domingo, 31 de outubro de 2010

Os Macacos da UTI

Corria o ano da graça de 2005, era o mês de janeiro e eu estava doente, tinha duas vértebras fraturadas e uma dor constante, forte e incômoda. Eu não podia, sequer, me levantar da cama e até as refeições fazia deitado. Comia o arroz com feijão de colher e ainda tinha que acrescentar a carne, que vinha cortadinha para facilitar a ingestão. Os médicos se dividiam e não havia um diagnóstico definitivo. Com uma suspeita de câncer, não queriam me operar, de nada serviria me reparar a coluna, porque a morte viria de logo. A verdade é que nada havia de tumoral e eu encontrei um profissional abnegado que assumiu o risco de minha operação. Depois de 13 horas no bloco cirúrgico, eu estava um caco e quase morro na UTI. Ou eu já cheguei no hospital virado num caco.

Mas o trágico ou o quase trágico tem o cômico para se contrapor e é o que conto agora. Ansioso como me encontrava, fui medicado pelo plantonista com um produto farmacêutico que me fazia delirar ou mesmo alucinar. Eu já sabia a cor do comprimido e as horas de minhas viagens farmacológicas. Era um horror! As coisas começaram na UTI mesmo e eu lembro de ter visto na porta de entrada um grupo de japoneses que trabalhava comigo na universidade, chegando para uma visita. Gritei de lá, de meu leito: “Deixa entrar! São meus amigos!”. Não entraram! Foram barrados, como vi em minhas divagações fantasiosas. Reclamando da enfermeira – não sei se reclamei de verdade – soube que ela havia guardado os cartões dos pretensos e virtuais visitantes. Os japoneses onde chegam deixam cartões! Eles nunca foram lá, soube depois.

O pior é que via sempre um dos auxiliares de enfermagem numa parte superior da enfermaria, avarandada, uma criação de meu imaginário, de onde fazia caretas para mim e de onde ameaçava inundar tudo com a água que podia manipular dali. Era um sofrimento danado e não adiantava tirar os olhos, porque mesmo assim o via em cada posição de meu olhar. Eu vinha causando um transtorno grande no lugar e reconhecia isso, mas a ansiedade era enorme. Sendo assim, de hora para outra, a televisão coletiva passou a exibir caracteres, forjados em minha imaginação, que recomendavam calma, tranquilidade e serenidade. Que eu me calasse e deixasse de incomodar os outros. Aquilo ali era uma UTI, todos estavam doentes, uns mais e outros menos, mas eram todos portadores de alguma injúria orgânica, por isso não aguentavam mais as minhas reclamações e as minhas queixas.

No quarto, em certa ocasião, minha mulher chegou para dormir comigo e eu estava trombudo, fisionomia fechada, calado, ensimesmado. Ela indagou o que se passava e eu expliquei: “Você foi hoje à televisão Globo e mostrou o seu livro no programa de Ana Maria Braga. Gostei do título, mas não precisava dizer que é casada com um Reitor e que eu tinha uma amante, dando o nome de uma ex-namorada minha.”. Ela levou na brincadeira e fez tudo para que eu dissesse o título de seu livro nessa alucinação do cão e eu não disse. Mas, não aceitei naquela noite que ela dormisse comigo. Afinal: “Todos estão ai fora comentando que eu estou doente, você fica comigo e eu tenho uma amante lá fora! Não dá!”.

A do médico que fez o meu ecocardiograma eu já contei por aqui, mas vou repetir. Não sei porque cargas d’água achei que estava em Lisboa e disse ao profissional: “Ilustre colega lisboeta: como explicar a rapidez com que cheguei aqui? Imagine que Cabral levou meses de Lisboa ao Brasil e eu quase não precisei esperar para aportar por cá?”. E ele, muito admirado com a pergunta, respondeu: “O seu médico lhe explicará tudo!”. Mas, como achei que estava numa fila de espera, na qual havia um cachorro, também, ainda indaguei: “Por favor! Onde está o cachorro que me antecedeu aqui?”. A resposta foi a mesma: “O seu médico lhe explicará tudo!”. Falando em bicho, ainda na UTI, identifiquei nos bolsos de um enfermeiro filhotes de macacos bem aconchegados. E na hora da visita disse a minha mulher: "Cuidado! Esse enfermeiro leva dois macacos nos bolsos!". É demais!

