15 anos, que nunca vou esquecer. Obrigada pela infância florida que tive.
Eu tenho uma lista enorme de agradecimentos, que vai desde tudo isso citado até os dias de hoje, mas quero mesmo ressaltar o amor.
...Com amor vocês construíram uma família ética e com princípios.
Obrigada por terem me ajudado tanto a formar o meu caráter.
....fiquem tranquilos, vocês acertaram!
Beijos com muito amor.
O pai e a mãe que recebem um presente desse de Natal, só podem exultar de alegria e satisfação. Afinal: acertamos e vencemos.

(*) Esta é uma crônica que escrevi e publico em homenagem à minha filha Ana Carolina, autora da carta que me inspirou o texto. Tenho mais duas dessa mesma estirpe; gente que conta com a força do caráter inquebrantável e de personaidade forte, ambas, à qual preside as decisões e iniciativas de ambas. Às três desejo que as alegrias da nossa noite de Natal estejam presentes em cada dia no Ano Novo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O enterro do peru

Decido escrever sobre as festas natalinas, as do meu tempo. É que amigo meu – colega médico também – lá de Monteiro, nos esturricados rincões da Paraíba, escreveu-me dando conta de sua experiência na Noite de Festas. Era assim, lembrou, que se chamavam as antigas noites natalinas, com a Missa do Galo presidindo a cena. E era mesmo, todos iam à celebração do sacrifício canônico, uns compareciam ao ato na capela do Colégio Nóbrega, outros preferiam a rapidez do Mons. Sales, na Matriz da Soledade. Estive nos dois lugares, no Colégio onde estudava e na igreja em que me batizei e depois me casei, com o camareiro papal vestido a caráter.

A noite, porém, começava cedo, na Festa da Mocidade, com direito a carroceis, sobretudo o polvo, em que os giros eram acompanhados de gritos frenéticos; gritos e abraços, às vezes até beijos roubados a cada uma das evoluções do brinquedo. Eu tinha medo, por isso nunca me aventurei por lá. Pior o tira-prosa, com dois braços enormes se cruzando nos ares. Gritos até não se querer mais e alívio quando o equipamento parava e os meninos ou as meninas desciam. Nunca havia adultos! Raramente! O cabo Marcha-Lenta era o fiscal da festa, ia pra lá e pra cá, com aquele andar cadenciado dos indivíduos gordos. À época saúde e gordura era o mote.

Jogo de azar havia, porque a roleta rodava até a madrugada, mas não era facultado a menores arriscar na ficha. Vez ou outra, no entanto, aproveitando uma distração do meganha, valia a compra de uma fichinha barata, menos de que jogavam os endinheirados. Os que tinham os bolsos recheados de velhos cruzeiros obtinham a prioridade feminina e saíam com as vedetes em carrões enormes, de capota arriada e cantando os pneus. Vi um desses, muitos anos depois, chegar ao pronto- socorro com uma mulher sensual, pintada a caráter e bem vestida. Estava em coma, depois de uma colisão na avenida Boa Viagem. E o pobre do guarda quase enlouquece para prendê-lo. Fiz poucas e boas nessa noite!

Vinha-se para a Missa do Galo e se evitava o pecado até a hora da comunhão. Depois disso era uma gandaia só. Na Festa, outra vez visitada, dançava o Pastoril do Velho Faceta e cada um que desse uma moeda ou um cédula para ver uma pastora dançando sozinha. Era uma festa dentro da outra. A mestra seu Faceta, gritava um circunstante, a contramestra senhor, gritava outro e o dinheiro ia sendo guardado pelo velho. Eram mulheres de coxas enormes e por isso mesmo admiradas pela canalha, na qual eu estava muito bem entrosado. A culpa depois confessada era a de ter usado o dinheiro de meu pai assim, para o escabroso desfilar dessas pernas imensas.

A minha avó paterna tomava conta do bolo branco que se preparava para a noite e orientava as empregadas no embebedar do peru, sendo eu o responsável pela compra da dose de aguardente, com a qual se fazia chegar goela abaixo a água que passarinho não bebe ao estômago do bicho. Depois, na mesa, o animal morto, qual uma mulher numa mesa ginecológica, era traçado pela família toda. O bom mesmo era no dia seguinte, a cerimônia do enterro do peru, isto é, a carcaça do bicho imersa no feijão. Melhor não chamar assim, recomendava a minha avó, uma das mulheres mais obedientes aos ensinamentos da Igreja. Não sei se foi bom ou se não foi!

