quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Calcinha verde


Pela manhã, no horário das 10 horas, há um programa de péssima qualidade sendo exibido; programa de baixaria, da revelação do segredo de muitos e da ciência por outros desses sigilos. Às vezes eu o assisto! Vou anotando essas confidências, com a intenção mesmo de juntando-as escrever uma crônica, como faço agora. Muita gente vai ali para dizer a um amigo ou uma amiga certas intimidades que o outro ou a outra ainda não sabia. Muito frequentemente amigos se revelam e dizem horrores aos antigos confidentes. Ou os filhos decidem expor essas confissões aos pais, sobretudo às mães, deixando-as em caldos.

Foto: DivulgaçãoDia desses, ouvi uma filha voltar-se para a genitora e dizer que não a sustentaria mais e que a traria para morar consigo, desde que ela lhe servisse como empregada doméstica. A pobre da mulher quase cai de susto e disse que não se disporia a tanto, mesmo que para isso precisasse morar debaixo da ponte. Coitada! É comum o noivo que vai ao auditório para acabar o vínculo que tinha com a moça, depois de ter gasto o dinheiro todo que a penitente vinha economizando. Em certa ocasião, vi um irmão que resolveu informar à irmã que ele passaria a investir os seus recursos poupados. Mas, investir numa criação de baratas, para serem usadas por laboratórios. Ora pau! Já muita gente investindo dinheiro, mas em baratas foi a primeira vez.


Uma jovem, há pouco largada pelo marido, ajoelhou-se no palco, dizendo que daria tudo para ser a “outra”. Tive até pena dessa suplicante, tal a forma melosa com que pedia. Mas, o outro cônjuge fez cara de mercador e não a quis mais. É isso ai! Outra vez, uma jovem esposa contou que fora visitar a melhor de suas amigas, mas como o marido era ciumento ao extremo – tinha ciúme até das roupas... -, escondeu-se no guarda-roupa quando ele chegou e quando apareceu em casa de madrugada, mentiu ao marido e contou que estava fazendo serão no escritório. Essa pobre quase vai ao desespero, com o consorte se queixando de suas mentiras. É isso mesmo! Às vezes, melhor nem dizer nada!
Mas, a mais interessante mesmo foi aquela de uma vizinha que chamou a sua amiga, da casa ao lado, para notificar sobre as saídas de seu marido e os destinos dessas escapadelas. É que ele fazia visitas furtivas à moradora de frente e sabia justamente se podia ou se não podia comparecer a esse encargo quase cívico de sua vida. Guiava-se pela cor da calcinha que estivesse estendida, se verde, com toda certeza iria ao encontro dessa criatura, se vermelho, que não se arriscasse, porque o marido de casa não saíra. Mas, na eventualidade do amarelo, que esperasse a decisão do titular: ou saía e a cor era trocada para o verde ou se fosse o vermelho a ocupar a corda de estender roupa do terraço, nem pensar em subir. Essa turma tem jeito pra tudo!
Lembrei de parente meu que marcou com uma mulher bonitona passar com ela o fim de semana. Era a sua vizinha de frente. Chegando em casa disse à esposa que ia a São Paulo na sexta-feira, a negócio. A companheira, não sei porque cargas d’água, disse que o levaria ao aeroporto, pelo que se deu o diálogo a seguir:
- Não se preocupe! Deixo o carro na garagem e me resolvo. Quando retornar tomo o automóvel e volto a nosso convívio.
- Não, de forma alguma!
Não adiantou e a consorte foi com ele ao pretenso embarque. Ele, não teve dúvidas, comprou ali mesmo uma passagem de avião e embarcou decidido. Durante o voo procurou o comandante da aeronave e explicou o ocorrido, pretendendo descer no caminho.
- Me deixe descer em Salvador!
- Não é possível o passageiro descer antes de seu destino final, explicou o capitão. Mas, diante da importância de sua justificativa, considerando o serviço que há de prestar à causa masculina, permito-lhe a exceção. E ele desceu!
Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma de pato e o senhor rei mandou dizer que contasse quatro.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Vicente Ignácio Pereira - O bisavô, o neto e o bisneto

