sexta-feira, 12 de outubro de 2007

A Festa da Mocidade



Na década de sessenta - Já se vão quarenta anos! -, quando dezembro chegava e o fim de ano marcava o tempo, a grande atração do Recife era a Festa da Mocidade! Instalada no Parque 13 de Maio, tinha-se de tudo, dos habituais brinquedos das festas populares ao teatro rebolado! Ninguém das redondezas perdia uma noite sequer, comparecendo religiosamente ao lugar de todos os divertimentos! Lá por casa recebíamos um Permanente Familiar, destinado a jornalista de batente e com isso costumávamos levar parentes e aderentes, os amigos, sobretudo. Uma legião de rapazes e algumas moças tinham dessa forma acesso ao recinto e aquelas alamedas serviram para se fiar muita conversa, no exercitar dos planos da gente jovem desses outroras nunca perdidos ou acolheram sonhos e devaneios. Passeava-se mais e gastava-se de menos, porque o metal, que é vil, rareava à época. Muitos sentavam apenas nos bancos do parque ou na murada dos tanques, de cujas fontes jorravam jatos d’água de um colorido especial, encantando e inebriando os espíritos.

Andar no polvo ou no tira - prosa, francamente, era uma temeridade e os casais de namorados, enamorados também, aproveitavam a hora e cumpriam a prática mais do que benfazeja do beijo roubado, num momento qualquer de um giro maior ou de uma evolução mais forte ou mais firme. Os ares da festa enchiam-se de gritos, como ainda hoje sucede em lugares assim, desses divertimentos múltiplos, de gente que tinha medo realmente, mas de atores que gostavam das cenas, cuidavam do texto e faziam da arte um mister à parte. A roda gigante não trazia medo a ninguém e levava os passageiros às proximidades do céu, deixando às nuvens a imaginação da gente sentada nas cadeirinhas, de cujo balanço nasceram muitas das juras que não foram cumpridas. E os carros elétricos? Antecipadores, talvez, de certas invenções do hoje! Presos ao teto energizado por uma peça de aço, podiam correr acima e abaixo, dando ao condutor de ocasião a sensação mais do que plena de um chauffer daquela modernidade.

Sem muitas das cerimônias de agora, o jogo de azar campeava e a roleta girava desprovida dos pudores todos que contaminam a ilegalidade estabelecida. Menores estavam impedidos da prática, jogavam porém! Perdiam sempre, como costuma acontecer nos cassinos dos dias que correm! Nenhum dos pais imaginava que o dinheiro de seus ordenados, suados e sofridos, estavam sendo investidos dessa forma, na jogatina da festa. Aplicava-se o pouco da mesada e dos recursos obtidos para os gastos da noite com o guaraná e o sanduíche, um cachorro-quente que fosse, de carne moída e tomate nunca cozido. Um lanche a ser saboreado sem comentários em casa, porque proibido nas recomendações maternas, acauteladoras das infecções todas que agridem o homem, trazem a dor de barriga ao penitente menino e inquietam as mães, protetoras eternas dos filhos, mesmo com a cabeça pintando as cores dos anos!

O pastoril do Velho Faceta enchia as noites nas proximidades do Ano Novo e a meninada cuidava em pagar, uma ou outra pastora, das pernas grossas pelo geral, para uma apresentação especial. Cinco cruzeiros para a Diana dançar ou dez para ter a Mestra à mostra, sozinha no tablado, bailando para o deleite da moçada! E o Velho comandava o espetáculo, convidando as escolhidas pela platéia ou dando as ordens sem descuidar dos assistentes, estimulados todos ao pagamento de mais uma rodada, dessa ou daquela moiçola. Em se tratando de coisa ligada mais ao mundano e menos aos estilos do tempo, as apresentações começavam às doze horas batidas da noite e se prolongavam pela madrugada. Gente de família não podia freqüentar lugar assim, de segundas intenções, como se falava! Havia quem conhecesse as pastoras pelo prenome, tal a constância com que assistia às encenações e dessa maneira fazia a escolha da preferida, cujas características físicas preenchiam, por certo, as fantasias ou ocupavam o imaginário com formas femininas protundentes, em moda naqueles anos!

Pelas dez horas tocavam as sinetas do teatro e as vedetes entravam no palco, dançando e cantando, levando uma peça a mais para o êxtase de uma plêiade de admiradores cativos. Era proibida – rigorosamente proibida – a presença de menores na platéia ou nas laterais, das quais se podia assistir a tudo, de pé é claro, sem o conforto dos pagantes, assim diferenciados, pois que sentados viam e ouviam as mais belas mulheres que a cidade acolhia nas festas de fim de ano. O rigor da proibição fenecia diante da insistência da meninada e das insuficiências de um investigador de menores com gestos inseguros. Bastava uma palavra mais forte ou mais áspera para que o homem cedesse, não sem antes recomendar o uso de um lenço cobrindo a face, para não ser identificado pela polícia como integrante de um grupo etário na menoridade, ainda. Tem Bu-Bu-Bu no Bó-Bó-Bó marcou época na cidade e o ator Mário Marozzi, o primeiro a usar bolsos verticais nas calças, contracenava com lindas figurantes do sexo feminino. “E o boi/Pra onde é que ele foi/E o boi/Vocês só falam e ninguém quer trabalhar/E o boi/Pra onde é que ele foi/E o boi/...”, era o refrão adotado e decorado pela trupe e mais do que aceito pelos nativos!

Blog atualizado hoje, 12 de outubro, às 10:25 horas, em Fortaleza, na casa de minha filha Patrícia e de meu genro Cláudio. Fotografia: Gentileza Manoel, Roberta e Lívia (Família Ferreira)
Atualização oferecida a Vadeco, primo meu, o mais velho e o mais levado da breca, ainda hoje.