Quando identifiquei a droga que me causava essas estranhas manifestações, pedi ao médico que suspendesse. E assim foi feito! E eu voltei ao normal. A verdade é que tendo visto a morte de perto, passei a dar um valor extraordinário ao exercício da vida.

VIVA A VIDA!

 
(*) - Escrevi o texto como forma de mostrar aos leitores que nem tudo está perdido quando assim parece. E que a vida vale a pena, mesmo quando se tem limitações.Eu venci e hoje trabalho como nem sei o que, escrevendo o dia inteirinho.  Comente no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com
 




sábado, 23 de outubro de 2010

Chove lá fora

Amanheceu em Aldeia! É sábado! Um sábado de outubro! E o tempo é outro: chove lá fora. O ar do mundo está friorento e a umidade que acaricia meu corpo faz arrepiar os poros. Cortei o mamão que ontem comprei em dois e expus a banda mais suculenta para que os pássaros de meu jardim venham bicar. Uma ave azul – linda! – já se aproximou e desconfiada, saltitante, começou a quase roer a fruta. Uma saíra, ensina Harrop. Ontem à noite, quando percorria as ruas do condomínio e já havia uma aragem friorenta, vi quando uma raposa atravessou o caminho com os olhos esbugalhados, correndo da agitação que os forasteiros, como eu, promovem por cá. Uma agitação urbana, incompatível com a ruralidade do lugar ou o inteiramente campestre dessas paragens.

Sentado no alpendre deixo-me deliciar com essa manhã em tudo diferente. Chove uma chuva gostosa, de pingos esparsos, segmentos curtos das águas do céu. O firmamento está completamente nublado, como se houvesse nos ares do mundo uma ameaça nunca velada de tempestade à vista. É possível que ainda hoje, diante do abafado desses últimos dias, possa trovejar e relampejar, recriando cenários de meu pretérito, dos meus dias de infância, momentos molhados em terraços do ontem. Há um aconchego da natureza em relação a meu ser, é como se esse entorno maternal me abraçasse, me tomasse por inteiro, me embalasse em velhas cantigas, antigos cantares de quem já não pode mais com a própria lucidez: minha mãe!
E à medida que escrevo a temperatura vai baixando mais e mais. Não resisto à tentação e vou bisbilhotar o meu termômetro digital: 23,13ºC. Faz anos não vejo registro assim, tão baixo, em terras tupiniquins. Sinal dos tempos! Ninguém sabe o que será deste Nordeste sofrido com o aquecimento global, se o sertão há de virar mar e assim materializar a profecia de Gonzaga ou se aquela afirmativa de cunhado meu, de que pescaria sentado nas Ruças vai vingar. Ora, quase não há mais ruça nesses rincões, senão hoje, nessa manhã de um outubro assim, tão diferente. Essa chuva que chove veio para irrigar com o húmus dos céus as plantas de casa; as grandes árvores do terreiro e a grama do jardim ou as cestas que pendem em meu alpendre. Há uma alegria vegetal em cada um desses seres, respondem às águas que caem com acenos curtos também ou com longos cumprimentos verticais, baixando-se ao tempo que mudou.

Quem estava abafado era eu, não o tempo, com a grosseria daquele homem que na boquinha da noite de ontem, quando, inadvertidamente, tomei o seu lugar para comprar o pão, só não me agrediu porque a ele não dei ouvidos. Ora, meu caro, quase digo, não seja tão rude, os seus direitos serão preservados, mas tenha paciência com o semelhante. Essa manhã, francamente, me curou as mágoas!
 