O diabo é que chego por lá e não vejo mais ninguém desse tempo. As portas estão fechadas, como se guardassem as lembranças do tempo que se foi. Morreram todos e estão morrendo os outros. Qualquer dia, não se fala mais nisso! Esquecem o que passou da memória dos que estão chegando.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mudou o Natal...?

O Natal que vai chegando é o da virtualidade; o Natal digital ou o Natal online, como se diz no hoje das coisas. Significa que a informática, presente no dia a dia de toda gente e no cotidiano do mundo, responsável por muita coisa dos avanços experimentados pela humanidade, passou a presidir também a data reservada à aproximação das criaturas. Assim será com a fraternidade de agora, de 2011, que vai se exaurindo e de 2012, nascente, para os viventes que permanecem no banquete da vida.

No Recife, cidade dos rios e das pontes, que viu Maurício de Nassau com seu boi voador, uma rede de televisão potente, a maior de todas as redes, instalou uma árvore de Natal belíssima na fachada de um quartel de polícia. E duas vezes por noite, às sextas, aos sábados e aos domingos, projeta na mesma fachada um filme relativo ao nascimento do Cristo, mostrando aos passantes detalhes desse fato tão significativo. Um Deus que se fez homem, que nasceu do ventre de uma mulher, como todos os outros, veio para com o sofrimento trazer a redenção da humanidade.

E eu fui ver a iluminação da cidade com o meu neto, Pablo de prenome. Com isso, talvez repetisse o gesto de quase 40 anos atrás, quando levava as minhas filhas, inclusive a mãe dele, a primogênita de meus rebentos, para ver o espetáculo de luz e cor. Parecia que estava cumprindo o mesmo percurso – talvez até o fosse! –, buscando a iluminação do bueiro da Tacaruna, quando ela ainda dizia assim: a cacauna, painho! Vimos tudo que havia nas ruas. As coisas no quartel da polícia, ouvindo meu neto chamar: a pilícia, vovô! As estrelas que passavam rápidas no Palácio da Justiça e as que se sucediam na Secretaria da Fazenda. Que beleza!

Mas, em mim ficaram as outras festas natalinas, aquelas de minha infância e as outras, as de minha adolescência, sobretudo as dos anos de juventude. Quando era menino, bem menino, meu pai deixava os presentes em baixo da cama e uma vez comprou uma espingarda de rolha, à qual ele chamava de manuliche. Na minha fantasia, certa vez, acordei e disse que tinha visto o Papai-Noel às caladas da noite, entrando de mansinho e me deixando um lindo caminhão militar, com cobertura de lona verde e outras características das viaturas de guerra. Mais velho, nunca dispensei uma ida à Festa da Mocidade, pelo geral bem acompanhado, fosse com uma ou com outra. E não esqueço de uma sertaneja que me indagou quem era a moça que andava comigo: É uma prima muito tímida, daí o braço sobre os seus ombros. Foi a respota que dei, por muitos anos considerada inteligente pela gente de minha rua; a gente miúda.

E eu descubro que o tempo passou e passou rápido. Tenho saudade até dos anos em que levava minhas filhas à cidade? Isso não me impede de rememorar as palavras de Machado: Mudou o Natal ou mudamos nós? Tudo mudou, essa é que é a grande verdade!

Feliz Natal!

(*) Texto de uma manhã de segunda-feira, depois de ter ido ao centro conferir a iluminação de Natal e antes da chegada de meu genro Gonzalo, que vem passar conosco a noite de Festas; vem para ver o seu filho Pablo e completar a famíia que se reunirá em torno do perú. Repete-se aqui a tradição de muitos anos, de minha avó paterna acompanhando o morrer da ave e depois o cozimento com direito a todos os temperos. O leitor que terminou a leitura, comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para os e-mails pereira.gj@gmail.com ou ainda pereira@elogica.com.br




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