segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Encontros e Reencontros

Foi o bem-te-vi, com o seu trinar metálico, que me avisou da terminalidade das festas, naquela tarde morna e tropical de um dezembro em começos, apenas. Quando o sol já estava na posição de todas as verticalidades, inibindo as sombras, as pessoas foram se recolhendo aos pouquinhos, deixando livre a piscina e desocupando o chamado entorno do mar, um oceano enorme, na verdade, que acolhia a gente forasteira, interessada nas comemorações ou voltada para a fraternidade dos convívios. Na varanda do hotel, então, terminei fazendo a reflexão dos meus retornos ao dia-a-dia atribulado de minhas coisas. Impossível ter evitado o pranto na hora da valsa das lembranças, que resgatava um outro momento assim, distante já, três décadas para trás. Ali, também, com a mesma musa do hoje, ensaiei passos mal dados, para acompanhar a sonoridade daquela despedida. O homem, em realidade, despede-se várias vezes na vida e vai mudando a condição do existir, promovendo ritos de passagem que trazem a liturgia das metamorfoses.

 Assim com a formatura e assim com a ligação matrimonial ou assim com o nascimento do primeiro filho depois, de um por um, até o derradeiro. Mas, o último desses ritos marca a debacle. Companheiros dos bancos de universidade, vindos de longe,alguns, cumpriram o desiderato do reencontro, por três dias seguidos. Permitiram-se o exercício, mais que salutar, do fiar conversa indefinidamente, resgatando feitos e fatos de um pretérito que se encanta, agora, na longitude dos anos. O espírito de cada um regrediu no tempo, voltaram a ser acadêmicos de Medicina, com o humor diferenciado que caracteriza a jovialidade e que significa a leveza de vida ou a ausência, ainda, do peso de um existir assim, na honrada prática da profissão hipocrática, entre o sopro do Criador, que faz gerar, nascer, e a morte. Risos e mais risos, gargalhadas enormes, sonoras,com vivências e convivências daquele passado de estudantes, histórias dos provindos das brenhas, que enfrentaram sol e chuva, se almoçavam não jantavam e se jantavam não tinham almoçado. Gente morando em  pensões, que desapareceram do cenário urbano deste Recife nas fronteiras de um novo milênio, mal acomodada, mesmo que adaptada, contanto que se pudesse frequentar o sacrário desses saberes sacrossantos. Ou gente com um sapato apenas furado, ainda mais, remendado por dentro com a sagacidade dos fortes, por uma tira de esparadrapo branco.

E os apelidos foram lembrados, também, desde a viagem de ônibus. O mestre Baré, das larguezas amazônicas, encarou o microfone e quase faz a chamada, nomeando os presentes: Pluto e Gia, Fofa e Rita Pavone, Ovelha e Da Galinha. Há alguns impublicáveis e há outros respeitados, como aqueles que nomeavam as moças, médicas agora, integrantes das rodas de Esculápio. Falou de suas lendas e de suas matas, mostrou as mitológicas interpretações do boto cor-de-rosa, que encanta as meninas-moça. Mas, ninguém esqueceu os outros, roubados de nossos convívios, como foi o caso do Poeta, cuja vida terminou nos inícios do curso ou o caso de Cachorrão, privado, igualmente, do existir terreno além de Timbu, levado há poucos anos, na plenitude de sua maturidade.E ninguém esqueceu os que faltaram ou não puderam ir por vários motivos, à semelhança de Tampa-de-Chaleira e de Chupa-Osso. Como se não bastassem as fotografias tiradas de minuto em minuto, antigos retratos foram levados nas bagagens, além de certos adereços do tempo, como a boina do vestibular, que Ivo de Oliveira usou pelos três dias consecutivos, com a inscrição que padronizava a vitória: FMUR (Faculdade de Medicina da Universidade do Recife).

Foi um não acabar de lembranças e de recordações, nas conversas fiadas noite a dentro ou com as fotos amareladas, em preto-e-branco, assinalando momentos, marcando a felicidade do ontem. A hora do trote pelas ruas da cidade, na Imperatriz ou na Rua Nova, na avenida Guararapes ou na Conde da Boa Vista, manifestação estudantil que durante muito tempo fez a crítica bem-humorada dos governos e dos governantes. Instantâneos, também, das salas e das aulas, além daqueles da primeira de todas as despedidas, a formatura. Lágrimas vertidas desde a missa, que abriu, com a necessária prece ao Criador, todas essas festas ou durante os pronunciamentos bem cuidados de Luiz Fernando e de Claudeci Gomes. Sem esquecer que na hora do jantar dançante, o nosso orador da turma – Paulo Dantas – falou com a verve dos grandes e agradeceu a Moacir Novaes, mentor das lembranças e timoneiro das recordações, o denodo com que organizou tudo. E eu agradeço assim, deixando-me tomar pelas inspirações e descrevendo o meu sentimento com palavras paridas das intimidades d''alma. A oportunidade que tive, confesso, foi das mais felizes de minha vida.


Benditos sejam todos que promoveram esse enlevo do coração!

(*) Crônica escrita já há 12 anos, se pouco, quando das três décadas de formado. Ode às lembranças e ao fiar conversa  numa homenagem ao tempo vivido.