(*) - Um texto parido d'alma, nesta manhã de 23 de outubro, quando uma chuva fina caiu em Aldeia, região metropolitana do Recife, no Nordeste do Brasil, esfriando o tempo, molhando a terra e fazendo as plantas agradecerem em cumprimentos curtos e longos. Comente o leitor no espaço mesmo do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Bica do Aurélio

Quando me matriculei para estudar com os jesuítas, fui posto numa sala sob as ordens de um irmão leigo, nascido em Portugal, homem de um sotaque muito forte. Ele mandou que a classe fizesse um ditado e eu tirei zero. Chegando em casa, disse a meu pai que não ia mais ao colégio, porque eu não entendia o que dizia meu professor. Como exemplo, mostrei que o meu sobrenome - Pereira – era pronunciado por ele como: Preira. O meu pai, de forma muito paciente, sentou-se comigo e falando como se fosse um português, mostrou exatamente como deveria entender o falar tão peculiar daquele homem. E assim foi! Terminei aceitando e admitindo as diferenças.

Pior do que isso foi aquela peça de teatro a que compareci já adulto e barbado; peça que integrava um programa de cooperação bilateral com o título de: Cumplicidades. O teatro estava com meia lotação, pouco mais ou pouco menos, e toda a plateia foi chamada a se acomodar no palco, um fato inusitado. Eu não entendia nada, mas um colega meu, velho amigo dos tempos de colégio, acompanhava com vivo interesse os diálogos. Não hesitei e cheguei junto indagando-lhe: “Henrique! Você está entendendo?”. No que ele foi sincero: “Absolutamente nada, senão que o cachorro da família chama- se “Leão”. Era isso que eu tinha entendido e nada além disso. Resultado, sai do teatro sem saber do enredo ou da narrativa.

Mas no domingo que passou estava eu bem acomodado no restaurante do Bosque, aguardando a frango desossado que havia pedido e a cerveja bem gelada do Ronaldo, quando chega um português do Algarve, Aurélio de prenome. Senta e se apresenta aos que não o conheciam ainda: “Eu sou o homem que deu nome à bica: Bica do Aurélio!”. E ai passou a contar o fato que lhe aconteceu. É que tendo sido homenageado com o batismo dessa fonte d’água, vez ou outra se depara com uma história diferente. É gente que vai por lá em busca de um milagre dos céus ou gente que vai aproveitar o benfazejo lugar para se refazer de um achaque qualquer.

No caso em particular, estava ele fiando conversa com Biu, debatendo com o cinquentão as agruras da vida a dois, considerando que só agora o quase gestor do condomínio vai casar, quando chegam duas senhoras bem afeiçoadas. Cumprimentam a todos e reclamam do gerente a limpeza da Bica do Aurélio, onde costumam rezar, à falta de quem as leve a São Severino dos Ramos. Rezam, sobretudo, disseram, pela alma do Aurélio, homem bom, com o espírito voltado para o semelhante, idealizador esforçado daquela fonte. Chegaram até a sugerir fosse o aludido senhor indicado para a condição de santo nos altares da Igreja. Elas podiam, inclusive, trabalhar essa iniciação, abrindo o processo de canonização na Arquidiocese. Biu não se conteve e disse: "seu Aurélio é este senhor". Não precisa dizer que a perplexidade quase as fez desmaiar. Mas, de toda forma, o Jackson já começou uma movimentação para a entronização do Aurélio, em vida mesmo, num altar qualquer do Bosque.
E o garçom Catraca, apelido que vem de longe, em função de um ruído em tudo semelhante à peça que movimenta uma bicicleta, forjado pelo abrir e fechar da mandíbula, foi desarrumando a mesa, ajeitando a toalha surrada e recolhendo os pratos. Afinal, precisa se preparar para a viagem que fará a Juazeiro do Padre Cícero, onde vai rezar de joelhos pela conversão dos pecadores e pela saúde da gente que conhece, incluindo meu nome no meio. Deus o leve, seu Catraca, invocaram os circunstantes, desejando ao peregrino que penitente também é, uma boa viagem de ida e de volta.

