domingo, 19 de dezembro de 2010

O nariz, o braço e a UTI

Voltei há pouco do hospital, onde passei quase 7 dias internado – seis dias e meio –, depois de ter atravessado a fase aguda de um AVC. No fim, no fim, saio contando a historia e fazendo a contabilidade dos ganhos e das perdas. Não que venha aqui para dizer que foi bom, que valeu. Que o saldo foi positivo! Não! Seria hipócrita se dissesse isso! Mas, especialmente para comentar o que vi e o que ouvi nos dias de meu exílio. Antes de tudo informo que estou andando normal e mexendo do jeito que já mexia. Colega meu, em visita à UTI, dizia assim: “Você está melhor do que antes!”. Exagero! O que me falta são os movimentos finos dos dedos da mão direita, razão para escrever com certa dificuldade agora e motivo para não me arvorar em assinar qualquer documento. E, fiquei fanho! Dizem os entendidos que tudo isso passa!

Mas, a grande lição é a da amizade. Em meu telefone havia uma sobrecarga de 10 recados e logo em seguida a gravação informava que era preciso apagar alguma das mensagens. O telefone de casa tocava de minuto a minuto, disseram as filhas. E o afluxo de pessoas à UTI ultrapassou a expectativa. Como grande parte de meus amigos é médico, eles entravam em qualquer horário, o que fez uma das auxiliares dizer o seguinte: “Esse ai é uma celebridade!”. Em seguida, o rapaz que entrou no lugar da moça, completando-lhe a noite, indagou: “Como o senhor deseja ser tratado: por ‘seu’ ou por ‘doutor’?”. Ora, amigo velho, trate como quiser, respondi. E nessa conversa mole eu fui extremamente bem tratado.

Na hora de fazer uma ressonância a vaca foi pro brejo. Imagine o leitor que não conseguiam colocar uma peça do equipamento sobre a minha cabeça; peça, aliás, a que chamavam de “antena”, não sei por que cargas d’água. Era o meu nariz que ficava, sempre, fora do alinhamento desejável. Ai, tive ímpetos de explicar que desde o meu avô, a proeminência nasal dos descendentes vinha aumentando. Não expliquei! Mas justifiquei que nenhum dos “Marques” entraria naquela máquina, malgrado o fato de que alguns são loucos por ambientes assim, claustofóbicos. Afinal, arranjou-se uma máquina capaz de comportar o meu nariz e o exame foi feito. Para o exame, como a outras dependências da instituição, eu ia sentado numa cadeira e a moça da enfermagem me levando. As pessoas ficavam olhando e numa das vezes, não tive duvidas: “Eu sou da Tamarineira e pego criancinhas pra fazer mingau.”. A senhora que passava parou, olhou pra mim e disse como minha tia velha: “Vote!”.

E quando fui pela vez primeira tomar um banho de chuveiro, a auxiliar de enfermagem me falou: “Vou fazer um embrulho de seu braço!”. E dessa forma, devidamente, embrulhado, fui ao chuveiro tomei o meu primeiro banhinho. Do mesma forma pueril vou por aqui recomeçando a vida, aprendendo a assinar os documentos e voltar a falar sem o jeito fanhoso de ser. Sem esquecer nunca de que no internamento levantei a vista aos céus e disse a Deus: “Senhor deixa-me viver! Ainda tenho dois trabalhos para publicar. Um desses com 100 páginas.”. E o Pai, senhor da vida e da morte, me mandou contar isso aqui, dizendo que não adianta correr, como eu fiz, pois a vida exige reflexão e calma.

VIVA A VIDA!!!!!!

Um texto escrito depois de ter chegado do hospital, onde estive por sete dias ou quase isso, me recuperando daquilo que os meus ilustres colegas chamam de "insulto neurológico". Comente o leitor.