Vicente Ignácio Pereira, o bisavô do autor deste ensaio, foi médico na cidade do Ceará-Mirim, Estado do Rio Grande do Norte, casado com uma filha de Manoel Varela do Nascimento, o Barão do Ceará-Mirim, Isabel Augusta Varela Pereira. Com o matrimônio recebeu, certamente como antecipação da herança, o Sitio Bonito, que depois se transformou no engenho Guaporé, onde ele viveu e morreu. Foi ele quem construiu a Casa Grande, até hoje de pé, da qual não se tem informações adicionais, senão os comentários de ser um imóvel afidalgado, com estilo afrancesado. Ali exerceu a arte de curar até a morte de uma filha, entre os 13 e os 14 anos de idade, quando jurou, à saída do féretro, não exercer mais a medicina.

A moça, de nome Maria Cristina Varella Pereira, faleceu, conforme consta de notícia na imprensa, no jornal Correio de Natal, em 16 de novembro de 1878, vítima de uma hemorragia nasal. A moça, por hipótese, adoeceu de uma doença sistêmica, capaz de justificar o óbito e o sangramento. Por certo que foi acometida por um linfoma ou por uma leucemia. Conta Nilo Pereira, em seu livro A Rosa Verde, que o facultativo aceitou fugir a seu juramento, quando uma escrava engravidou e obteve do senhor a promessa de que faria o seu parto. Não diz, no entanto, se a criança nasceu pelas mãos dele ou se a mãe foi partejada por outro, opção que o autor aventa!

Ele integrou aquele grupo que Nilo Pereira enalteceu, tornando-os personagens literários, em crônicas diárias ou mesmo em livros que publicou. Só assim, como está em Helicarla Nyele, foram projetados nos ambientes sociais em que viveram e se perpetuaram, permitindo àquele autor o resgate também de cenários pretéritos, de uma aristocracia própria daquele lugar, no qual o açúcar viveu um apogeu digno da gênese literária.

O bisneto não vai conseguir fazer como fez o neto, Nilo Pereira, mas há de inserir o médico ilustre na memória das doenças do Nordeste do Brasil. A publicação só foi reencontrada recentemente, depois do falecimento da mãe do autor deste ensaio, Lila Marques Pereira e enviada pela irmã, Maria de Fátima Marques Pereira, que sabia do interesse que tinha o irmão médico nesses estudos de preservação da história parental. Esse é um material que veio do Ceará-Mirim, com a mudança para o Recife de Beatriz Pereira e Deolinda do Nascimento Barroca, netas do Barão do Ceará-Mirim e respectivamente avó e tia em segundo grau de quem escreve essas linhas.

O Dr. Vicente, por certo nunca imaginou que um bisneto seu, médico como ele, neto de seu filho Fausto Varela Pereira e filho de seu neto, Nilo de Oliveira Pereira, a quem ele próprio não conheceu, fizesse um resgate de seu nome tantos anos depois de sua morte. Pois é, a 126 anos de seu falecimento, na cidade do Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, comenta-se aqui não apenas as informações sobre a pessoa e o médico Vicente Ignácio Pereira, mas uma monografia assinada por ele e publicada em 1887, impressa na “Typografia dos Dois Mundos”, sob o título de “Considerações Práticas sobre o Cholera-Morbus – sua profilaxia e seu tratamento.”. Opúsculo, como está no texto, voltado para a sociedade em geral e menos para a classe médica, que o autor, reconhecia competente e experiente.

A família Pereira, especialmente o ramo do Rio Grande do Norte, começa com o português Joaquim Inácio Pereira, que migrou de sua pátria para o Ceará-Mirim, em 1795, morrendo por lá a 22 de fevereiro de 1868. Vicente foi o quarto filho de Joaquim e de sua esposa Dona Antonia Maria de Jesus. O livro de Alcides Francisco Vilar de Queiroz, intitulado “Villar & Cia – Apontamentos de História Familiar”, esclarece que a família Pereira é uma das mais importantes de Portugal e vem de D. Mendo, irmão do último rei dos Longobardos, de nome Desidério, que veio da Itália para conquistar a Galícia. Dentre os descendentes, está Nuno Álvares Pereira, beatificado em 1918.