No meio dessa conversa toda, o Jackson disse que vai também criar um Blog e fazer companhia ao escriba aqui. Deus o ouça, disseram todos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Criado com Vó

Os meus leitores sabem, de cor e salteado, que fui criado com Vó. A minha avó paterna morava conosco, ela e uma irmã, a tia velha, como chamava. Ela, reconheço de bom grado, me adorava, não podia ver nada que me incomodasse, um carão ou um castigo das determinações paternas; mãe e pai sempre ciosos de minha educação, embora inquietos com o meu próprio futuro, inseguros, talvez, com as orientações que me davam e o meu desiderato de vida: levado da breca como era. E quando a minha avó, Beatriz de prenome, descobriu que eu estava namorando uma moça de minha rua, não suportou a precocidade do neto, aos 13 anos incompletos:

- Nilo! É o seguinte: Geraldo está namorando uma moleca de rua, que pinta os olhos.
 
O meu pai ficou meio atordoado, por certo não estava, ainda, preparado para a iniciativa do filho, a de namorar a jovem, linda como era, e sobretudo uma pioneira nas coisas femininas, capaz de se maquiar com um traço na pálpebra. Não era moleca de rua, era uma moça precoce, também, nas coisas do amor e das paixões, com quem namorei sete vezes e sete vezes ela acabou. Eu ficava tristonho com a ruptura e dois ou três dias depois ela ligava a radiola e fazia o vinil tocar Diana: “Não te esqueças meu amor/Que quem mais te amou foi eu/ Sempre fui o teu calor e minha alma aqueceu...”. E eu, feito um bestalhão, subia na janela do banheiro e prometia voltar. Ou ela fazia o equipamento antigo tocar: “Volta/Vem rever nossos jardins/Vem amor...". Era um fuzuê do cão, porque logo em seguida íamos passear de bicicleta no quarteirão. Numa das vezes, lembro-me bem, havia prova de História do Brasil no outro dia e eu tinha que ler a matéria no livro de Borges Hermida. Era tudo ou nada, tinha que decidi! Resultado, tirei zero.

Fui convocado para uma reunião no gabinete de meu pai e ouvi uma das mais sérias reprimendas de minha vida. Coisa mais ou menos assim: “Eu sou professor de história e você tira zero em sua prova? O que dirão os meus alunos? E os meus colegas?”. Eu ouvia calado a repreensão e achava que ele tinha mesmo razão. Prometi melhorar pela décima vez, talvez, e não houve jeito.  Assim que eu era escalado para ir ao túmulo de Dom Vital, sobre quem o meu pai vinha estudando; ir ao túmulo para pedir, de mãos postas: “Dom Vital: fazei que eu melhore, meu pai não aguenta mais!”. Eu não entendia bem porque ele não aguentava, mas não cabia perguntas ou indagações, cabia fazer e fazer era rogar ao bispo a graça da melhora. E eu nunca melhorei! Eu tinha horror ao padre, quase um santo, por não atender aos meus pedidos e depois ficava com a culpa desses horrores.
 
E a pobre da minha avó – coitada! Deus a tenha! – plantava as mudas de mamoeiro no quintal e todos os dias cuidava em regar mudinha por mudinha. Pois no futebol da tarde, quase sempre, a bola quebrava uma dessas plantas. Eu corria e mais que depressa fazia o reparo com fita adesiva. É claro que nunca obtive êxito nessa tentativa de restaurar. E ela, com a sua vista curta, reduzida pela catarata, ainda dizia: “Parece que está murchando!”. Mas, se contentava em saber que na verdade sentia a mudança de lugar, a troca do substrato. Certa vez, estava lá por casa Moisés, meu amigo de infância ou seu irmão, Mozar – Mozar sem o “t”, insistia -, igualmente amigo e um canário caiu morto às custas de um tiro de bodoque. Minha avó deu a perereca, mas um deles foi em casa, trouxe outra ave e tendo colocado dentro de uma quenga de queijo do reino deu umas pancadas e considerou o pássaro ressuscitado. E a minha avó aceitou o milagre.
A última história já contei por aqui, mas vale a repetição. É que o meu pai estava dependendo de uma nomeação do governo e o ato sai hoje, sai amanhã, nunca sai. Ela me chama e diz: “É a pombinha que você está criando! Ela dá azar!”. E eu triste, quase assumindo o dano, ainda indaguei: “A pombinha? Não! Não é! Não tem nada a ver!”. Mesmo assim dei o bichinho e no outro dia, creia o leitor, a nomeação foi publicada e paz voltou a reinar. Eu ainda perguntei se podia buscar de volta a pomba, mas ela foi irredutível: “Não! De jeito nenhum! O seu pai vai perder o emprego!”.
 
