quinta-feira, 25 de junho de 2009

Lutando Boxe

Eu tinha 13 anos de idade, pouco mais ou pouco menos, quando arranjei a primeira namorada. Fiquei deslumbrado, confesso, com a coragem que tive falando com ela sobre esse meu desejo e feliz com os passeios que fazia, de mãos dadas, na rua em que morávamos e onde nos encontrávamos às escondidas do pai dela. Era sempre assim, ninguém namorava com a autorização paterna, senão quando já tinha intenções matrimoniais. Eu não, não tinha! Não podia ter! Sequer tinha idade! Depois fiquei achando que ela só me quis porque eu sabia consertar bicicleta e remendar o pneu de seu veículo de duas rodas. Nunca vi furar tantas câmaras de ar como lá. Quase todo mês registrava um episódio assim e precisava intervir com o meu material de urgência. Sempre tive uma bolsa à disposição para esses impasses; bolsa que conduzia desde o mais simples martelo à sofisticada chave de boca. Só não tinha uma chave inglesa, o meu sonho dourado!
Namorei com ela e rompi por sete vezes seguidas – a conta do mentiroso –, repetindo sempre o mesmo ritual para a renovação do namoro. Às vezes, bastava a bicicleta furar o pneu para que ela própria me procurasse e me solicitasse o reparo. Eu atendia a tempo e a hora, sem mais delongas. Noutras ocasiões, rompido e triste, ouvia, de súbito tocar em sua radiola de casa a música que era um sinal: “Volta/Vem rever nossos jardins/Vem amor nunca mais...”. E eu, imediatamente, subia na janela do banheiro e tinha acesso ao telhado, de onde a via e de onde, também, mandava mensagens cifradas de um retorno esperado. Assim cumpri o meu desiderato de iniciação por 7 diferentes oportunidades. De quando em vez aparecia um intrometido que lhe prometia felicidade e amor, enquanto eu ia ficando para depois.
Em certa ocasião, lembro-me bem, chegou no bairro em que morava um sulista. Era uma figura engraçada, porque tinha um sotaque carregado e não conseguia pronunciar a palavra “você”, dizendo apenas: “cê”. Por isso, tomou o apelido de “Cê” mesmo. Não é que o forasteiro engraçou-se com a pequena e propôs namoro a ela? Antes disso, encontrando-me de bicicleta, numa volta rápida pelo quarteirão, sem dispensar o cumprimento, indagou: “Cê namora com fulana?”. Respondi que sim e ouvi, perplexo, a próxima indagação: “Cê já comprou alguma coisa para casar?”. Não, disse de logo, sou quase menino ainda e não posso pensar em casar, estudo e não trabalho, razão para não contar com dinheiro para tanto, expliquei e tratei de dá o fora. Procurei fulana e de pronto a proibi de andar de bicicleta naquelas imediações. Foi o mesmo que rogar pelo amor de Deus que ela fosse para o foco. Ela foi e ficou horas fiando conversa com “Cê”. Firmaram ali algum tipo de pacto, que resultou em nova ruptura e namoro firme com o intruso recém-chegado. Ora pau, quase digo!
Mas, nesse intervalo, entre acabar o namoro e começar com o novo parceiro, entrou em cena o meu dileto amigo, velho companheiro dos anos das calças curtas, denominado aqui de Bíblico, em virtude de seu nome sagrado. O nosso Bíblico inventou que eu deveria – coisa de menino! – convidar o “Cê” para uma luta de boxe. E eu, na ingenuidade da idade, o fiz. O meu colega escalou-se logo para ser o juiz e esclareceu aos cochichos: “Não se pode no boxe pular no ringue! Você dá um pulo e eu vou empurrá-lo sobre “Cê” Assim você ganha a luta!”. Foi dito e feito, mas de nada serviu essa vitória arranjada, a moça mudou de mãos. E eu fiquei a ver navios. Não houve mais o que reatar, mas há o que contar de uma noite de São João, da fogueira queimando e dos fogos espocando nos ares, enquanto fazíamos as adivinhações da praxe junina. A mãe dela, mulher braba e briguenta, capaz de dar baile, como se dizia, espalhou pedacinhos de papel numa bacia com água, escrevendo antes as letras todas do alfabeto.

Foi engraçado, eu tirei a letra “Z”, a inicial de seu apelido e ela a letra “G”, a inicial de meu nome. A mãe ficou felicíssima com a possibilidade de casamento entre nós. Resultado dessa trama: casei com uma moça de nome começando por “Z” e ela com um rapaz de nome George. Já pensou o leitor na coincidência!
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