Um texto que é parte de um ensaio que venho escrevendo sobre o meu bisavô, médico na cidade do Ceará-Mirim, onde exerceu a arte, enquanto a filha Maria Cristina viveu. Depois, jurou nunca mais atender ninguém, tal a frustração que sentiu quando não pôde salvar a filha. A moça talvez tenha morrido de uma leucemia.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Médicos e Literatura


 
 Se o sofrimento inspira o verso ou faz transbordar o coração numa crônica, é claro que outros sentimentos também são inspiradores. A alegria, a satisfação de espírito, a plenitude d’alma permitem a criação literária também. Quando se trata de sofrimento, há quem acredite que o profissional da ciência de Hipócrates é um insensível, isto é quando cessa o trabalho ao lado do leito do seu cliente, passa também a angústia ou a ansiedade que a dor alheia produz. Não é bem assim! Quando a AIDS apareceu, abrimos alguns leitos no Hospital das Clínicas; eram doentes que serviriam ao ensino, mas também teriam que ser assistidos. Todos morriam, então! Os profissionais de saúde entraram em parafuso, não conseguiam salvar ninguém. Angustiaram-se e entraram em grande ansiedade. Foi necessário chamar um psiquiatra que os visse em grupo.

Mas, muito mais interessante que isso, é a experiência descrita no opúsculo “O Sofrimento do Médico: Ontem e Hoje”, publicado pela Academia Pernambucana de Medicina, escrito por Gilda Kelner e Clézio Sá Leitão, no qual há depoimentos verdadeiros do último autor, em torno de seu sofrimento diante da doença alheia. Vejamos: “Para completar o fim de semana, um paciente, Fernando, me foi encaminhado pela Dra. Érica, competente e dedicada hematologista...Faleceu no sábado e fiquei muito mal.”. E mais adiante: “Neste mesmo domingo, me ligaram da UTI, eu estava no sítio, pintando um barco, não pude voltar, não tinha forças, precisava de energia. Falei com o colega de plantão, que sedou, entubou, depois disso não se faria mais nada...”. Os depoimentos são apenas para demonstrar que há um sofrimento do médico, um padecer ao lado de seu doente; um sofrimento que inspira, tantas vezes, o exercício da escrita.

 O esculápio, por força de seu mister, tem sempre o que contar, tem sempre uma história a mais para acrescentar numa roda de fiar conversa. Eu, por exemplo, tenho centenas de histórias que poderiam ser narradas sob a forma de contos, sem ferir a ética, porque não há necessidade de se revelar o nome dos protagonistas e nem tampouco as circunstâncias em que aconteceram. À senhora, que desenganada com seu casamento foi recomendada a se vestir de forma sensual, mas o resultado da orientação redundou numa grande surra que lhe aplicou o marido. Ou aquela outra que tendo se apaixonado por mim, me presenteou com um bolo e um queijo do reino de boa marca. A minha mulher considerou que o bolo poderia estar envenenado, mas a latinha do queijo foi de logo aberta. E assim por diante!

O grande Tchékhov, médico que fora, inicialmente profissional de uma área rural – médico rural – em alguns de seus contos dá a nítida impressão de que viveu aqueles fatos. Se não os viveu propriamente, talvez tenha visto em outras famílias ou talvez tenha sabido. Em certo congresso de médicos escritores ouvi o comentário de um psicanalista, de cujo nome não lembro mais, que dizia não se inventar a narrativa por inteiro, mas lembrar fatos que se vivenciou, que soube por ouvir falar ou que tomou conhecimento de outra forma qualquer.

Pois é o escritor em “Inimigos”, conta que um médico da área rural, Dr. Kirílov, perdeu um  filho com seis anos de idade, vitima da difteria, o crupe, que a tantos roubou o existir terreno. Quando a criança ainda está em seu leito de morte, toca a campanhinha e surge o Sr. Abóguin, completamente desesperado com a mulher doente. A esposa desmaiara na sala de casa e como estava com visita cuidou juntamente com o forasteiro, o Sr. Paptchinski, e com ele deixou a mulher, enquanto trazia o médico. O profissional tinha perdido o filho e disso dá conta ao visitante, mas a insistência foi tão grande e os apelos tão fortes, que mesmo assim ele se dispõe a atender a senhora doente. Seguem na carruagem rumo à casa da infausta mulher. A surpresa, quando lá chegaram, foi muito grande, porque tudo não passou de uma simulação, para que ela fugisse com o amante, o Sr. Paptchinski.

