sábado, 26 de julho de 2014

Um livro a mais

Este livro traz de minha mãe o carinho; o carinho porque está composto, todo ele, por crônicas que foram guardadas por ela ao longo de muitos anos, de décadas. Eu sabia que ela tinha esse cuidado com os meus textos, que eram publicados no Jornal do Commercio do Recife. Mas, não sabia que tinha tal quantidade de artigos, que poderiam resultar até em livro. Nem ela própria tinha essa impressão, a de que esse material assim arquivado serviria ainda para uma publicação que reunisse todo esse esforço, mais dela que meu.

Pois é, amigo leitor, a minha mãe (Lila Marques Pereira), encantou-se em 2013, no mês de agosto, de todos os azares. Já tinha 94 anos na conta das gentes com quem viveu. Passou 4 anos – longos anos – acamada, sob o cuidado sempre muito próximo da filha mais nova, minha irmã caçula, mais nova que eu 10 anos, Fátima de prenome. Foi Fátima quem desarquivou tudo isso e me enviou numa grande caixa de papelão. Quando fui revisar, encontrei muita coisa que não tinha ainda divulgado em livro e resolvi enfeixar nesse volume que ora vai a lume.
São crônicas, muitas delas com humor, porquanto o meu estilo de escrever contempla sempre a graça e as frases engraçadas. Mas, tem o sério, o reflexivo, o contemplativo, seja pelas palavras que dediquei à minha mãe, sobretudo nos anos fechados de sua vida, aos 70 e aos 80, mas também as minhas dores quando de seu encantamento, seja pelos textos escritos com a reflexão social de que me tomo, diante das grandes questões da minha gente, de meu povo. Entendo que um espaço de jornal, capaz de acolher o texto de quem teve acesso às letras e à cultura, mesmo que insipiente, não pode ser desperdiçado e precisa atender aos relamos da sociedade.
É um livro, pois, dedicado à minha mãe e de certa forma escrito por ela, porque sem ela não teria o prazer de lançar o volume.

(*) - Texto da Apresentação de meu livro com o título: Textos esparsos - Crônicas dispersas. Livro que ofereço a minha mãe, responsável pela coleção de minhas crônicas assim reunidas.






sexta-feira, 18 de julho de 2014

Uma sociologia das madrugadas

No primeiro raio de sol, o sabiá-gonga dessas paragens ensaia os acordes das lembranças, cantando saudades da fêmea que se foi no ontem do tempo! E na outra árvore, um bem-te-vi de penas doiradas grita o trinado das distâncias, convidando a companheira para os amores do dia! Vez ou outra, um canário-da-terra estrala num galho qualquer, resgatando aos meus ouvidos a melodiosa sonoridade da infância. E o galo do terreiro de junto saúda as galinhas poedeiras! Assim, me alevanto, espantando os fantasmas, que nas inquietudes das noites vão parindo os sonhos e forjando devaneios, realizando, afinal, desejos e vontades. Afugento as insônias, que sempre me fazem perder as horas! Da varanda vou anotando a rotina das madrugadas, vendo a gente que passa, uns em direção ao trabalho já e outros buscando o lazer do parque; gente branca e gente negra, gente amorenada da pele, cada qual com seu destino.

0 homem da padaria trafega em bicicleta muito antiga, carcomida pela ferrugem. Vai parando e atendendo aos peões das construções, pessoas que fazem os prédios subirem para o alto dos céus, mas que não podem dispor de moradias assim, novas e sofisticadas. Moram, na verdade, nas periferias insalubres! São várias as opções, do bolachão ao pão doce ou do francês ao crioulo, à preferência do freguês e a depender do vil metal. Tudo para acompanhar o café matinal, que pode ser tomado com o cuscuz de rua, de cujo apito afloram outras lembranças. Só não há mais quem venda o mungunzá de bom milho, trazido à cabeça em latas de flandres bem fundido. Ou não ha mais quem venda os bolinhos de bacia, transportados em depósitos de madeira envidraçada. Desapareceu, também, das ruas do Recife o entregador de leite, que deixava nas casas, muito cedo, um litro do precioso líquido.

