Quando eu era
menino e usava calças curtas, gostava de fazer escavações no quintal de casa!
Tomava a colher de jardineiro com que minha mãe cultivava as rosas do jardim e
cavava o que podia lá no fundo do terreiro. Mal começava a operação, já minava
água por todos os lados, assegurando-se, então, mais e mais, as origens do
Recife, plantado sobre os manguezais dos outroras. Mas, na minha cabeça e no
meu imaginário de criança era possível chegar ao outro lado da terra, abordando
o Japão, assim, de forma tão artesanal. Fantasiava que de repente, não mais que
de repente, um homem de olhos apertados ou uma mulher bonita, de feições
orientais, surgiria dos fundos daquele buraco, emergindo nos meus domínios,
naquela ambiência das minhas divagações lúdicas. Não imaginava, também, que um
dia tomaria o aeroplano das invenções nacionais e dos sonhos de Santos Dumont e
rumaria à Terra do Sol Nascente. Pois é, amigo leitor, viajei, cumprindo o
inverso da trajetória infantil e vou surgir nas distâncias nipônicas, dos céus,
ao contrário de minhas fantasias, de telúricas emergências. No aeroporto, a
minha mãe, no habitual das coisas e das despedidas, disse: “Deus o leve!”.
Depois, lembrou-se que por lá, nas friorentas paragens do Oriente, quem manda é
Buda e fez o reparo: “Buda o traga de volta!”. Saiu-se bem e foi política,
sobretudo, agradando às duas correntes, das crenças e da fé!
Tenho sobre
os meus ombros, maduros, agora, a missão de observar o sistema de saúde, as
razões pelas quais o Estado pode sustentar a chamada atenção universalizada,
oferecendo a toda gente, independentemente da classe social, a merecida
assistência às injúrias do corpo e da alma, que acolhe o psiquismo humano. Como
devo, de igual modo, visitar as instituições acadêmicas, conhecendo o evoluir
das pesquisas no campo da doença, principalmente aquelas de natureza infecciosa
e de cunho parasitário, objeto de meus estudos, também, há tantos anos. Vou
rever, da mesma maneira, companheiros que estiveram no Recife em tempos
pretéritos, iniciando o intercâmbio na década mágica dos anos sessenta, quando
por aqui aportaram os desbravadores dessa ligação tão forte, já, no âmbito dos
males dos trópicos e da implementação do sistema de atenção à saúde tupiniquim,
embrionário, ainda. De trem bala, então, viajarei, pra lá e pra cá, cumprindo a
destinação da missão! Não significa, porém, que perca as minhas características
de observador simples do cotidiano das coisas e dos costumes. Das pessoas,
sobretudo, da criatura humana plantada de forma diferente, sempre, em cada
recanto do globo, mas, com as mesmas qualidades e com as mesmas fragilidades da
condição de gente, apenas, sujeita às intempéries do mundo de fora e do mundo
de dentro, dos interiores, pois!
Quando a
segunda-feira nasceu - o dia 3 de março -, parida das entranhas do feriado de
fim de semana, na madrugada, ainda, em São Paulo, tomei o Jumbo da JAL e pelos
ares do mundo faço como o poeta: Vou danado pra Catende/Vou danado pra
Catende/Com vontade de chegar... Cuido em levar, a tiracolo, os agasalhos todos
de que disponho e os que dispõem, igualmente, os amigos diletos, os meus
companheiros de batente, da faina diária, os quais têm mais horas de vôo e se
habituaram, já, à lã e à linha dos casacos de frio. Pela Internet, todavia,
comuniquei-me com brasileiro largado pra aquelas bandas e soube de seus
tremores quando o dia amanhece em Tóquio e confesso os meus temores. Ora, sou
nascido e criado no calor dos trópicos, acostumado ao suor pingando no rosto,
de dia e de noite e costumo bater o queixo diante das temperaturas baixas ou
abaixadas. Não ligo o condicionador de ar, senão no mínimo da potência, puxando
o lençol, de logo, pra cima de mim, isolando-me do vento e da aragem
artificial. Imagine ao natural!
Depois, à
volta, hei de escrever as impressões de viagem! Fazer, como toda gente que se
preza e ensaia a arte do registro, um diário, assinalando as benesses e os
tropeços.
Texto escrito em 1996, logo que cheguei a Tóquio e me instalei no hotel do governo, para tanto destinado, isto é voltado para a hospedagem de convidados da gestão.