segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Porta do Avião

Eu jamais poderia contar àquela moça, comissária de bordo do pequeno avião em que estava, as minhas experiências pregressas em aeronaves assim, com tão reduzida capacidade. Ela não compreenderia os meus traumas e as minhas tensões, diante de suas recomendações: “Senhor, por favor! Assuma a responsabilidade desta porta de emergência! Em caso de necessidade, puxe a alavanca, movimente para fora e abra!” Quase tomei um susto, confesso, arrependido de ter sentado junto à saída mais do que diferenciada daquele pássaro de aço. Mesmo assim indaguei, em tom de blague: “É preciso abrir esta porta a cada vôo?” E ela: “Não senhor, pelo amor de Deus! Somente em caso de necessidade!” Dessa maneira, então, assumi o encargo, daqui, do Recife, até a paradisíaca ilha de Fernando de Noronha. Não tinha outra alternativa. Enfim, precisava assistir à solenidade e voltar mais tarde, como fiz, neste exercício, às vezes complicado, dos meus encargos do agora.
Ora, que certa vez, sendo eu menino bem novo, com 5 ou 6 anos de idade, 7, se muito, acompanhei pai e mãe numa viagem ao interior de Pernambuco, a Pesqueira, imagino, ou a Nazaré da Mata, não sei mais. A verdade é que meu pai atendia a um convite do bispo local e foi disposto a fazer uma conferência, como aliás fez, para o clero e para os fiéis da cidade. Não compreendo a razão de sua opção pelo meio de transporte, sendo como era, realmente, uma pessoa que não suportava avião e chegava mesmo a ter medo das viagens aéreas.
Na ida, as coisas correram às mil maravilhas no teco-teco emprestado, de quatro lugares, somente, o piloto e o meu pai à frente, eu e a minha mãe atrás. No auditório, enquanto falava Nilo Pereira, eu descobri, sob o palco, os instrumentos da banda e não dispensei a sonoridade do bombo, causando o maior dos impasses para se ouvir a palestra. Na volta, todavia, sentia-me incomodado com o cinto de segurança a me apertar, fortemente. E como era levado da breca, tomei a decisão de me soltar sem dizer a ninguém. Mexi pra lá e mexi pra cá, até que dei com o trinco da porta, de cujo movimento esperava a almejada liberdade. Foi pior, abriu-se a porta nos céus e a aeronave quase volta à terra, fazendo cumprir a lei da gravidade. O piloto, entretanto, foi um herói e conseguiu fechar a abertura de saída, virando-se para trás. Não precisa dizer que levei um carão a duas vozes e que somente o comandante ficou calado como um coco, perplexo com a ocorrência, única, penso eu, em tantas horas de vôo. Fiquei inteiramente molhado, porque chovia muito e o aguaceiro dos ares entrou no teco-teco, lavando o avião e dando banho nos ocupantes.
Quando, afinal, chegamos ao antigo aeroporto do Encanta-Moça, a minha mãe rasgou a meia na descida, na asa da aeronave. Reclamou, de pronto, contabilizando a perda do adereço feminino, queixando-se do fio arrancado, que inutilizava, pois, a peça, de cujo preço igualmente se queixava. O meu pai retrucou, de logo: “Depois do que se passou, você vem reclamar da meia?” E eu, ator e autor da façanha, terminei perturbado com tudo, com a proximidade do acidente e até da morte – nem sabia direito o que era a morte! – e a meia. Acho que a inquietação de minha mãe me deixou mais preocupado que a porta do avião. Assim, no interior do Brasília em que viajei e onde recebi da comissária a missão de atender à emergência, lembrei-me de tudo isso e contei ao companheiro de poltrona, rindo do meu encargo naquela hora.
E o tempo passou. Essas coisas ficaram apenas na lembrança.

(*) Uma crônica antiga - será que eu não sei mais escrever -, do tempo em que estava na administração da Universidade e precisei viajar a Fernando de Noronha. Leia o texto o amigo leitor e comente o fato no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com