As sete horas, precisamente, começam as atividade dos pedreiros e dos ajudantes, uns aqui e outros ali, todos juntos no mister de levantar paredes no caminho das nuvens, massas brancas do infinito, guardiãs fieis das fantasias e dos sonhos, de quem vive e sobrevive dessa maneira, embalando o imaginário. E o prédio vai tomando forma, compondo a paisagem urbana com a frieza do cimento, limitando espaços internos para as habitações da modernidade, umas sobre as outras, como se fossem gaiolas empilhadas, contadas as dezenas, de quatro pra cima. Permito-me, então, a reflexão da hora! Penso nos que moraram por aqui no antes dos anos, cujas casas tombaram à força da impiedosa da picareta. Foram felizes? Amaram e foram amados? Quem sabe? Pouco se conhece dessas antecedências, senão um ou outro detalhe! As oito, entretanto, tomo o elevador e me ausento desse cotidiano e dessas rotinas. Perco o resto do dia! Afinal, vou trabalhar, também!
Sei, podem, que alguns desses peões, à falta de um acolhimento qualquer, se acomodam nas construções mesmo, quando a noite emerge e o manto negro do tempo encobre o dia. Chegam de distantes paragens, fugidos da seca, no domingo a noite, enquanto a burguesia assiste ao derradeiro programa de televisão, desembarcando de jipes duros e desconfortáveis. Por certo, no final da semana devem levar a féria para a feira e aproveitam a oportunidade desses retornos para o rever dos amores e o afugentar das dores. Tudo vale a pena/ Quando a alma não e pequena/..., disse o poeta, o maior de todos em língua portuguesa. Vale à pena voltar, a cada sexta-feira ou a cada sábado, para a largueza do completamente rural e retomar convívios. Por lá, com toda certeza, ainda reina a paz dos anjos e há mulheres de olhos da cor da esmeralda, descendentes de velhos europeus.
Ao final de cada jornada, no entanto, nenhum desses peões dispensa a namorada, empregada domestica, pelo geral, dos apartamentos que construíram nessa redondeza ou nesse entorno. Sentam-se na praça e no banco de madeira pintado com a cor da pureza, roubam beijos e furtam demorados amplexos. Fazem de conta que estão na festa da paróquia, girando no carrossel dos ares! Recolhem-se, finalmente, nos improvisados recantos de oníricos encantos. E novamente a madrugada chega, o sabiá-gonga expressa lamentos e o bem-te-vi grita saudades, vez ou outra o canário entoa lembranças! Vou a varanda e declaro silente o recomeço do meu tudo.


sábado, 12 de julho de 2014

Exílio de sentimentos

Esses tempos de agora, dos começos de um novo século ou dos inícios quase silentes do terceiro milênio, estão me parecendo mais do que propícios às digressões do espírito e aos devaneios paridos das entranhas d'alma ou às lembranças dos antanhos perdidos nas brumas, paradoxalmente, claras do passado. É o que posso concluir, depois do que tenho escrito e, sobretudo, depois de ter ouvido comentários a propósito de minha derradeira crônica — Fim de Século —, publicada por cá, neste espaço de jornal. É assim, as datas servem pra isso, para a reflexão dos anos, para um resgate do que se encantou nas sombras do ontem. Há uma crise do humano e os afetos estão condenados ao degredo! Exílio dos sentimentos!

Lembro de minha avó paterna, Beatriz de prenome, de seus medos e de seus receios quando o calendário virou e fez nascer o seu outro século! Fim de mundo, pensou! E o mundo não findou! A grande roda dos dias continuou a girar e todas as noites, no abraço dos ponteiros, nova anunciação se fez! E mais cem anos se passaram! Noto que as mulheres, mais que os homensL, fazem a leitura das entrelinhas, mergulham fundo na emoção, entendem a mensagem das épocas, tão pessoais que não se imagina possam chegar às intimidades do ontem. Mas chegam, porque o cotidiano ultrapassa a individualidade, socializa a memória!

Aquela senhora que a distância promove a introspecção da hora, retoma as veredas da adolescência, revive os caminhos da juventude, anda pelas alamedas de seus outroras e identifica cantos ou recantos, encanta-se, então, com as recordações do antes. Faz projeções quase metafóricas e imagina que o autor ingressou na idade das lembranças. Tem razão e não tem! É que a saudade vai se materializando assim, em fantasias dos reencontros com o tempo! Sonhos nascidos do imaginário, devaneios que se espraiam nos ares do mundo, amorfas silhuetas dos que se foram! Alguns para sempre e outros porque apenas passaram! Os atores dos espetáculos do meu hoje não são mais os mesmos, mudaram os figurantes e trocaram os cenários.

