sábado, 9 de maio de 2009

Boi em Terra Alheia

Nasceu em Madri o meu neto – Pablo de prenome –, como não poderia deixar de ser, compareci ao grande acontecimento. Evento, aliás, que se deu a 1º de maio, Dia do Trabalho, pelo que o extenuante trabalho de parto não obteve a finalização desejada – afinal era um feriado –, senão a partir de uma cesariana. A criança, então, só veio ao mundo depois de 6 horas da mãe internada, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas, como parece ser a sina das mulheres. E muita água passou embaixo da ponte no intervalo de tempo. Em outras palavras, muita coisa pitoresca foi vista por mim e anotada, para posterior publicação neste espaço de crônicas. O neto é fofo, posso dizer, com todo “abestalhamento” a que têm direito os avós, no dizer de amigo meu; amigo, iclusive que me falou que esse exercício, o de se avô, nada mais é do que o avunculato. O meu pai dizia que estava com netite. Veja só o leitor!
Mas, sentado na chamada sala de espera eu aguardava ansioso, junto com minha mulher e os pais de meu genro, enquanto ele acompanhava a esposa na sala para tanto destinada, observando os passos alheios, no mais amplo sentido da palavra. Lia o jornal El País, ao que sei um dos mais importantes de Espanha, particularmente interessado na gripe suína, de cuja virose eu tenho mais medo que o diabo da cruz, mas enquanto isso uma senhora a meu lado espirrava feito uma desadorada. Mudei de lugar e não adiantou, porque outra mulher associou-se à primeira e tossia como uma porca acometida da nova gripe. Eu só faltava endoidar, saltando de cadeira em cadeira, para me livrar desse risco. Mas, na Espanha, caro leitor, ninguém se livra. Ontem no ônibus de turismo a cobradora sustentava um lenço de papel nas últimas, assoando o nariz em minha proximidade, enquanto eu, no exercício pleno do avunculato, me encolhia pras bandas de minha mulher.
Havia um enfermeiro – auxiliar de enfermagem, como imagino – que corria de um a outro lado da sala feito uma bala, como se lá por dentro alguma coisa de grave estivesse acontecendo. Todos acompanhavam o enlouquecido homem com a cabeça, seguindo-lhe a rapidez dos gestos e comentando uns com os outros. Comigo e com a minha mulher não havia forma de trocar palavras. Eles falam de uma maneira muito rápida e não há quem acompanhe, senão pedindo que fale mais lentamente, palavra por palavra. E o pior é que ficam pensando que somos italianos, sem perder a oportunidade de indagarem: “Son italianos?”. “No! Brasileños!”. Ora pau!
Por cá, a obesidade é um horror! Muita gente com bengala e gente que anda com dificuldade por conta da enormidade do corpo. Na maternidade, um homem manco acompanhava uma mulher imensa de gorda, que andava remando, como aquelas que conheci menino; as quais sendo bem feitas de corpo e jovens, eram também gordas: as albacoras. Nunca esqueci essas figuras e o meu amigo Moisés, o bíblico, de quem vez ou outra tenho falado, sempre me faz lembrar delas, declinando até os nomes de cada uma. Não fala da balzaquiana que trabalhava nos Correios e morava pras bandas da Gal. Semeão. Vivia sozinha, isolada, talvez apartada de seu velho amor, inclinando-se para os meninos das ruas do entorno. É isso ai!
Nascido o menino, cuja semelhança uns dizem que o faz se aproximar da família do pai – Herraz de sobrenome – ou comigo, no entender de outros, fomos assistir a uma encenação em praça pública. Eram soldados franceses que então dominaram a Espanha, sendo expulsos pelos espanhóis revoltados com a supremacia das forças gaulesas. E havia canhoões que disparavam festim. Fiquei curioso e fui ver uma dessas peças. Pra que fiz isso? Um dos atores veio em minha direção e mandou que me retirasse dessa proximidade arriscada. “No puede!”. E eu sai com rabo entre as pernas, lembrando o guarda da Sucam, que me disse: “Doutor! Boi em terra alheia até as vacas lhe dão!”.É mesmo!
(*) - Crônica escrita em terras espanholas, sob uma temperatura amena de 23ºC, se muito. Mas, necessariamente, sob os acordes de uma músicalidade particular e peculiar: o choro de Pablo, meu neto espanhol.