quinta-feira, 15 de maio de 2008

A Festa das Mães

Feliz da criatura que pode, como eu ainda posso, todos os dias, com o raiar do sol, ouvir a voz materna, mesmo que por telefone. Saber da noite e do sono, dos sonhos e dos planos para o dia que vai chegando. E feliz de quem se faz continuar na prole, nos filhos e nos netos, nos bisnetos também, de quem acompanha, passo por passo, o crescimento desses rebentos, do nascimento à maturidade, assistindo os ganhos e repartindo as perdas. Mãe é como um imenso e imaginário pássaro de asas enormes, capaz de acolher a ninhada inteira, nas horas difíceis e nos momentos em que a insegurança toma de assalto a alma. As mães de agora são avós muito cedo, bisavós também: a existência prolongou-se. Não precisam pratear os cabelos e contar os anos, como dantes, são jovens e bem cuidadas, magrinhas e agitadas, andarilhas dos shoppings e, de quando em vez, fazem as malas, para uma viagem qualquer.
Muitas estiveram nos restaurantes da moda, rodeadas pela família, a receberem presentes e abraços, beijos e sorrisos. Infelizmente, dessa vez, não pude reunir a todos ou a todas. Mas, valeu o almoço bem cuidado e a culinária rigorosa de Júlio Crucho, no restaurante Imperador Pedro II. Das três, restou por aqui uma filha, com a qual almoçamos e com a qual brindamos o dia reservado às mães, depois que ela adornou a manhã com antúlios rúbios. Três dessas flores, cada qual representando uma filha. E da Espanha ligou a mais velha, falando das diferenças do fuso horário e dizendo da diversidade das datas: uma lá e outra cá. De Fortaleza, também, a filha segunda na contabilidade da prole cumprimentou a mãe e nada disse sobre a surpresa que já esperava no ventre.
Outras tantas, porém, não tiveram a oportunidade do reencontro. Filhos que se foram, encantados no infinito das coisas, transferidos para a dimensão do eterno, não voltaram. Rios de lágrimas marcaram o pranto das distâncias, dos desejos e das vontades impossíveis, de resgates que não virão e dos retornos postergados. Milhares de faces estavam carentes do ósculo filial e faltaram os amplexos do dia. O domingo restou incompleto, por mais que se quisesse preencher os minutos e as horas! O vazio dessas ausências, é o vácuo a sugar as derradeiras energias do espírito, foi o nada do nada da mais íntima das feridas, a insuperável, insuportável e irreparável dor da perda. Lembranças e saudades, recordações, enfim, dos detalhes, dos atos e dos fatos, alguns, de tão discretos, pouco valorizados ao tempo. Isabella, também, não voltou!
Nas pousadas da terceira idade, abrigos dos que se isolam por vontade alheia, a cada visitante que chegava uma esperança a mais no coração das mães. Algumas contaram com a companhia dos filhos, em casa, por uns instantes, que fosse ou na confraternização do almoço. Nas conversas da noite, entretanto, as que não foram contempladas novamente inventaram desculpas ou reinventaram explicações para as faltas do dia e a solidão exacerbada no domingo de festa. Esquecidas, juntaram-se à legião daqueles que ajudaram a construir o mundo e a sua gente, mas foram vítimas de uma injusta memória, capaz de apagar o passado, um pretérito de doações, de noites e mais noites vividas em claro, ao pé do leito, tantas vezes, na doença que maltrata. Dias inteiros de devoção no exercitar do criar, para forjar o cidadão, correndo pra lá e pra cá, um banho de sol ali e um passeio acolá, a escola pela manhã e um sem número de atividades à tarde. Tudo relegado!
No meio das alegrias, dos risos e das gargalhadas, das lembranças contadas em nostálgicas conversas, certas mães não puderam dividir, completamente, o dia, a hora do regozijo. A memória já não ajuda, exatamente, fogem os fatos e desaparecem as imagens, há um vazio diferente na cabeça idosa e branca, alva como a neve que cobre no friorento inverno as pradarias gélidas. Repetidas indagações mostram que a desorientação fez mudar a personalidade, dantes tão segura de si e tão firme. Não há mais a decisão dos tempos pretéritos e sequer podem as mães assim se desincumbirem de alguns procedimentos tão simples no passado. O banho é um desses, assistido por gente estranha, atenta à postura e a cada um dos movimentos, violando, tantas vezes, o pudor por anos e anos cultivado. E ao filho à distância cabe, quase sempre, pedir paciência para essa presença incômoda e desconfortável da cuidadora, uma profissional nova no cotidiano moderno.
Antes que a crônica estivesse pronta, afinal, terminada e concluída, durante uma reunião importante, o telefone toca macio, diferente do que faz habitualmente. Atendo aos sussurros e ouço a voz de uma nova mamãe: “Pai! A tão desejada gravidez chegou!”. É a filha segunda, Patrícia de prenome, que mora no Ceará, e que me traz a notícia mais importante do ano: serei avô! Quase não posso falar, os olhos estão marejados e a voz fraqueja, cumprimento e felicito, deixo para depois as palavras do coração. Em casa, então, ligo o telefone e digo-lhe o definitivo: “De agora por diante, você há de compreender o significado da palavra mamãe. O profundo sentido dessa forma carinhosa de expressão e de ser gente!”. A sua vida vai mudar, você assegura assim a continuidade de seu próprio ser. Eis a completude da criatura! Deus a abençoe!
(*)Um texto escrito no ontem dos dias e complementado agora, no hoje das coisas. Texto que ofereço a Patrícia, minha filha, a mais nova mamãe. Ofereço à felicidade que ela está irradiando ao telefone, pela parição próxima de um rebento. Deus a abençoe!