quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O Tio do Boy

Folclórica figura essa que pontificou por aqui, na minha rua. Passou anos e anos frequentando a redondeza nos fins de semana, apenas. Vinha fazer um bico, ganhar um dinheiro qualquer nas cercanias, nos bares, cuja proliferação, de uns tempos para cá, tem sido crescente. Tomava conta dos carros e vendia jornal ou preparava o cachorro-quente e servia à clientela. Tinha, porém, a mania de me incomodar, quando a noite embalava a madrugada ou pela manhã, no domingo. Pedia um copo d’água bem gelado ou implorava um trocado, oferecia os jornais do dia, mesmo sabendo da minha condição de assinante ou inventava uma estória qualquer, de ladrão rondando a casa ou de suspeitos pela vizinhança vagando. Queria lavar o automóvel a todo custo ou fazer um mandado.
Não usava o nome próprio – ignoro seu prenome –, preferia o cognome e se apresentava assim, como Boy, simplesmente. À porta de casa, quando indagado de quem se tratava, respondia da forma mais sonora que pudesse: “É o Boy!” E de nada serviam as advertências para evitar os incômodos.
Certa noite, eu nem havia percebido a ausência do Boy, embora me admirasse da hora correndo e do silêncio no portão, tocou o telefone celular. Ora, esse apetrecho da modernidade é de muita valia nos chamados dias úteis, mas costuma deixar o penitente em paz nos feriados nunca inúteis. Atendi e na perplexidade do momento e identifiquei o meu interlocutor de ocasião: “Aqui é o tio do Boy!”
Imediatamente, antes mesmo de prosseguir no diálogo, fui ver se tinha jogado uma pedra na cruz, porque um padecimento desse só pode se reservar, mesmo, aos que apedrejam o crucifixo. Diga-me lá, meu senhor, perguntei: “Quem lhe deu o número deste telefone?” Não obtive resposta, antes ouvi, com igual perplexidade, a precisão do homem. É que morrera a avó do Boy, em cidade do interior, quando lá estava a passeio e um dos filhos, tio, portanto, desse personagem mais que folclórico, desejava trazer o corpo para o Recife. Gostaria, explicou, de contar com a minha colaboração, conseguindo uma camioneta e fazendo o transporte da urna funerária.
Pouco ou nada serviu a justificativa de não contar em casa com o veículo desejado e mais, o longo esclarecimento da ilegalidade dessa remoção. O moço insistia com o pedido, dizia tratar-se de uma caridade e se não tinha a condução pretendida, pedisse a um amigo, falava, para atender a uma família enlutada e chorosa, vivendo o pranto da perda. Confesso que não aguentei mais e terminei dando o número de outra pessoa, de um colega aqui das meninas, Alexandre de prenome, Fofurinha por apelido, passando adiante a questão. Fosse pedir a ele, que sendo dono de uma empresa dispõe de um veículo desse.
E o danado do tio do Boy fez a ligação, mas não teve a sua desdita bem interpretada. O rapaz, diante da solicitação, imaginou tratar-se de brincadeira e levou o seu interlocutor na graça. Mostrou caminhos e ofereceu remédios, na galhofa, sempre! Mandou que solicitasse da falecida a colaboração, ressuscitando por algumas horas, apenas, e deixando para morrer na segunda-feira, quando tudo é mais fácil, ou que pegasse um ônibus e viesse morrer no Recife. Ou aplicasse, na veia da “véia”, a melhor penicilina, para levantar-lhe as forças.
É dispensável dizer que o tio, filho da defunta, desligou o telefone na cara e foi se resolver de outra forma. E do Boy, verdadeiramente, não se tem notícias. Ignora-se o destino. Se vive hoje dos bens da falecida avó ou se aproveita a pensão da previdência e vai levando. O certo é que por aqui, nos domínios pombalinos, metade Boa Vista e metade Santo Amaro das Salinas, nunca mais apareceu. Graças a Deus, aos anjos e aos santos.
 
 
(*) - Um texto antigo, adaptado ao hoje dos dias, uma crônica pitoresco para o momento leve que se deve ter nesse intervalo de tempo, entre o Natal e o Ano Novo. Artigo reproduzido, de hábito, pelo jornal virtual "A Besta Fubana". Comente o leitor se desejar, no espaço mesmo do Blog ou para os e-mails pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com