sábado, 14 de maio de 2011

Dor de cotovelo

Era uma venda de subúrbio no Recife, de esquina como tantas. Tinha o balcão ensebado de tanto se cortar a carne de charque, o bacalhau e o fígado de alemão. E ele, que se chamava Vitoriano, era um empregado habilidoso no negócio, dizia-se que em breve, em breve mesmo, estaria como interessado nas vendas, uma forma de se cotar para a condição de sócio, mesmo que informal, no vaivém da bodega. Saia um e entrava outro, vinha gente apenas para telefonar e pagava pela ligação ou vinha quem tinha a velha caderneta, ensebada, também, para anotar os pedidos e pagar no final do mês. Ele, Vitoriano, estava ali, atendia os clientes junto com o Sr. Praxedes, dono do estabelecimento, quando viu chegar Felisberto, a quem costumava confiar seus segredos. Não resistiu e disse:

- Felisberto: preciso falar com você e logo! Não vá embora! Aguarde um pouco e já termino aqui.

Eram amigos de muito tempo e colegas na Faculdade de Direito. Daí a pouco entrou com o companheiro e foram quase para as dependências domésticas da venda. Era assim, o estabelecimento comercial na frente e lá pra trás a moradia da família. No pequeno corredor que separava as duas partes – a doméstica e a comercial – sentaram-se e Vitoriano abriu num pranto convulso. Chorava e batia com a mão espalmada numa mesa de refeição.

- Pelo amor de Deus me socorra, Felisberto, eu levei chifre e estou desesperado. Anita não me quer mais, me trocou pelo primo bem mais novo que eu, menino de seus 17 ou 18 anos, um cabritinho no meio do mundo.

- Ora, meu caro Vitoriano, você é novo ainda, não tem 40 anos de idade, é capaz de refazer a sua vida, como já refez da primeira vez, quando tinha filho, imagine agora, sem filhos e sem outros compromissos.

- Não, não aguento, vou meter uma bala na cabeça. Não posso viver sem ela, não posso dispensá-la em meu cotidiano já mexido com tanta coisa.

- Mas, conte-me lá como foi isso? Como aconteceu? Como começou?

- É, Felisberto, coisa mesmo do demônio, do cão dos infernos! É que ela costumava ir à casa dos parentes, em Pombos, no Agreste esturricado de Pernambuco, e não tinha quarto para dormir, senão com o Justino, o primo mais novo, o que restava solteiro em casa. E conversa vai, conversa vem, o menino trocou de cama, foi dormir com ela, que tem quase o dobro da idade dele. Inventou que tinha medo de fantasma e que não conseguia conciliar o sono. Nisso foi se agarrando com ela, se agarrando cada vez mais, acariciando o corpo dela mais e mais, bolinando os seios e finalmente alcançando o lugar de todos os desejos. Foi um fim de semana, dois, quatro, seis e desistiu do casamento. Eu não aguento, juro que não, vou me suicidar, não há jeito.

- Calma amigo! Você não é o primeiro caso, nem será o último. Vamos em frente retomar a vida, recomeçar a existência. Arranja outra e recompõe tudo. Pode até, se quiser, ir a uma psicóloga e acabar com isso. Não dê asas à depressão, não atice o fogo da dor de corno. Assim, nem paca nem tatu!

Anita era mulher de seus 38 anos, de corpo bem feito e bem parecido, mais pra gorda que pra magra, cheinha, diziam as pessoas. Os quadris é que eram interessantes, moviam-se de forma sincopada e quase espontânea.  Costumava sair com Vitoriano pra onde podia ir, sem atrapalhar suas coisas. Diziam que era uma mulher e tanto na cama, dando trabalho pra ser domada, como se fora uma fera ensandecida, diante de um macho que lhe cortejava o sexo. Todas as noites faziam amor, era o que se dizia à boca pequena. Com o menino, diziam abertamente, passava a noite inteira aos beijos e abraços. Não havia trégua, que fosse. Pela manhã estavam largados, cansados e moles, indispostos. Não tinham dormido nada, praticamente e caiam na cama. Ela viajava só pra isso, não queria outro compromisso. A propriedade era grande, preenchida por hortas e pomares. Havia uma pastagem verde para o gado, que pastava pachorrento.

E Anita juntou os seus pertences, coisas suas e coisas que tinha ganho de Vitoriano em seus dias de carinho e amor, fez a mala e tomou uma sopa. Desapareceu na estrada e nunca mais se dela se teve notícias.

(*) Este é um conto escrito com base em fatos reais, com os nomes dos circunstantes trocados, naturalmente, bem como as circunstâncias para que não sejam identificados os protagonistas nem os cenários. Desejando o leitor comentar, não hesite, use o espaço mesmo do Blog ou escreva para pereira.gj@gmail.com ou ainda para pereira@elogica.com.br