Em outro conto, intitulado de “Angústia”, o autor conta a história de um cocheiro que também perdeu um filho e sofre com aquilo enquanto trabalha. Precisa desabafar com alguém e puxa o assunto várias vezes com diferentes interlocutores. Ninguém dá ouvidos, porque a desgraça do outro quase não interessa. Disse Nilo Pereira, em “Reflexões sobre um fim de século”, a tragédia humana é como um filme, terminado o enredo, passou também o sentimento. E o pobre do cocheiro termina contando seu padecer à sua égua. “A eguazinha mastiga, escuta e esquenta com seu bafo as mãos do dono...”.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Cobras nas ruas do Nordeste


No Recife está tudo mudado, chove agora todos os dias e o aguaceiro tem hora pra chegar; chove pela manhã logo cedo e chove à noite, no momento do sono se apresentar. Se apresentar para os outros, porque pra mim, se houver apresentação, pode esperar a madrugada que eu desperto. É a insônia do despertar precoce, cujo incômodo impede, muitas vezes, do dia correr bonito, sem cochilo e sem madorna. Se assim não for, com toda certeza perco a manhã e perco a tarde. Não dá pra escrever e leitura nem pensar. Isso é ruim, tanto porque tenho muito o que rabiscar na virtualidade das coisas e tenho muito o que ler, com as obrigações que assumi. Valei-me Senhor! Dia desses até, briguei comigo mesmo e me mandei à sesta à força, sob o argumento de que sou um homem aposentado.
Antigamente, quando chovia fora de hora, como vem acontecendo ultimamente, minha mãe alertava: “É a chuva do caju!”. Isto é, a precipitação pluviométrica que vinha para facilitar a floração do cajueiro e daí por diante a gênese da castanha e da polpa. Mas, era coisa rara, uma aguada aqui e outra ali. O sol presidia o espetáculo dos dias e a praia era convidativa. Toró mesmo era a partir de maio. Em junho e em julho. Nesses meses é que aconteciam as cheias e eu fui um militante desses períodos, com assento na defesa civil de Pernambuco, que tinha o nome próprio de CODECIPE. Nem sei mais como se chama
Aí, na cheia de 1975, me mandaram passar a noite no Palácio do Governo. Fiquei lá fiando conversa a madrugada inteira, até que um engenheiro veio falar comigo: “Ei, você ai que fala muito. Você pode me ajudar nesse caso? É que há dois soldados guardando o leite, um deles não dispensa uma lata quando passa pelo depósito. O que faço?”. E eu, do alto de minha prosopopeia, disse: “Coloque um tomando conta do outro, enquanto um segue para a direita o outro volta pela a esquerda.”. E assim foi! Não desapareceu mais nada! Foi um santo remédio. Quando o dia estava pra amanhecer, um camarada chegou e me comunicou: “Você vai pra Limoeiro de helicóptero. Ordem do Governador.”. Pois diga a ele que eu não vou de jeito nenhum, porque não confio nessas gerigonças velhas que há por ai. E não fui!
Mas, há uma revista médica do século XIX, na qual há um estudo das temperaturas e das precipitações no Recife, sem falar na umidade e em outros dados interessantes. Escrevi sobre isso, citando inclusive que em 1943, o ano do estudo, em nenhum dos dias do ano a temperatura passou do 30°C e habitualmente o calor da cidade tem apontado números semelhantes a esse ou quase isso. Agora não, porque o tempo é da Primavera e as ocorrências do Inverno.
Pior tem sido em SP, onde está morando uma filha, um genro e um neto: não há água nem pra se lavar! Estou atento por aqui a essas injunções da natureza na terra da garoa, mesmo sabendo das rusgas com o Nordeste do Brasil. Mas isso é coisa antiga, vem desde o tempo das grandes valsas e eu, morando por lá nos anos setenta, lembro quando indagavam: "Pelas ruas do Nordeste anda cobra?" E a resposta: "Anda, claro, mas só morde paulista.". É isso ai! Um médico anestesista do Rio Grande do Sul, convidado a vir ao Recife, para fazer uma conferência, disse: "Não vou a essa terra de merda!". Não venha! Melhor assim!
 
(*) Um texto bem humorado escrito sobre chuvas e cheias, mudanças edáficas e outras mudanças, como essas de agora, as do aquecimento global.