segunda-feira, 4 de maio de 2009

Cachorra de Circo

Lá por casa, desde que constituímos família e as crianças chegaram, temos um cão de estimação – pelo menos um –, às vezes chegamos a dois e em certa ocasião marcamos um recorde próprio: três cães. Confesso que não gosto desses animais e preferia a vida sem eles. É que sujam tudo, estragam, tantas vezes, os estofados e até incomodam o sono, quando não são incômodos pela própria natureza. Como aquele, uma Miniatura Pinscher que me encurralou no terraço de casa e me fez escalar uma das grades, tal a agressividade do animal e o seu ódio de ocasião contra mim. Subi naquela armação de ferro para me livrar de uma mordida, realizando uma prática que há muito não fazia. O bicho, doado de logo, foi transferido para uma fazenda enorme, mas os donos não resistiram à ferocidade e o sacrificaram. Coitado! Também não era preciso chegar a tanto.
Outro, classificado como vira-lata, de nome Yuri, era um Fox Terrier vagabundo, misturado com toda a sorte de animais de rua. Não podia ver uma cadela que se insinuava e saltava qualquer que fosse o portão ou qualquer que fosse o muro. Fez isso muitas vezes. Em certa ocasião, deixado noutra moradia, há coisa de 3 quilômetros de distância, se pouco, amanheceu morto de cansado em casa. Quando ouvi que arranhavam a madeira do portão, entendi que o bicho tinha voltado e lhe abri a entrada com todas as honras. Foi ele que compareceu a uma solenidade onde eu estava, na mesa, apresentou-se com o focinho forçando a porta entreaberta e me fitou demoradamente. Temi que entrasse e viesse deitar-se a meu lado, fazendo-me companhia. Na saída, o flanelinha indagou: “É do senhor?”. Respondi com remorso: “Não!”.
Uma cadela com nome muito usado pelos travestis – Kelly –, negra da cor, amancebou-se com um semelhante branco feito a neve, parindo uma ninhada de filhotes misturados, de uma única tonalidade: brancos e pretos. Só um desses tinha as duas cores a uma só vez, mas a vida lhe foi precocemente roubada e o bichinho feneceu. Era um bicho agastado, de gênio ranzinza. Foi não foi estava rosnando. O animal envelheceu tanto que na conta dos homens passou dos cem anos.
E por aqui, em Madri, onde me encontro, vivendo um convívio novo, com o neto Pablo e uma condição, igualmente, neófita, a de avô: há uma cadela de nome Nala. Com facilidade atende às ordens: Basta dizer: "Cachorra de circo!". E a bichinha sai correndo por cima dos estofados, do sofá e das poltronas, qual cadela amestrada em trupe de boa origem.
(*) - Eis uma crônica que escrevi em Madri, sob um frio modesto, de 20ºC, se muito, mas sob a satisfação de ter minha filha quase recuperada e o meu neto Pablo a todo vapor. Comente se desejar, neste espaço mesmo ou comente para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com