quinta-feira, 4 de julho de 2013

A vida de uns e de outros


Tenho me ocupado, ultimamente, em refletir a propósito do que se vem chamando qualidade de vida, sobretudo a respeito do esforço de certos setores em oferecer à criatura um desejado bem-estar, cuja expressão envolve a saúde física e a tranquilidade de espírito. Indago-me, especialmente, se a classe média, tão exigente com o consumo, sente-se melhor que a gente simples, a qual nos interiores do País, por exemplo, pode ter acesso ao mínimo necessário à sobrevivência? E até que ponto se deve, realmente, intervir na vida de quem se sente em paz, acenando com bens materiais e outros ganhos próprios daqueles que Gilberto Dupas considera os “incluídos” ou mesmo os “ainda incluídos”? A televisão faz isso!
 
Cuido em observar os modos de vida dos que no dia a dia do existir humano não ostentam: os modestos ou os singelos. Não me refiro aos paupérrimos e aos miseráveis, aos “excluídos”, afinal. Ora, será que o Sr. Zezinho, lá de Chã de Cruz, tem uma qualidade de vida inferior aos habitantes urbanos, postos em moradias verticais e trancafiados o tempo todo? Creio que não! Tenho visto a sua satisfação d’alma em sair de casa e de bicicleta chegar ao condomínio da pequena burguesia, em Aldeia, atendendo um aqui e outro acolá, juntando essa féria extra ao que percebe por mês como salário! Não deixa de sorrir e de comentar com humor os fatos corriqueiros. Joga futebol e toma a sua caipirinha, de leve!

Ignoro os seus horizontes de futuro, mas nunca ouvi dele palavra que fosse assemelhada àquelas dos interesses dos meus convivas. Um carro novo ou uma bicicleta do último modelo, um equipamento de vídeo, uma viagem pra fora de seus domínios, mesmo que seja à Carpina. Não enjeita, porém, um piquenique a Natal, pelo passeio ou pela bagunça no ônibus de aluguel. Por certo, nunca ouviu falar nas excursões à Europa, para ver os museus de Paris e os parques de Londres. Vive assim, pra lá e pra cá, entre a Chã e o condomínio. Quase nunca vai a Vera Cruz ou a Tabatinga. Assistiu ao espetáculo do circo, porque a trupe instalou-se nas cercanias de sua casa e a entrada custava um real, nada mais.

Assim com a Dona Cecília, vizinha, quase, do Zezinho, que fez do terreiro de casa uma sementeira e vive do cultivo das flores, das orquídeas bem cuidadas e dos girassóis viçosos, de bromélias imunes ao Aedes aegypti e das avencas verdes e pendentes. Aprendeu tudo isso no colégio de freiras em que estudou e se vai a Garanhuns, vez ou outra, é para comprar novas mudas, diferentes, que se acrescentam ao seu jardim. Sustenta a família, mas já tem os filhos empregados, trabalhando para os que passam os finais de semana fazendo um churrasco com carne importada e tomando o whisky das bandas escocesas. Não suporta o inteiramente urbano e detesta, como expressou, a avenida Agamenon Magalhães.

Compare o leitor a vida dessa gente com a dos remediados pela sorte, entregues ao labor mal o sol desponta, voltando ou não voltando para almoçar e retomando jornadas, de trabalho e mais trabalho. Recepções e formalidades, no trajar e no tratar, cumprimentos forçados e vênias inúteis. Quando a semana finda, uma ida ao shopping, às compras ou a passeio, para admirar vitrines ou se empanturrar nas praças de alimentação. Mas, há os que se contaminam com os males da civilização, como aquela dedicada secretária dos afazeres domésticos. Máquina de lavar roupas e vídeo, conjunto estofado bem forrado e celular. Resultado, carnês e mais carnês a juros de mercado! Agiotas e assemelhados na porta!

E o Sr. Zezinho, quando disse que um computador poderia ser posto à sua disposição na portaria do conjunto habitacional, conformou-se com a justificativa de que a sua cultura seria esmagada. Um homem crente nas coisas da natureza, cuja crença ultrapassa a flora e a fauna, para chegar às lendas, como a da “Comadre Fulozinha”, não pode e não deve ocupar-se de um teclado ou mexer num mouse! O que seria de Dona Cecília, com um banco de dados informatizado das plantas de seu quintal?

Entende-se que há limites que não podem e não devem ser transpostos e há horizontes diferentes para uns e para outros. Mas, compreende-se que muitos estão largados pela sociedade e é preciso integrar essa massa desprezada ao exercício mavioso da vida, do existir humano.