domingo, 14 de fevereiro de 2010

Domingo de Carnaval

A televisão abriu o domingo de Carnaval com uma exibição curiosa: um desenho de Luluzinha e Bolinha. Participavam, também, outros protagonistas, como Alvinho e os pais do garoto que costumava se disfarçar em radiola. Não vi o Raposo, com o seu jeitão orgulhoso e a sua auto-estima crescente, graças aos amores, às vezes frustrados, da Lulu. Já levantei um tanto quanto mofino, como dizia minha avó, cabisbaixo, desolado; afinal o meu neto, Pablo de prenome, viaja hoje. Sai dos trópicos – Tristes Trópicos de Lévi-Strauss –, para voltar ao, inteiramente, temperado da Espanha. Sai dos 32ºC para adentrar na negatividade dos - 2ºC. Valha-me Deus do céu! Ontem à noite, à entrada do restaurante, o vigilante, ao saber da origem da criança e tomando ciência de seu retorno hoje, disse: “Cuidado com o térmico!”. Alertava, então, para o choque térmico da chegada. E é isso mesmo! Senti o térmico, faz pouco tempo, em Portugal!

O desenho talvez encerrasse uma fase de muitos filmes infantis que vimos juntos, a família toda, reunida como está em Recife, numa corte quase permanente a Pablo. Ora, ouvi por cá cantigas de menino que não são mais as minhas. Cantos e toadas da Rainha dos Baixinhos, Xuxa por apelido, sendo capaz, até, de dizer, de cabeça, as letras dessa musicalidade que tanto atraiu as atenções do infante. A “Galinha Pintadinha” mereceu repetições mil: “A galinha pintadinha/E o galo carijó/A galinha veste saia/E o galo paletó...”. A questão maior é que a penosa adoece e o macho nem liga para as mazelas da bichinha. Os pintinhos saem correndo e chamam o doutor. Chega o peru enfatiotado, trazendo a tiracolo a enfermeira, imerecidamente um urubu e uma pena de pavão, a injeção salvadora da ave que adoecera. E por ai vai! Hão de silenciar os equipamentos de som e a televisão, o menino se vai para bem longe daqui. E agora, doutor?

Essa minha paciência em ouvir tantas vezes a história, talvez representasse a penitência a ser paga aos meus outroras vividos. É que andei muito tempo pela rua do Sossego, onde moravam alguns de meus amigos e por lá, numa manhã de férias, junto com Marcionilo e com Marcelo, capturamos uma galinha fujona em terreno baldio do lugar. Matamos a suplicante e inventamos um churrasco. Sequer tínhamos noção de como proceder com a carne, mas instalamos o fogo, queimando gravetos do lixo e traspassamos o galináceo com uma vara, um pau. Do fundo à boca, o espeto improvisado rompeu a intimidade do bicho. Não evisceramos a franga e não lembro se alguma coisa restou para ser comida, a pele tostada certamente. Foi uma maldade aquilo lá; maldade de adolescentes em flor, que buscavam aventura e se depararam com a fuga inesperada da pesada ave.

Por lá, pela rua do Sossego, havia uma sociologia peculiar. Existia um prefeito da rua, dono de um Chevrolet Bel Air azul e branco e pai de uma coroa – mulher de seus quase 50 anos – que fazia convergir os desejos da meninada. Ela tinha sempre um namorado jovem, pelo que foi uma antecipadora das atrizes de agora, dessas celebridades e de outras beldades que se cercam de rapazes na flor da idade e com isso se sentem muitíssimo bem. Lembro da cinquentona sentada no terraço, aos beijos com o garotão de plantão. Aquilo encantava a rapaziada da rua. Em casa de Marcionilo, algumas vezes, Dona Zenaide me fazia subir no pé de manga rosa para a colheita da safra. Nunca tive coragem de dizer que minha mãe deplorava isso, qualquer investida de minha parte em árvores ou mesmo arbustos. Tinha medo da queda! Do braço quebrado, da bacia fraturada! Nunca aconteceu nada!
Certa vez, íamos no carro de Seu Nilson, pai de Marcionilo, ao cinema e o homem estacionou para oferecer carona ao pai de uma menina que eu vinha namorando. Deus do céu, quase digo, quando a criatura sentou-se a meu lado, eu levantei o paletó – ia-se ao cinema assim – para não ser reconhecido. Não sei mais do diálogo – Marcionilo sabe –, mas tremi feito vara verde com aquela companhia.

E o menino balbuciando Papá mostra que está na hora de voltar: quer ver o pai!