A professora de pouca idade não viveu os meus anos, mas tem similitudes nas lembranças, gosta de recordar seus tempos e suas épocas. É isso mesmo! Na conta dos séculos os pequenos espaços temporais são quase desprezíveis! A alma de cada um, no entanto, identifica lugares e coisas que promovem a convergência dos sentimentos. Há saudades do que se viveu e do que nunca se viu! Às vezes, surpreendo-me assistindo a um sarau na casa-grande do velho engenho de meus antepassados. Este piano que ouço agora, enquanto deixo transbordar o coração, às custas da emergente inspiração, em cujo teclado estão as mãos de Paulo Valença, tão presente nas minhas idas ao Restaurante Leite, parece resgatar a sonoridade melodiosa daquelas noites. A minha tia Ema, inglesa de nascimento que morreu de parto e virou cobra, ouve, atentamente, cada um das notas e o meu bisavô Vicente, vestido de preto, de luto, sempre, pela filha que não pôde salvar, com um cálice de bom conhaque, desliza os olhos pela sala, observando os circunstantes e antevendo futuros.

A senhora loura, de tez clara e olhos da cor da safira, que em prévia carnavalesca senta junto a mim e faz a voz superar os acordes do frevo, confessa que as crônicas lhe dão a nítida sensação de que faz parte do texto. Mistura-se, então, às letras e às palavras, passa pela inusitada metamorfose do ser, a uma só vez sentimento e frases, períodos, enfim, que também viveu. Festinhas de bairro e encontros de brotos, idas e vindas ao Clube Internacional. Anos que se foram e décadas que passaram, momentos felizes de uma outra juventude. Gente prateando os cabelos com a tinta do tempo! E para justificar a regra da predominância feminina, o sr. Camilo Brito, faz digressões sobre os seus dias em terras lusitanas, onde nasceu e de onde trouxe as lembranças de seus antanhos. E Miguel Doherty, de inglesas origens, como tia Ema, liga muito cedo, antes das sete. Leu as entrelinhas, confessa! As mulheres desta terra de Maurício e os homens de além-mar!
Noto que as mulheres fazem a leitura das entrelinhas, mergulham na emoção.

(*) - Um texto escrito há muitos anos, ai pelo ano 2000, talvez um pouco antes, tratando do século que chegava e do milênio que aflorava. Lembrando outras passagens de tempo assim, com ameaças e com superstições. As opiniões também da gente de me cercava ao tempo.

domingo, 6 de julho de 2014

O Trem Bala

Quando eu era menino e usava calças curtas, gostava de fazer escavações no quintal de casa! Tomava a colher de jardineiro com que minha mãe cultivava as rosas do jardim e cavava o que podia lá no fundo do terreiro. Mal começava a operação, já minava água por todos os lados, assegurando-se, então, mais e mais, as origens do Recife, plantado sobre os manguezais dos outroras. Mas, na minha cabeça e no meu imaginário de criança era possível chegar ao outro lado da terra, abordando o Japão, assim, de forma tão artesanal. Fantasiava que de repente, não mais que de repente, um homem de olhos apertados ou uma mulher bonita, de feições orientais, surgiria dos fundos daquele buraco, emergindo nos meus domínios, naquela ambiência das minhas divagações lúdicas. Não imaginava, também, que um dia tomaria o aeroplano das invenções nacionais e dos sonhos de Santos Dumont e rumaria à Terra do Sol Nascente. Pois é, amigo leitor, viajei, cumprindo o inverso da trajetória infantil e vou surgir nas distâncias nipônicas, dos céus, ao contrário de minhas fantasias, de telúricas emergências. No aeroporto, a minha mãe, no habitual das coisas e das despedidas, disse: “Deus o leve!”. Depois, lembrou-se que por lá, nas friorentas paragens do Oriente, quem manda é Buda e fez o reparo: “Buda o traga de volta!”. Saiu-se bem e foi política, sobretudo, agradando às duas correntes, das crenças e da fé!
Tenho sobre os meus ombros, maduros, agora, a missão de observar o sistema de saúde, as razões pelas quais o Estado pode sustentar a chamada atenção universalizada, oferecendo a toda gente, independentemente da classe social, a merecida assistência às injúrias do corpo e da alma, que acolhe o psiquismo humano. Como devo, de igual modo, visitar as instituições acadêmicas, conhecendo o evoluir das pesquisas no campo da doença, principalmente aquelas de natureza infecciosa e de cunho parasitário, objeto de meus estudos, também, há tantos anos. Vou rever, da mesma maneira, companheiros que estiveram no Recife em tempos pretéritos, iniciando o intercâmbio na década mágica dos anos sessenta, quando por aqui aportaram os desbravadores dessa ligação tão forte, já, no âmbito dos males dos trópicos e da implementação do sistema de atenção à saúde tupiniquim, embrionário, ainda. De trem bala, então, viajarei, pra lá e pra cá, cumprindo a destinação da missão! Não significa, porém, que perca as minhas características de observador simples do cotidiano das coisas e dos costumes. Das pessoas, sobretudo, da criatura humana plantada de forma diferente, sempre, em cada recanto do globo, mas, com as mesmas qualidades e com as mesmas fragilidades da condição de gente, apenas, sujeita às intempéries do mundo de fora e do mundo de dentro, dos interiores, pois!
Quando a segunda-feira nasceu - o dia 3 de março -, parida das entranhas do feriado de fim de semana, na madrugada, ainda, em São Paulo, tomei o Jumbo da JAL e pelos ares do mundo faço como o poeta: Vou danado pra Catende/Vou danado pra Catende/Com vontade de chegar... Cuido em levar, a tiracolo, os agasalhos todos de que disponho e os que dispõem, igualmente, os amigos diletos, os meus companheiros de batente, da faina diária, os quais têm mais horas de vôo e se habituaram, já, à lã e à linha dos casacos de frio. Pela Internet, todavia, comuniquei-me com brasileiro largado pra aquelas bandas e soube de seus tremores quando o dia amanhece em Tóquio e confesso os meus temores. Ora, sou nascido e criado no calor dos trópicos, acostumado ao suor pingando no rosto, de dia e de noite e costumo bater o queixo diante das temperaturas baixas ou abaixadas. Não ligo o condicionador de ar, senão no mínimo da potência, puxando o lençol, de logo, pra cima de mim, isolando-me do vento e da aragem artificial. Imagine ao natural!
Depois, à volta, hei de escrever as impressões de viagem! Fazer, como toda gente que se preza e ensaia a arte do registro, um diário, assinalando as benesses e os tropeços.