(*) E o menino levado da breca, traquino, peralta, hoje está se preparando para lançar mais um livro - o último - do historiador ilustre que foi meu pai. Ninguém imagina o quanto aprendi com a leitura e as várias releituras de "A Revolução Peregrina e Outros Estudos". Fiz diversas revisões. Foi bom ter feito isso, tomar essa iniciativa, porque pude introjetar mais ainda o quanto de saber havia naquela criatura: meu pai. O leitor que comente e o faça aqui mesmo no espaço do Blog ou escreva para os e-mails: pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com  

domingo, 3 de outubro de 2010

Velhos Corredores da Juventude

Velhos corredores esses, os de minha escola, os da antiga Faculdade de Medicina. Corredores de minha juventude, sacrários dourados da prata da vida, de quem como eu continua sendo um corredor de obstáculos, saltando-os a intervalos incertos de tempo. Há sempre mais um, no dia a dia da gente! Não os posso percorrer - os corredores -, agora, encorpado pela carga da beca e o peso do cargo. Adulto, amadurecido no carbureto da existência, trago o cabelo pintando e o corpo vergando; são as marcas das horas difíceis e o translúcido sinal da responsabilidade vivida. Vivida com a própria vida, mas vivida, também, com sofreguidão, com vidas por outros vividas. Ah, momentos de tanta tensão!
Ando, de um por um, os corredores todos, analisando cada recanto: aqui se fiava conversa e ali, numa tarde morna de abril, um amor restou fiado, em juras que foram desfeitas e promessas nunca cumpridas. Entro e saio das salas de aula como se fora, pelo menos em espírito, aqui e agora, o adolescente, quase, de vinte anos de idade. Faço dessa manhã ensolarada a moldura de minha nostalgia. Há tempo pra tudo, tempo para amar o presente e tempo de querer bem ao passado. Não importa que vá a uma reunião, mais uma, dentre tantas de meu ofício. Dispenso hoje, somente hoje, o direito à palavra e ao aparte, como dispenso a questão de ordem e o dever do voto a cada ponto da pauta. Antes, desejo a democracia de meu interior, deixar o pensamento vagar em devaneios, preenchendo esses etéreos e bucólicos espaços, limitados, simbolicamente limitados, por paredes que aprisionam as minhas saudades. Eis o pranto do silêncio consentido.
A escola é a amante dos tempos de menino, imaginária, às vezes, como tantas outras coisas neste mundo de Deus, mas bela de rosto e bonita de corpo. Inesquecível, mesmo que envelheça a face e quebre o desenho das formas. O amante que se entrega, depois se desintegra, porém a amada fica, no mesmo lugar, impávida, plantada com a força do pinho, assistindo a todos e a tudo em sua volta. Outros amantes chegam e do mesmo jeito, furtivo, se vão! Continuam, à distância, quase sempre, cantarolando-lhe versos de amor, os quais são poemas da saudade. Vez ou outra, como agora, vivem a fantasiosa ilha do reencontro.
Mas, os meus professores, em maioria, estão na tumba, dormem o sono do imponderável. Um ou outro cruza comigo neste caminho do devaneio. Trazem as fisionomias sulcadas, de tantas e tantas lutas no quotidiano da vida. Os funcionários, também, sofreram a estranha metamorfose da existência, envelheceram implacavelmente. Até alguns colegas se foram no éter do desconhecido! Gente nova, ainda, pra entregar ao Criador a alma nascida e criada no dia após dia do sofrimento dos outros.
Corredores repletos, estes, movimentados de gente que vai e vem. São alunos que cumprem a transitoriedade acadêmica da vida universitária ou são mestres de gerações recentes, jovens, dinâmicos e apressados, no permanente mister de transmitir o conhecimento. Corredores repletos, mas vazios para mim! Não circulam mais os professores do meu tempo e não há aquela algazarra conhecida do alunato de tantos anos pra trás.
Velhos corredores, estes, os de minha juventude.