sexta-feira, 22 de maio de 2009

Treze Espirros

Para mim a mensagem do chefe da tripulação de cabine daquela aeronave em que voltava da Europa, onde deixei a minha filha e o meu neto, não me surpreendeu. Surpreender-me-ia – Isso sim! – ter atravessado o Atlântico sem nada de inusitado, ou melhor, sem acontecer nada diferente durante a quase aventura de romper os ares do mundo. É interessante! Nunca ouvi o chamado rádio de bordo convocar um advogado entre os passageiros ou um engenheiro ou ainda um psicólogo. Assim: “Atenção! Atenção, senhores passageiros: se tiver algum advogado entre os passageiros, favor apresentar-se à tripulação de cabine.”. E diante de um profissional do direito, solicitar os seus préstimos para dirimir dúvidas em torno das normas internacionais: o que pode e o que não pode! Até para patrocinar uma causa de repentina ruptura dos laços matrimoniais, haja vista a possibilidade de um desentendimento recente entre os parceiros de um casamento.
Costuma-se convocar, muito frequentemente, um médico, dentre os que se incluíram na aventura de voltar para casa ou na peripécia de vestir-se com a roupagem de um turista e voar para conhecer novas terras. Mas, sequer, perguntam pela experiência do profissional de Esculápio assim chamado. Comigo, por exemplo, nada indagaram a propósito. Se já tinha atendido alguém nessas circunstâncias, justamente no momento em que o almoço foi servido e havia um bacalhau à moda portuguesa olhando de cara para mim. Se fosse inquirido, teria a resposta na ponta da língua e diria de logo: “Entre o Recife e o Rio de Janeiro atendi um senhor de idade avançada e o infarto agudo do miocárdio o fez falecer!”. Já seria alguma coisa, em meu Curriculum Vitae de profissional versado em casos aéreos. Nada indagaram, antes o contrário, apenas me indicaram um doente passando mal em poltrona quase no final da aeronave.
Mas, quando ia andando para a minha apresentação formal, um colega ainda não conhecido por mim, olhando a minha passagem, um tanto quanto tímido, verbalizou: “Eu também sou médico!”. Lembrei de certo programa de televisão, comandado por Goulart de Andrade e não hesitei: “Vem comigo!”. E lá fomos os dois saber do paciente e de seus males naquelas alturas. Era um senhor de idade acima da minha, imagino, com um aspecto de certa cronicidade, acompanhado de sua esposa, a qual só deixou o penitente falar quando lhe interrompemos a verborragia com a qual se expressava. Era preciso, então, ouvir o inquieto doente. Falou, afinal, e disse de suas mazelas, de seus exames e dos encontros patológicos anteriores. Decidimos, então, nos reunir na parte final do avião, em verdadeira junta médica aérea.
Foi ai que o colega indagou os meus dados e eu perguntei sobre ele. Chegamos à conclusão que éramos amigos de um terceiro: o Júnior. O nosso companheiro recém-identificado é um anestesista com experiência larga no interior de Pernambuco e sobre ele temos histórias para justificar aquela risadaria toda na cozinha do avião, enquanto o comissário fora buscar o que chamou de “Maleta de Médico”. Não poderia esquecer de contar uma passagem engraçadíssima, aquela da praia da Conceição. É que estávamos, os dois casais, numa animada conversa, quando uma estrangeira bem afeiçoada de corpo baixa a sua roupa de banho e expõe dois seios robustos. Me virei para o Júnior e disse em voz baixa: “Estou me sentindo mal! Estou todo me tremendo”. E ele: “Por que você está assim?”. Veja só o que vem se aproximando da gente! E lá vinha o monumento móvel se deslocando. Não andou muito, viu o grupo e se recompôs! Que pena!
E cada qual contava uma ocorrência com o nosso amigo comum, até que chegou a “Maleta de Médico”, uma caixa de madeira grande, de cor branca, parecida com os apetrechos usados nas guerras. Cascavilhamos o conteúdo e identificamos o que íamos precisar e lá fomos nós examinar o nosso cliente de ocasião. Vai pra lá e vem pra cá, o homem tinha 38,8ºC de temperatura e por isso tremia tanto, trazia a pressão arterial normal e tinha o ritmo cardíaco regular. Bastou um paracetamol para resolver a questão e um tranqüilizante para a esposa, cujo nervoso era maior que a doença do marido. Não que fosse como a cantoria de minha infância: “.../A inveja mata mais que a doença/...”. Coitada, estava aperreada, com a infecção renal brutal do esposo e com a hipertensão arterial, da qual não se tratava direito, não obedecendo às ordens do médico. Voltamos e nos sentamos, não sem antes nos tornarmos quase donos da aeronave, porque tudo de bom nos foi servido, do bacalhau bem passado ao vinho português de boa origem.
Agora, imagine o leitor, que me honra, sempre, com o seu exercício da leitura isenta e desapaixonada, que diante do nosso doente havia um jovem de seus 30 a 34 anos com uma máscara no rosto. Gripe suína? Ou medo da virose emergente? Não sei! Só sei que voltando para o meu lugar, desatei a espirrar e contei nos dedos 4 espirros fortes. Vou contabilizando essa mórbida manifestação e no dia de hoje, confesso, contando tudo, já se vão 12 espirros. Mais um agora mesmo: treze. A conta do azar! Valha-me Deus do céu! Essa gripe me mata!
(*) Crônica escrita depois de ter chegado ao Recife, vindo de Madri, onde deixei a minha filha, o meu genro e o meu neto, todos juntos num frio de rachar os lábios. Relato de um atendimento a bordo, quando um doente tremia de frio, em consequência de uma febre (38,8ºC). Mas, sobretudo, relato de uma conversa fiada nos fundos do avião com um colega amigo de um velho amigo, a quem dedico a crônica: o Júnior. Comente no espaço do Blog ou o faça para pereira@elogica.com.br ou ainda para pereira.gj@gmail.com