sábado, 23 de outubro de 2010

Chove lá fora

Amanheceu em Aldeia! É sábado! Um sábado de outubro! E o tempo é outro: chove lá fora. O ar do mundo está friorento e a umidade que acaricia meu corpo faz arrepiar os poros. Cortei o mamão que ontem comprei em dois e expus a banda mais suculenta para que os pássaros de meu jardim venham bicar. Uma ave azul – linda! – já se aproximou e desconfiada, saltitante, começou a quase roer a fruta. Uma saíra, ensina Harrop. Ontem à noite, quando percorria as ruas do condomínio e já havia uma aragem friorenta, vi quando uma raposa atravessou o caminho com os olhos esbugalhados, correndo da agitação que os forasteiros, como eu, promovem por cá. Uma agitação urbana, incompatível com a ruralidade do lugar ou o inteiramente campestre dessas paragens.

Sentado no alpendre deixo-me deliciar com essa manhã em tudo diferente. Chove uma chuva gostosa, de pingos esparsos, segmentos curtos das águas do céu. O firmamento está completamente nublado, como se houvesse nos ares do mundo uma ameaça nunca velada de tempestade à vista. É possível que ainda hoje, diante do abafado desses últimos dias, possa trovejar e relampejar, recriando cenários de meu pretérito, dos meus dias de infância, momentos molhados em terraços do ontem. Há um aconchego da natureza em relação a meu ser, é como se esse entorno maternal me abraçasse, me tomasse por inteiro, me embalasse em velhas cantigas, antigos cantares de quem já não pode mais com a própria lucidez: minha mãe!
E à medida que escrevo a temperatura vai baixando mais e mais. Não resisto à tentação e vou bisbilhotar o meu termômetro digital: 23,13ºC. Faz anos não vejo registro assim, tão baixo, em terras tupiniquins. Sinal dos tempos! Ninguém sabe o que será deste Nordeste sofrido com o aquecimento global, se o sertão há de virar mar e assim materializar a profecia de Gonzaga ou se aquela afirmativa de cunhado meu, de que pescaria sentado nas Ruças vai vingar. Ora, quase não há mais ruça nesses rincões, senão hoje, nessa manhã de um outubro assim, tão diferente. Essa chuva que chove veio para irrigar com o húmus dos céus as plantas de casa; as grandes árvores do terreiro e a grama do jardim ou as cestas que pendem em meu alpendre. Há uma alegria vegetal em cada um desses seres, respondem às águas que caem com acenos curtos também ou com longos cumprimentos verticais, baixando-se ao tempo que mudou.

Quem estava abafado era eu, não o tempo, com a grosseria daquele homem que na boquinha da noite de ontem, quando, inadvertidamente, tomei o seu lugar para comprar o pão, só não me agrediu porque a ele não dei ouvidos. Ora, meu caro, quase digo, não seja tão rude, os seus direitos serão preservados, mas tenha paciência com o semelhante. Essa manhã, francamente, me curou as mágoas!
 
(*) - Um texto parido d'alma, nesta manhã de 23 de outubro, quando uma chuva fina caiu em Aldeia, região metropolitana do Recife, no Nordeste do Brasil, esfriando o tempo, molhando a terra e fazendo as plantas agradecerem em cumprimentos curtos e longos. Comente o leitor no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com