sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O Natal

Acordei hoje ouvindo o trinar distante de um pássaro qualquer. Prestei bem atenção aos acordes e não identifiquei a espécie. Será um passarinho preso na gaiola, evocando a fêmea que ficou pra trás? Por certo que sim! Ou será um exemplar exótico trazido pra cá pelas mãos quase sempre cuidadosas de um exilado dos anos, como eu, que de minha cadeira ouço a melodia com os ouvidos da saudade? As duas opções talvez. Não conheço o trinar porque o exemplar é exótico, estranho aos meus ouvidos e aos ouvidos de todos.
Mas, logo depois, antes que o sol nascesse de todo, um bem-te-vi cantava a melodia que tão bem conheço: “bem-te-vi; bem-te-vi; bem-te-vi”. Eu estava sentado no meu canto e para mim a sonoridade tinha uma interpretação diferente: “é Natal!; é Natal!; é Natal!”. Ao fundo cantava um sabiá, dando o fundo musical ao anúncio do bem-te-vi. Era um sabiá-gonga, penso eu, desses que aparecem ainda no parque da Jaqueira, saudando os passantes.
E ao chegar na mesa dos meus escritos lá estava um e-mail de Harumi Royama, essa japonesa pernambucanizada, capaz de escrever em português fluente e suficientemente competente para dançar o frevo em plena Pracinha do Diário. Feliz Natal, é o que diz e eu me lembro de meus dias em Tóquio, assistindo de minha janela o verdadeiro revoar das pétalas da sakura, a cerejeira dos japoneses. Quando voltei, depois de 28 dias na Terra do Sol Nascente, as flores já tin ham surgido nas pequenas árvores das ruas.
Lembrei também de outros natais. Sempre lembro dessas antigas festas. De meu pai muito novo, as mãos dadas comigo, a passeio até o rio Capibaribe – o rio das Capivaras. De minha mãe, tão velhinha agora, condenada ao leito, nova e bonita, abrindo o queijo do reino e servindo a todos.



E eu pensava naquele tempo que todos eram bons! Não sabia que Caim se repetia a cada passo nesse mundo! De lança à mão, o velho algoz mata mais um Abel todos os dias. Eu era besta! Ria, quando Maria Baixinha cantava: "Quem faz o bem recebe sempre o mal...". Não fora isso que aprendera com os jesuitas. E muito menos em casa. Valem os amigos, aquele da cesta de Natal, que me abraçou pelo telefone, dizendo que não esquece do que fiz por ele. Mandou, em seu nome e em nome da irmã, uma bela cesta de final de ano.