Texto escrito em 1996, logo que cheguei a Tóquio e me instalei no hotel do governo, para tanto destinado, isto é voltado para a hospedagem de convidados da gestão.











                                                 
  
   

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O Clube do Bolinha


Dia desses estava assistindo um programa de televisão, cujo titulo não guardei, quando falaram no Zorro, ficção dos meus anos de menino. Foi coisa rápida, mas de pronto imaginei que estaria ai um tema para uma crônica em meu Blog. Pois é, fui leitor assíduo das histórias Don Diego de La Vega/Zorro, uma versão do justiceiro social em meados do século XX. Lembro que esperava a minha mãe voltar da cidade, como se usava chamar o comércio do centro, para pegar as revistas que trazia, compradas na Avenida Guararapes, penso eu. O mascarado, montado em seu cavalo Silver e acompanhado de seu amigo Tonto, fazia sempre justiça, quando tinha os fracos e oprimidos na linha das maldades sociais, que persistem na sociedade de hoje.
Mas, dessas revistas todas, trazidas por minha mãe, porque não havia bancas nas ruas dos bairros, aquelas ligadas ao pato Donald e seus sobrinhos eram dos meus agrados, das minhas preferências para as leituras. Costumava sentar no alpendre de casa, recostado numa cadeira de madeira muito boa, para me entreter com as histórias da família do pato; da família e dos amigos. Era uma beleza! O tio Patinhas, conhecido por sua sovinice, exigia muito do sobrinho e não abria mão das moedas que guardava para nada. Era um horror! E o pior é que existe gente assim! Margarida encarnava a pata que se apaixonara pelo Donald e estava sempre atrás de um contato, que fosse. Mas, ao que saiba, nunca se acertaram.
 Havia, também, a revista da Luluzinha. Nessa publicação o companheiro dela, Bolinha, costumava aparecer disfarçado em toca-discos e assim circular pelos ambientes da ficção, sem ser identificado. Eles se escondiam, os dois, na companhia de Alvinho e de quando em vez contavam também com a participação ativa do Raposo, um mauricinho que se botava para os lados de Luluzinha. Ainda hoje se usa dizer, quando uma reunião é destinada somente a homens, que se trata do Clube do Bolinha. Esse personagem, portador já de uma obesidade quase mórbida, antecipando-se no tempo, mantinha na casa usada por eles a inscrição “Menina não entra!”. Um outro personagem era Glorinha, egoísta e orgulhosa, menina rica que esnobava diante dos outros.
O cachorro Pluto, que pertencia a Mickey, era um animal alegre e descontraído, amigo de seu dono e amigo de todos. Serviu pra mim na faculdade, porque esse foi o meu apelido na turma. É assim, na escola cada um tinha um cognome e quando eu saltei de um banco pra outro, no anfiteatro de anatomia, um colega que já morreu, disse: “Parece o cachorro Pluto!”. E por Pluto ficou até o hoje dos dias, nos encontros festivos com os colegas. Estamos nas proximidades já dos 46 anos de formados e quando nos encontramos costumamos assinar o nome de Batismo e o cognome ao lado.

(*) Esse defeito no Blog, avisado por alguns amigos e detectado por mim logo cedo, fiz tudo e não consegui superar. Peço desculpas, mas nada pude fazer!