segunda-feira, 2 de abril de 2012

Boa Páscoa

Quando chegava a Páscoa, nos meus anos de criança, a minha mãe selecionava os melhores e maiores chocolates que encontrava. Não havia essa neurose de hoje com a gordura e toda gente se deliciava com as guloseimas. Só que ela, como sempre fez, escondia os ovos em vários lugares da casa. Um ovo para cada um dos filhos e tempos depois um desses apetitosos acepipes para cada um dos netos. Era uma festa, com a meninada, nos dois casos, procurando o que imaginava ter direito nesse latifúndio do cacau.

Na mesa dos dias santificados não entrava o peixe que toda gente costumava se abastecer. Afinal, o meu pai tinha tido uma reação brutal, quase morrendo, depois de um jantar no qual foi servida a nossa cioba. Essa espécie de peixe, aliás de ótimo sabor, comia uma alga em Fernando de Noronha e chegava no Recife, com a capacidade de intoxicar os penitentes que degustassem o prato. Hoje, dizem os entendidos, ainda ocorre isso, só que nos mercados públicos predominam ciobas pescadas aqui mesmo. É o que explicam!

Mandava-se uma empregada à venda da esquina, onde pontificavam figuras como Seu João, o dono do estabelecimento e Seu Erasmo, que a minha mãe nomeava de “interessado” no negócio, isto é, um quase sócio, para a aquisição do bacalhau bem cuidado. Comprava-se o salgado exemplar dos mares e se cozia segundo o costume. Sucede que ao tempo comiam bacalhau os pobres de Jó e não se costumava ter à mesa dos remediados da sorte essa comida de pouco valor. Assim, era importante que a empregada explicasse toda a desdita de meu pai, antes do trazer o peixe do oceano enorme. E dessa forma fazia!

Na quinta-feira, embora dia santo de guarda, não havia Missa. Antes, nas paróquias do Recife, os curas se ocupavam do lava-pés, repetindo o Cristo que tomou a si igual missão, diante de seus discípulos. Era dessa maneira na Soledade, onde pontificava o Monsenhor Francisco Sales, muitas vezes falado nesse espaço, Camareiro Papal e Doutor em Teologia. Era dessa maneira, também, na Igreja da Piedade e por certo na Matriz de Santo Antônio, na qual vivia o Padre Severino Nogueira, conhecido como o Vieira tupiniquim, tal a cultura de seus sermões.

E a sexta-feira amanhecia em trevas. As emissoras de rádio tocavam músicas fúnebres ou, quando muito, as partituras eruditas de autores clássicos. Não se podia cantar em casa e muito menos assobiar. O Cristo, em enorme gravura no quarto de estudos de meu pai, “a jaula”, como ele chamava, parecia repreender quem se arvorasse em cantarolar ou em emitir um silvo por entre os lábios. Aliás, a minha avó – fui criado com vó – não admitia isso, em qualquer que fosse o dia ou a hora. Achava um absurdo seus netos, gente da melhor elite, deixarem escapar silvos estridentes de seus lábios.

O sábado de aleluia, não era propriamente de aleluia, haja vista, o fato de que ninguém deixava que a meninada fosse ao baile. A verdadeira aleluia seria no domingo, por conta da Ressurreição do Cristo. Ai sim estavam todos liberados, desde que depois da 3 horas da tarde, mas ai não havia mais frevo no pé. Só tinha uma coisa boa que atraia a molecada: era a sangria que meu pai servia no almoço.

Boa Páscoa a todas e a todos!

Crônica escrita na segunda-feira da semana santa. Uma retrospectiva do que foi este mesmo período nos anos de calças curtas. O texto é reproduzido, de hábito, pelo jornal virtual Besta Fubana. Para comentar use o espaço mesmo do Blog ou o faça para: pereira@elogica.com.br ou pereira.gj@gmail.com